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Ceensp: cuidados paliativos para pacientes com tuberculose drogarresistente é ‘obrigação ética’

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Publicado em:24/03/2023
Por Barbara Souza

O tema é ainda pouco discutido e não há extensa literatura a seu respeito. O ineditismo foi apenas um dos desafios dos cuidados paliativos no contexto da tuberculose, assunto debatido no Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcelos (Ceensp) desta quarta-feira (22/3). Realizado presencialmente na sala 410 da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o encontro reuniu Jorge Luiz da Rocha (CRPHF/ENSP), Ernani Mendes (INCA/MS), Paulo Victor Viana (CRPHF/ENSP/Fiocruz) e Valéria Lino (CSEGSF/ENSP), às vésperas do Dia Mundial de Combate à Tuberculose, celebrado em 24 de março. 


A eficácia do esquema terapêutico básico contra tuberculose é de 95%, mas há milhares de mortes no país e no mundo. Uma das causas é a resistência aos medicamentos, que leva à tuberculose drogarresistente (TBDR). Os pacientes que não respondem a uma ou mais substâncias utilizadas contra a doença têm maiores chances de precisar de cuidados paliativos, já que o quadro pode se tornar irreversível. “Cuidados paliativos no contexto da tuberculose é uma temática necessária não porque haja um grande número de pacientes em situação de tuberculose extensivamente resistente ou totalmente resistente. Mas, esses pacientes estão presentes nos nossos serviços e merecem a continuidade da atenção e todo o cuidado de uma equipe multidisciplinar, no sentido da integralidade, da equidade e da dignidade desse cuidado”, afirmou Jorge Luiz da Rocha, que foi coordenador deste Ceensp.

“Eu acredito que a nossa mesa tenha sido pioneira no Brasil na temática. Não temos conhecimento de que esse tema tenha sido abordado anteriormente nos fóruns da tuberculose, pelo menos. É um ponto de partida. É algo novo para quem maneja casos de tuberculose, principalmente nas referências terciárias, que lidam com pacientes com tuberculose resistente. A gente amplia também a discussão para aqueles que são portadores de microbactérias não-tuberculosas. A depender do tipo, também é de dificílimo manejo e entram nesse conceito de uma doença praticamente incurável”, acrescentou Jorge Luiz da Rocha. 

De acordo com o último Relatório Global da Tuberculose, da Organização Mundial da Saúde, a pandemia de Covid-19 ainda está afetando negativamente o diagnóstico e o tratamento da TB e causou uma desaceleração no combate à doença. Em sua apresentação, o chefe do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, Paulo Victor Viana, expôs indicadores epidemiológicos e destacou os 10,6 milhões de adoecimentos e 1,6 milhão de mortes por tuberculose em 2021. Já a TB drogarresistente acometeu 450 mil pessoas, uma alta de 3% em relação a 2020. Somente 161 mil pacientes tiveram acesso a tratamento adequado. “É a segunda doença causada por um único agente infeccioso que mais mata. Foi ultrapassada pela Covid-19. A TBDR é uma grave ameaça aos avanços de controle da doença no Brasil e no mundo. O tratamento pode levar de 18 a 24 meses e é feito com medicamentos mais tóxicos, que causam muitas reações adversas”, explicou.

O Brasil está entre os 30 países que carregam 80% carga de tuberculose no mundo, cuja maior parte se concentra nas regiões mais pobres, especialmente do continente africano. Os fatores de risco associados à doença são desnutrição, HIV, alcoolismo, tabagismo e diabetes. Diante deste cenário, Paulo Victor fez um alerta para as questões socioeconômicas que incrementam o desafio que é o combate à tuberculose. “Apesar dos esforços pelo encurtamento dos tratamentos, a TB drogarresistente é quase uma sentença de morte para muitas pessoas, há reações adversas muito debilitantes. É preciso ter um olhar mais holístico para o paciente e acabar com o estigma. Esses pacientes enfrentam também perda de renda e sofrimento psicológico. Os cuidados paliativos visam aliviar os sofrimentos em todas as fases da doença. A OMS identificou a TBDR como uma das questões que mais demanda cuidados paliativos entre adultos”.

