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Ciclo de Debates aborda conceito de PICS e medicinas tradicionais

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Publicado em:05/12/2023
Por Elisa Batalha

O Ciclo de Debates sobre Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no SUS, realizado na ENSP no dia 27/11, teve como objetivo promover uma contextualização sobre a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS, e discutiu ainda os conceitos, questões epistêmicas e históricas ligadas às PICS e às medicinas tradicionais, complementares e integrativas (MTCI). As PICS estão institucionalizadas no Brasil por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPICS), com 29 práticas reconhecidas pelo Ministério da Saúde, entre elas meditação, fitoterapia, auriculoterapia, acupuntura, homeopatia, arteterapia, aromaterapia, antroposofia e Terapia Comunitária Integrativa.

Com o tema Contextualização da Política e do Conceito de Práticas Integrativas e Complementares, o evento foi organizado pelo Espaço PICS da ENSP, com o apoio do Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde (ObservaPICS), vinculado à Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz. O evento contou com a presença do diretor da ENSP Marco Menezes na abertura e mediação de Inês Reis (CGESF/ENSP E GT PICS ENSP) e Islândia Carvalho (Fiocruz PE/ObservaPICS-VPAAPS).

Durante a abertura, Marco Menezes reiterou que as PICS são uma pauta especial para a ENSP e que, no atual momento político, de reconstrução de políticas públicas, é importante avançar no tema. “O avanço no SUS nesse momento passa pela pauta das PICS”, declarou, destacando a atuação do Espaço PICS  e da ENSP como um todo na formação profissional e na atuação em rede para apoiar e incrementar as PICS. Marco pontuou também que as parcerias com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e com o Ministério da Saúde (MS) são estruturantes desse apoio e incremento, incorporando a discussão sobre as medicinais tradicionais. 

A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e coordenadora do ObservaPICS/Fiocruz Islândia Carvalho apontou em sua fala que a Fundação avança para uma discussão qualificada, com a série de seminários internos que a VPAAPS e o ObservaPICS vêm promovendo. Ela alertou para a necessidade de se promover  formação profissional em PICS voltada para o verdadeiro cuidado. “Se a gente não fizer isso, o mercado fará, visto que o mercado descobriu um nicho, usando as PICS como uma boa fonte de dinheiro e oferece cursos na internet ‘de A a Z’, iludindo as pessoas que em 24 horas terão formação”, declarou. 

Segundo Islândia, podemos falar que o Brasil tem hegemonia em torno das PICS, com mais de 600 grupos de pesquisa cadastrados no CNPq trabalhando com assuntos relacionados à temática. O país conta também com práticas na Atenção Primária à Saúde de quase totalidade dos municípios, mas sem financiamento apropriado e visibilidade, em parte pelo preconceito. 

Modelo de cuidado

Daniel Amado, assessor do Departamento de Gestão do Cuidado Integral da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde, em sua apresentação online  Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do SUS e Saberes Tradicionais, traçou uma retrospectiva histórica do desenvolvimento do conceito e das políticas relacionadas a PICS no Brasil e no mundo. Ele lembrou que a OMS reconhece a importância das medicinas tradicionais desde a década de 1970, e explicou que a organização tem como diretriz e estratégia promover a utilização segura e eficaz das MTCI mediante reconhecimento, regulamentação e pesquisa nesse campo.

Daniel, que atuou no desenvolvimento e na gestão da PNPIC por mais de dez anos, discorreu sobre como isso impacta o modelo de cuidado. Ele destacou a importância de práticas que ativem a formação de redes, como a terapia comunitária. A PNPIC, conforme lembrou Daniel, completará 18 anos em 2024, e para ele a política corresponde à iniciativa nacional que cumpre as diretrizes e estratégias da OMS para uma saúde integrativa de todos os povos como direito humano. “Hoje, as diferentes áreas do MS são permeáveis a esta discussão”, reforçou.

