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‘Direitos Humanos são indivisíveis, interdependentes e cada vez mais amplos’, analisa Marcos Besserman

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Publicado em:13/12/2022
Por Barbara Souza

Comemorado desde 1950, o Dia Internacional dos Direitos Humanos ganha novos ares a cada ano. Neste 10 de dezembro de 2022, são discutidas as causas prioritárias a se resgatar após as fases mais duras da pandemia de Covid-19 e os novos desafios a serem incluídos entre os objetivos de quem luta por uma sociedade menos desigual. O coordenador do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Dihs/ENSP/Fiocruz), Marcos Besserman, avaliou essas questões em entrevista ao Informe ENSP e, ainda, comentou abordagens e linhas de pesquisa do departamento com potencial de contribuição aos Direitos Humanos. 

A pandemia de Covid-19 exacerbou desigualdades no Brasil e no mundo. Na avaliação do pesquisador Marcos Besserman, ficou evidente que a doença e suas consequências socioeconômicas atingiram majoritariamente os mais pobres, negros, idosos, pessoas LGBTQIA+ e outras minorias. “Foi desrespeitado o direito humano mais importante que existe, que é o direito à vida. Isso ocorreu junto ao aumento da fome, da falta de moradia, com as pessoas sendo desempregadas e desalojadas; mas não foram todos que passaram por isso. Sempre há uma intersecção. Quem foram, então, as pessoas que mais perderam com esse isolamento? As pessoas com deficiência, as pessoas negras, os indígenas, os mais pobres, e por aí vai”, afirmou. 

Besserman destacou algumas consequências da fase mais aguda da pandemia que, para ele, são menos discutidas que as demais: a solidão não voluntária. “As pessoas foram isoladas, muitas delas viviam sozinhas ou foram isoladas pela sociedade mesmo. E aí foi criado um problema gravíssimo de saúde mental, que ocorre quando as pessoas perdem o convívio com os outros”, lamentou Besserman acrescentando que não há uma política voltada para essas pessoas nem para as crianças nascidas na pandemia ou pouco antes dela. “Não houve nenhuma grande ação nesse sentido, assim como na volta das crianças e adolescente às escolas. Hoje, nós temos o maior número de pessoas fora do Ensino Médio desde a década de 1970, desde a época da Ditadura”, citou em referência a mais uma violação de Direitos Humanos, neste caso, os dos mais jovens, em idade escolar.

Perguntado sobre quais devem ser as prioridades nos processos de resgate de direitos, especialmente no Brasil, com o novo governo que se iniciará em menos de um mês, o coordenador do Dihs foi direto ao ponto: o combate à fome, à insegurança alimentar e às desigualdades. “Como eu vou falar de outros direitos se há 33 milhões de pessoas passando fome e muitos outros milhões que não sabem quando terão a próxima refeição?”, questiona. No entanto, ele destaca ainda outros desafios urgentes e graves, como o controle da crise climática: “Isso afeta toda a vida futura. A vida dos nossos filhos e netos está em risco real. Então, nós temos que dar prioridade para o clima, dar oportunidade aos nossos filhos e netos de ter uma vida melhor ou, no mínimo, igual à que nós temos. Mas é muito difícil, num momento em que as pessoas estão vivendo tantas dificuldades, pensar no futuro. Só que é essencial e é um Direito Humano. É preciso respeitar as gerações que virão.”.

Outra prioridade, de acordo com Marcos Besserman, é mudar a abordagem sobre o tema. Ele defende duas percepções: a de que é preciso deixar de falar em direito à saúde e passar a tratar saúde como direito humano e a de que Direitos Humanos não podem mais ser relacionados com um partido político ou uma ideologia. “Está na Constituição a questão do direito à saúde, mas isso é colocado como algo que, teoricamente, poderia ser garantido. Só que não tem como garantir saúde. Nós temos que começar a falar em saúde como Direito Humano. Porque ninguém tem como garantir saúde para o outro, mas sim oferecer as melhores condições possíveis”, explica. “Outra prioridade é começar a falar de Direitos Humanos como um todo. Porque parece que eles viraram uma coisa que tem partido político ou pertence a uma determinada ideologia. Nós temos que começar a reforçar o que são os Direitos Humanos.”