Outro palestrante, Ernani Costa Mendes, servidor do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e coordenador adjunto do curso de Especialização em Cuidados Paliativos com ênfase na Atenção Primária, apresentou o panorama dos cuidados paliativos no Brasil. E o cenário é precário e preocupante. “Temos apenas 191 serviços de cuidados paliativos no país e, desse total, 55% se encontram na região Sudeste (ANCP, 2017). No Rio de Janeiro, há apenas 56 leitos específicos, eles ficam no Inca. E os outros pacientes? Onde estão sendo atendidos? No Brasil, há um serviço de cuidados paliativos para 1,1 milhão de habitantes. Precisaríamos de 20 mil leitos, obedecendo os critérios e recomendações da Associação Europeia de Cuidados Paliativos. Hoje, os pacientes que demandam esses cuidados são mandados para casa, como se não houvesse mais nada a ser feito nos casos deles”, afirmou. 

O especialista explicou que as doenças que mais demandam CP são as neoplasias malignas, mas que há um leque de outras doenças, que se tornam crônicas e avançam, reduzindo a funcionalidade das pessoas e gerando dependência funcional muito grande, quando se torna necessária a figura do cuidador, por exemplo. “A máxima do paliativista é fazer manejo dos sintomas e deixar o paciente sem dor, sem falta de ar, sem náuseas”, disse Ernani. Dados da OMS de 2020 apontam que 57 milhões de pessoas precisam de cuidados paliativos no mundo, mas apenas 12% desse total têm acesso. “É um grande problema de saúde pública. Como se resolve isso? Há pessoas morrendo abandonadas, sem cuidado. O Brasil ocupou a 42ª posição no ranking mundial de qualidade de morte em 2015. Ou seja, morre-se muito mal”, lamentou. Ele destacou ainda a seguinte informação: cerca de 25% dos 57 milhões sofrem com HIV, Covid-19 e, também, tuberculose.

Numa apresentação que conectou o universo dos cuidados paliativos ao da tuberculose, com ênfase nos casos em que há resistência aos medicamentos, Jorge Luiz da Rocha (CRPHF/ENSP) apresentou os tópicos da Declaração sobre Cuidados Paliativos e Tuberculose Multidrogarresistente ou extensivamente resistente (TB-MDR/XDR) da OMS, de 2010. Alguns destaques são: o acesso a cuidados paliativos para indivíduos com esses tipos de tuberculose é um direito humano e promove dignidade; os cuidados paliativos são um componente essencial da prestação de cuidados aos indivíduos (adultos e crianças) com TB-MDR/XDR, onde quer que estejam recebendo cuidados; cuidados paliativos devem ser reforçados onde são prestados e integrados com a prevenção e tratamento da TB-MDR/XDR; cuidados paliativos devem ser integrados na gestão de caso do início à cura ou a fim da vida; entre outros. “Ainda não há muita literatura a respeito. Qualquer iniciativa de conhecimento nessa área é importante para fortalecer o manejo da tuberculose resistente nos cuidados paliativos. Há uma obrigação ética em prestar cuidados paliativos a doentes para os quais as opções de tratamento não são viáveis. É preciso ter um olhar paliativo desde o início do quadro e esse olhar deve aumentar à medida que diminuem as opções de manejo do paciente reduzem”, defendeu Jorge Luiz. “Criamos algumas diretrizes para cuidar dessa situação, que incluem comunicação com paciente e familiares, esquemas paliativos individualizados, controle dos sintomas e das comorbidades, avaliação e conduta multidisciplinar periódica, avaliação periódica dos contatos, abordagem de controle da infecção, entre outros. Em breve será divulgado oficialmente”, completou.

Por fim, pesquisadora Valéria Lino, médica geriatra do Centro de Saúde e coordenadora do curso Cuidados Paliativos com Ênfase na Atenção Primária, recapitulou as vantagens dos cuidados paliativos, como a diminuição do tempo de internação no fim da vida, otimização do serviço de saúde e até redução de custos. Valéria disse acreditar que a quantidade de pessoas com tuberculose que precisam de cuidados paliativos é muito maior do que os 2% que aparecem nas estatísticas. “Os casos não estão chegando ao serviço. Há um grande sofrimento que precisa ser reduzido. Aumentar o uso de opioides, por exemplo, é algo necessário e isso implica em educar médicos também. Nossa experiencia mostra que há dificuldade de aceitar uso de morfina. Nós, médicos, precisamos lidar com a morfina de uma forma mais amigável e sem preconceitos”, defendeu Valéria. 

Assista ao Ceensp na íntegra:


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