O segundo convidado a se apresentar foi Nelson Filice de Barros, coordenador do Laboratório de Práticas Alternativas Complementares e Integrativas em Saúde, da Unicamp (Lapacis/Unicamp), que apresentou reflexões conceituais e epistêmicas sobre racionalidades em PICS. O pesquisador destacou que o Brasil é o país que instituiu as PICs: “Nem mesmo o NHS (sistema de saúde público do Reino Unido) oferece PICs, no Reino Unido o acesso a estas práticas é exclusivamente privado”, observou. 

Nelson Filice explorou questões epistemológicas relacionadas aos termos “práticas alternativas”, “complementares” e “integrativas”. Segundo ele, as medicinas tradicionais são praticadas pelos mais de 300 povos tradicionais, originários do território brasileiro, e estas medicinas apresentam lógicas distintas. Para o pesquisador, reunir todas essas medicinas às práticas integrativas e complementares em uma única sigla - MTCI - “não atenta para esse movimento de preservação e valorização dessas medicinas”. Segundo ele, isso configura “uma produção de invisibilidade e uma injustiça epistêmica”, criticou. 

Invisibilização e humilhação

Nelson defendeu que as PICS “devem ser discutidas não como políticas públicas, não como commodities, nem em termos de privilégios, nem como caridade”. De acordo com o professor da Unicamp, elas são “herança humana, e devem ser discutidas como direitos, para que as pessoas possam escolher como querem ser cuidadas.”. 

Ele destacou também o processo de “humilhação social” sofrido por profissionais de saúde e pesquisadores que fogem de modelos biomédicos, seja realizando práticas integrativas com usuários do SUS ou desenvolvendo estudos. Essa humilhação se dá por meio de piadas, indiferença e falta de valorização do trabalho realizado. Nelson fez ressalvas sobre o discurso das evidências científicas, que arrisca, segundo ele, engessar as PICS. “A ciência tem 500 anos, enquanto que a noção de cuidado tem 5 mil anos”, comentou ele, que fez questão de apontar, no entanto, que não é um negacionista da ciência. “Fazer críticas à ciência não é negar a ciência”, observou. 

Sinergia das políticas, saberes e povos tradicionais

O evento seguiu com a apresentação, gravada previamente em vídeo, de Rafael Dell Alba. O consultor da Opas em MTCI. O sanitarista falou sobre MTCI e PICS no mundo, especialmente nas Américas, definindo MTCI como “conceito de práticas de atenção à saúde baseado em teorias e experiências de diferentes culturas utilizadas para a promoção, prevenção e recuperação da saúde”. Para ele, é importante disputar a construção deste que é um conceito diferente na Saúde, “centrado no humano e na potência do cuidado”. Rafael lembrou que em muitos países as MTCI são a principal oferta de serviços à população, e que estas práticas são indutoras de um modelo de saúde que resgata o autocuidado. Ele apontou ainda que as diretrizes da OPAS para as MTCI estão ligadas a outras agendas sinérgicas, como a dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Rafael relembrou também o acordo firmado entre a OPAS e a Fiocruz para fortalecer as medicinas tradicionais, falou da criação do Centro Global de Medicina Tradicional, na Índia, com apoio da OMS, e mencionou a construção que vem acontecendo no momento presente na OPAS de uma estratégia de medicina indígena. Ele reiterou em sua apresentação que a Fiocruz deve se apropriar da discussão para contribuir com os debates e visões sobre as medicinas tradicionais na visão do Brasil, disputando o espaço global de construção dos conceitos e do campo das MTCI. “As medicinas tradicionais têm de ser valorizadas e incorporadas, a partir do fortalecimento dos territórios dos povos tradicionais, e a Fiocruz pode provocar esse movimento epistemológico, propor metodologias inovadoras e contribuir na construção de uma saúde integrativa decolonial”, provocou.

Confira a gravação da íntegra do evento no canal da ENSP no Youtube.


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