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Cetab critica interferência da indústria do tabaco nas políticas públicas de saúde relativas ao cigarro eletrônico

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Publicado em:31/05/2023
Por Barbara Souza

O primeiro contato e o uso diário de cigarros eletrônicos despontam como protagonistas no consumo da nicotina, especialmente na população mais jovem. É o que conclui uma análise realizada pelo Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab/ENSP/Fiocruz), que defende o monitoramento desta tendência para elaboração de políticas públicas eficazes de prevenção e controle do uso do vape, como também é conhecido. Nesta quarta-feira, dia 31 de maio, é celebrado o Dia Mundial sem Tabaco.

A avaliação do Cetab foi realizada com base em centenas de documentos que descrevem as atividades de responsabilidade social corporativa da indústria do tabaco com o objetivo de interferir em políticas de saúde pública. Entre essas políticas, estão as relativas à proibição dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) no Brasil. A equipe do Centro de Estudos decidiu traçar o panorama atual dos cigarros eletrônicos no Brasil justamente por entender que a indústria do tabaco tem estratégias para se colocar como parceira na busca da solução do problema do tabagismo quando, na verdade, ela é parte integrante. 

A coordenadora do Cetab, Silvana Rubano Turci, lista as diversas maneiras pelas quais a indústria do tabaco age para interferir nas políticas de saúde pública quando o assunto é cigarro eletrônico. "Através de grupos de fachada promovendo sua agenda; desacreditando a ciência, normalizando o consumo dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) através das redes sociais e de influenciadores digitais; usando o conceito de redução de danos, dizendo que são produtos menos tóxicos, o que não é verdade pois não sabemos ao certo quais são os efeitos na saúde dos compostos adicionados aos DEFS; envolvendo profissionais de saúde para passar uma mensagem distorcida e assim confundir a opinião pública e, finalmente, pressionando os órgãos regulatórios como a Anvisa e em outros países para liberar sua fabricação, importação e comercialização".

O uso e a posse dos cigarros eletrônicos são permitidos no país, mas a comercialização, importação e propaganda são proibidos em todo território nacional, de acordo com a Resolução nº 46, de 28 de agosto de 2009, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - decisão mantida em julho de 2022. Em 22 de maio de 2023, a Anvisa publicou uma nota técnica que esclareceu que cigarros eletrônicos também são considerados 'produtos fumígemos' e por isso são da mesma forma proibidos em ambientes fechados.  A manutenção de toda esta regulamentação, bem como a conscientização sobre os riscos associados ao uso do dispositivo, são fundamentais para proteger a saúde da população, conforme defende o Cetab. O Centro ressalta ainda a importância de controlar a promoção, a experimentação e o uso destes dispositivos, especialmente entre grupos mais vulneráveis, como crianças e adolescentes. 

“Muitos desses usuários são fumantes que utilizam este dispositivo imaginando ser esta uma forma de reduzir ou eliminar o consumo de tabaco. Esta atitude parece ser reforçada pela narrativa da indústria do tabaco, que promove equivocadamente o uso do vape não só como uma alternativa para deixar de fumar, como também de uma escolha mais segura do que os cigarros, uma vez que, segundo a indústria, o vape não contém as substâncias tóxicas decorrentes da queima ou combustão do cigarro tradicional”, afirmam os pesquisadores. No entanto, já se sabe que cigarros eletrônicos causam dependência, porque, assim como os cigarros convencionais, contêm nicotina. E também estão envolvidos em diversos agravos, desde incêndios e explosões até doenças ligadas ao seu uso, como no caso da EVALI (sigla em inglês para Lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico), que eventualmente pode levar à morte. Usar cigarros eletrônicos ainda aumenta as chances de infarto do miocárdio, já que a nicotina presente nestes dispositivos atinge o coração e eleva a pressão arterial.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, de 2019, cerca de 12,3% dos adultos brasileiros fumavam cigarros enquanto a prevalência de consumo de cigarros eletrônicos foi 0,6% e a de não usuários era de 99,4%. Uma análise de dados da Pesquisa Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), também de 2019, realizada nas 26 capitais brasileiras e Distrito Federal, estimou a prevalência de uso desses dispositivos pelo menos uma vez na vida em 6,7% e uso atual em 2,32%. Cerca de 80% das pessoas que já usaram tinham entre 18 e 34 anos. A prevalência de uso diário e uso dual entre jovens de 18 a 24 anos foi quase 10 vezes a prevalência nas faixas etárias superiores. Além disso, mais da metade dos indivíduos que usaram vape na vida nunca haviam fumado. Em artigo publicado no mesmo ano, que analisou 22 estudos longitudinais de diversos países, houve indícios de que o uso de cigarros eletrônicos aumentou em mais de três vezes o risco de experimentação de cigarros convencionais e mais de quatro vezes o risco de uso de cigarros.

