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Debate mostra que dar voz à diversidade é ampliar os Direitos Humanos e fortalecer a democracia

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Publicado em:12/09/2023
Por Barbara Souza

“Nunca foi tão urgente zelar pelos controles democráticos”, alertou Andréa Pachá nesta terça-feira (5/9), durante atividade alusiva ao aniversário de 69 anos da ENSP. Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e escritora, ela participou da mesa ‘Direitos Humanos, Participação Social e Diversidade’, realizada no auditório térreo da Escola. A magistrada fez um alerta para a urgência de reafirmar a democracia ao compartilhar seus receios relacionados ao cenário global, marcado por profundas desigualdades e rápidas transformações. “Falta de moradia, desemprego, crise climática, guerras, inteligência artificial assombrando os humanos, fluxo de imigrantes, de refugiados... É devastador, a gente acha que não tem saída e acaba numa paralisia assustadora e muito frustrante”, lamentou Pachá.

 
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Após listar algumas de suas principais preocupações, ela advertiu: “só em ambientes democráticos é possível fortalecer os direitos fundamentais garantidores da igualdade e da liberdade”. A jurista, que é mestre em Saúde Pública pela ENSP, afirmou, no entanto, que não se muda a realidade através apenas de normas e leis. “Imaginamos que, com direitos formalizados pela Constituição de 1988, teríamos um país menos desigual. Quem dera!”, disse. Em referência ao tema da mesa que compôs, Andréa Pachá provocou uma reflexão sobre participação social e diversidade ao enfatizar que “não há autonomia sem liberdade e sem voz”. Por fim, ela pediu que a resistência e a luta sejam pela linguagem do afeto, da alegria e do cuidado. “Esses são os atributos fundamentais para enfrentar o autoritarismo”, sintetizou.


Chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Saúde, a pesquisadora da ENSP Lúcia Souto elogiou a apresentação de Andréa Pachá e fez coro ao dizer que, “nesse momento, vivemos numa fresta no Brasil que a gente tem que ocupar da melhor maneira possível” e completou afirmando que é preciso alegria e humor para aproveitar esta brecha. Lúcia Souto ressaltou também que a história do Brasil é repleta de genocídios e que a pandemia de covid-19 foi o mais recente. “Mais de 700 mil pessoas mortas é um projeto com muitas camadas de sofrimento para a população brasileira, mas também com muita resistência”, observou.

Ao analisar a conjuntura nacional e global neste momento, ela afirmou que o grande desafio hoje é combater o que chamou de expressão mais brutal da necropolítica. "O projeto desse capitalismo necropolítico é dizimar qualquer diversidade, que é fundamental à vida. Nós estamos no meio de uma guerra híbrida na humanidade, com vários meios e modos de operar que visam fragmentar as possibilidades de formarmos coletivos. Mas, apesar da barbárie, nós conseguimos trafegar na fresta e ganhar a eleição de 2022 e impor uma derrota à extrema direita global. A vida não é fácil e não será fácil. É preciso união e diversidade para continuar lutando."

Diversidade também foi palavra-chave nas colocações do responsável pela coordenação da mesa e do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (Dihs/ENSP/Fiocruz). Ao defender a abrangência mais ampla e inclusiva desses direitos, Marcos Besserman destacou ser fundamental o reconhecimento da diversidade e o incentivo à participação dos movimentos sociais. “Para que possamos ter realmente um futuro diverso e possamos ter saúde para todas as pessoas é preciso que a gente inclua os direitos humanos com toda sua diversidade, com a participação de todas as culturas e de todos os movimentos sociais. Que não seja mais o que sempre foi: direitos humanos do patriarcado, dos brancos, dos povos dos países dominantes imperialistas”.

Alinhado a esta forte percepção da seletividade e do desequilíbrio do alcance dos direitos, o juiz do Projeto Justiça Itinerante RJ e presidente do Fórum Permanente Antidiscriminação da Diversidade Social, André Brito, apresentou dados alarmantes sobre um grupo de pessoas que sofrem o extremo do descumprimento dos Direitos Humanos. Sem legislação ou políticas de proteção específicas, as pessoas transgênero no Brasil têm uma expectativa de vida equivalente a quase metade da média da população: só 36 anos. “Estima-se que cerca de 2% das pessoas do mundo sejam transgênero. Mas onde elas estão no nosso dia a dia? Não as vemos porque elas morreram”, explicitou o juiz. Com um tom contundente, André Brito destacou os seguintes dados levantados pela Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra): em 2022, 131 pessoas trans e travestis foram assassinadas no país, quase 90% das vítimas tinham de 15 a 40 anos, 76% das vítimas eram pretas ou pardas.

“A ausência de legislação, de políticas, é uma forma de dizer à sociedade que essas pessoas não importam e que elas podem morrer”, afirmou o juiz, que também ressaltou que a “a quantidade de pessoas trans que trabalham com prostituição é absurda”. Ele falou sobre as incontáveis violências que atingem essas pessoas. “Ausência de reconhecimento da tipicidade de gênero pela família; bullying, medo, rejeição e expulsão escolar; ausência de possibilidade de inserção social; negativa de reconhecimento da identidade de gênero; negativa do uso do nome social ou pronome conforme o gênero; negligência médica ou omissão de socorro; violações por agentes de segurança pública; negativa de acesso a banheiro feminino; tratamentos clandestinos para colocação de silicone industrial líquido, parafina, vaselina óleo de oliva, selante de pneu, fluido de transmissão automotivo. E ainda: uso de hormônios sem acompanhamento médico, sofrimento psíquico com ideação suicida, violência moral, física e sexual”, listou. 

André Brito concluiu enfatizando a importância de olhar para um grupo que considera estar numa posição de maior fragilidade: “abaixo das pessoas pretas, das mulheres e dos LGBTs, há um grupo negligenciado, o das crianças trans”, disse ao fazer mais um alerta: “infelizmente, não estamos olhando para essas crianças e elas continuam sendo vítimas de violências porque o Estado esqueceu que elas existem. A pessoa trans não surge aos 18 anos como um passe de mágica”.

Confira a atividade na íntegra e a abertura oficial das comemorações pelos 69 anos da ENSP:



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