Ceensp: especialistas discutem desafios éticos de ensaios clínicos não tradicionais
Por Danielle MonteiroOs desafios éticos de ensaios clínicos não tradicionais pautaram o último Ceensp do ano, realizado em 7 de dezembro. O evento teve como palestrantes o pesquisador do Laboratório de Doenças Febris do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e coordenador das redes multicêntricas de pesquisa Replick e Abracamal, André Siqueira, e o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais e investigador principal do estudo clínico Together, Gilmar Reis.
Presente à abertura do encontro, a vice-diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP, Luciana Dias Lima, destacou a importância do debate sobre os desafios éticos de ensaios clínicos não tradicionais, as novas abordagens do desenvolvimento de estudos clínicos e todos os desafios que eles impõem ao recrutamento de participantes de pesquisa. “O Ceensp é um espaço de troca, aprendizado e apoio ao desenvolvimento de pesquisa. O tema cumpre bem esse papel do nosso Ceensp”, afirmou.
Coordenadora do Ceensp, Ângela Esher, que coordena a área de pesquisa do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF/ENSP), contou que a ideia do tema do encontro surgiu com algumas inquietações e desejo de levar para o Ceensp explicações didáticas sobre os desenhos de ensaios clínicos não tradicionais. “Quando o ofício circular 24 da Conep (que trata das orientações de ensaios clínicos) foi divulgado, nós já estávamos nos reunindo para planejar o encontro, e isso só confirma a importância desse evento”, disse.
Ensaios clínicos adaptativos
Em sua apresentação sobre ensaios clínicos adaptativos e de guarda-chuva, o pesquisador do Laboratório de Doenças Febris do INI/Fiocruz e coordenador das redes multicêntricas de pesquisa Replick e Abracamal, André Siqueira, traçou um breve panorama da história dos ensaios clínicos e discorreu sobre o conceito de ensaios clínicos randomizados e como são realizados esses estudos. Ele explicou que os ensaios clínicos randomizados têm como aspectos essenciais consistirem em um estudo primário com melhor nível de evidência para a tomada de decisões sobre tratamento e prevenção de doenças e ter resultados sempre avaliados no contexto de outros estudos semelhantes. Os aspectos avaliados nesses estudos são: segurança, eficácia, efetividade e eficiência.
Siqueira citou os diversos tipos de ensaios clínicos, pontuou as limitações dos ensaios clínicos randomizados e abordou as características de ensaios clínicos randomizados adaptativos. Entre as particularidades e desafios dos ensaios clínicos randomizados, o pesquisador citou o uso frequente de métodos quantitativos frequentistas (modelo tradicional) versus o crescimento de métodos bayesianos (que incorporam conhecimento prévio e expectativas em relação aos efeitos das intervenções); a obtenção de financiamento; a comunicação de resultados a stakeholders; a comunicação aos participantes; a condução do estudo; os aspectos éticos; e possuir Comitês de Monitoramento de Dados e Segurança e Comitês de Acompanhamento. Em seguida, ele falou sobre eficiência e adaptabilidade em ensaios clínicos adaptativos, a evolução de fases e possíveis adaptações. Ele citou o caso do Ebola como exemplo de ensaio clínico adaptativo que terminou sem conclusões. “Quando os ensaios clínicos começaram, a epidemia de Ebola já estava em controle e acabou que a maioria dos ensaios clínicos de 2014 e 2015 não chegaram a nenhuma conclusão porque não havia participantes suficientes. Com isso, muitas pessoas acabaram não se beneficiando de tratamentos possivelmente benéficos”, lamentou.
Por fim, como forma de enfrentar os desafios que envolvem os ensaios clínicos adaptativos, Siqueira defendeu a implementação de soluções. “Ao invés de passarmos muito tempo avaliando as limitações de intervenções e estratégias, pensamos em soluções e tentamos implementá-las. É assim que surgem as inovações, as quais, muitas vezes, são mais benéficas do que as dificuldades que estávamos avaliando. Estamos nesse estágio de pensar novos desenhos para dar as respostas de que precisamos”, concluiu.
Desafios da pandemia para ensaios tradicionais
Professor da PUC Minas Gerais e investigador principal do estudo clínico Together, Gilmar Reis centrou sua apresentação nos desafios da pandemia de Covid-19 para os ensaios clínicos tradicionais. “A pandemia mostrou que os modelos tradicionais de ensaios clínicos são deficitários por uma série de motivos. Quase sempre, em um modelo tradicional de estudo clinico randomizado, são necessários de dois a três anos até que as fases sejam implementadas. Em uma pandemia, isso é inviável, por isso, outros modelos deveriam ser considerados. A pandemia mudou a maneira de se fazer pesquisa em todo o mundo. Vários grupos de pesquisa passaram a buscar métodos não convencionais que pudessem já ser aplicados na população”, explicou.
O pesquisador citou os três principais tipos de ensaios clínicos (em cesta, de plataforma e de guarda-chuva) e discorreu brevemente sobre cada um deles. Em seguida, ele falou sobre o Together, estudo plataforma iniciado em 2020 com o objetivo de identificar terapias reaproveitadas eficazes para prevenir a progressão da Covid-19. A pesquisa é centrada nos participantes e tem como algumas de suas principais ações uma série de campanhas, junto às autoridades locais de saúde pública e unidades de pronto atendimento, em diversas cidades, para a realização de testagem de pacientes. O estudo comprovou a ineficácia de medicamentos como ivermectina e hidroxicloroquina e conta com aproximadamente 30 mil pacientes screenados e quase 7 mil randomizados.
Siqueira destacou que o Together recebeu a recomendação da comunidade científica internacional para o prêmio David Sackett, em função do impacto do ensaio clínico com diversas formulações terapêuticas. “No momento, estamos estudando não somente novas opções terapêuticas, mas também consolidando nossa capacidade de pesquisa. Nossa ideia é estreitar essa relação com os serviços públicos, expandi-la e criar uma rede de pesquisa que possa abordar não somente a Covid-19, mas também outras doenças”, revelou.
O Ceensp teve como debatedores a professora e integrante da Conep e do CEP da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Maria Mercedes Bendati, e o coordenador do CEP/ENSP e também do Ceensp, Cassius Schnell. Assista, abaixo, ao debate e à transmissão completa do evento:
Nenhum comentário para: Ceensp: especialistas discutem desafios éticos de ensaios clínicos não tradicionais
Comente essa matéria:
Utilize o formulário abaixo para se logar.