O Covitel 2022 coletou informações sobre o consumo atual de cigarros industrializados, bem como sobre a história de uso de cigarros eletrônicos e narguilés. A história de uso de cigarros eletrônicos neste inquérito foi referida por 7,3% dos entrevistados, enquanto a prevalência de consumo atual de cigarros industrializados foi de 12,2%. Mais uma vez, foi mostrado que adultos jovens (18-24 anos) experimentaram mais estes dispositivos. "Manter a proibição, reafirmar a existência de políticas públicas que impeçam a interferência da indústria do tabaco e garantir acesso a informação baseadas em evidências e assim democratizar a narrativa e a conscientização sobre seus malefícios" são, segundo a coordenadora do Cetab, Silvana Turci, reverter a popularização do cigarro eletrônico.

Conheça as referências da análise: 

ANVISA. RDC No 46/2009. , 25 ago. 2009. Disponível em: <https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=31/08/2009&jornal=1&pagina=45&totalArquivos=120>
BARUFALDI, L. A. et al. Risco de iniciação ao tabagismo com o uso de cigarros eletrônicos: revisão sistemática e meta-análise. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 12, p. 6089–6103, dez. 2021. 

BERTONI, N.; SZKLO, A. S. Dispositivos eletrônicos para fumar nas capitais brasileiras: prevalência, perfil de uso e implicações para a Política Nacional de Controle do Tabaco. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, n. 7, p. e00261920, 2021. 

C. RICHTER, A. P. et al. O uso da estratégia de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) pela indústria do tabaco na promoção dos dispositivos eletrônicos de fumar (DEFs). , 2021. 

CAO, D. J. et al. Review of Health Consequences of Electronic Cigarettes and the Outbreak of Electronic Cigarette, or Vaping, Product Use-Associated Lung Injury. Journal of Medical Toxicology, v. 16, n. 3, p. 295–310, jul. 2020. 

CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Outbreak of Lung Injury Associated with the Use of E-Cigarette, or Vaping, Products. , 25 fev. 2020. Disponível em: <https://www.cdc.gov/tobacco/basic_information/e-cigarettes/severe-lung-disease.html>. Acesso em: 8 mar. 2020

COVITEL. Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em tempos de pandemia: Relatorio Final. , 2022. Disponível em: <https://www.vitalstrategies.org/wp-content/uploads/Covitel-Inquérito-Telefônico-de-Fatores-de-Risco-para-Doenças-Crônicas-não-Transmiss%C3%ADveis-em-Tempos-de-Pandemia.pdf>

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2019 - Módulo P - Tabagismo. , 2019. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?edicao=29270&t=resultados>

INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA). Nota técnica: Alerta do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva – INCA – sobre os Riscos dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (também conhecidos como cigarros eletrônicos). , 2019. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//nota_tecnica_inca_defs.pdf>. Acesso em: 6 dez. 2020

MENEZES, A. M. B. et al. Use of electronic cigarettes and hookah in Brazil: a new and emerging landscape. The Covitel study, 2022. Jornal Brasileiro de Pneumologia, p. e20220290, 11 jan. 2023. 

MINISTERIO DA SAUDE. A venda de cigarros eletrônicos é proibida no Brasil? Apesar de serem amplamente usados, a comercialização dos cigarros eletrônicos é proibida. , 17 nov. 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-brasil/eu-quero-parar-de-fumar/noticias/2022/a-venda-de-cigarros-eletronicos-e-proibida-no-brasil>
SANTOS, U. P. Electronic cigarettes - the new playbook and revamping of the tobacco industry. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 44, n. 5, p. 345–346, out. 2018. 

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