E o que são? Marcos Besserman afirma que “os Direitos Humanos são amplos e serão cada vez mais, pois ainda não chegamos a discutir várias questões”. Ou seja, de acordo com o pesquisador, enquanto houver violação de direitos, novas bandeiras de Direitos Humanos serão levantadas e deverão ser incluídas entre as metas dos seus defensores. Além disso, ele afirma que “os Direitos Humanos são indivisíveis e interdependentes, o que tem que ficar claro porque não existe um direito humano mais importante que o outro. Mas existem questões que estão relacionadas aos direitos humanos e as pessoas não se dão conta. Tudo o que afeta a dignidade das vidas e com intersecção. Quem é que vai sofrer mais com as questões climáticas? Os pobres, os indígenas, os mais segregados.” 

Ao listar os entraves que enxerga nos tempos atuais como desafios impostos à garantia plena dos Direitos Humanos, Marcos Besserman lembra do acesso à informação correta e critica o bombardeio de notícias e falsas notícias por meio dos mais diversos meios. “Este foi mais um problema na pandemia. Nós temos direito a uma informação correta. As informações falsas causam um estrago gigantesco”, defendeu o pesquisador. 

Apesar de a lista de retrocessos ser longa, Marcos Besserman se mantém otimista e acredita na saída por meio do ativismo e da maior participação de todos. “O meu otimismo vem de saber que gerações passadas passaram por momentos piores e se recuperaram. Nós vivemos um momento muito pessimista na sociedade, principalmente por causa da questão climática e por todo o contexto de derrocada das democracias representativas e o aumento do totalitarismo no mundo – e, no Brasil, a gente teve a infelicidade de ter esse governo. A devastação (na pandemia) foi gigantesca, mas, por outro lado, eu sempre confiei nos movimentos sociais e na capacidade que as pessoas têm de participação; o ativismo tem que estar muito engajado no novo governo. A gente tem que fazer com que as pessoas que nunca foram ativistas participem de todos os movimentos.”

Estudos na ENSP 

“A partir da compreensão da saúde como um Direito Humano, nós temos algumas questões que estão sendo colocadas com grande força. É lógico que nós continuamos na questão de identidade de gênero, na étnico-racial, tudo o que está colocado. Mas existe, por exemplo, uma discussão sobre transhumanismo”, explicou Marcos Besserman. O pesquisador destacou a importância dos estudos realizados no Dihs sobre os impactos sociais do desenvolvimento tecnológico e das pesquisas na área da Genética que, segundo ele, se não forem avanços dos quais o SUS se aproprie, haverá aprofundamento de desigualdades. “Nós vamos começar a ter tratamento genético, e isso precisa ser discutido sob a abordagem dos Direitos Humanos. A mesma coisa em relação à saúde digital, que é essencial para dinamizar o SUS”, alertou o pesquisador.

Outra questão em foco no departamento é o idadismo ou etarismo. “Hoje, existe uma desvalorização da idade. O que a gente está vendo é cada vez mais pessoas idosas sendo isoladas da sociedade, ficando solitárias e, com isso, perdendo sua dignidade. O suicídio entre idosos é gigantesco. Então, ou a gente começa a respeitar a idade das pessoas, a botar essas pessoas que vão ficando idosas, com doenças crônicas, dentro de políticas públicas relacionadas a isso, ou então que sociedade vamos ter?"

Por fim, Marcos Besserman comentou a constante reavaliação de objetivos globais em Direitos Humanos: “Para muita gente, a Agenda 2030, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os Objetivos do Milênio parecem ser uma utopia. É muito complicado acrescentar mais itens numa lista que já é considerada utópica, mas é isso que tentamos fazer: apontar algumas questões de Direitos Humanos que não estão colocadas, como a questão LGBTQIA+ e a crise de informações falsas. Pode já ser uma coisa já considerada utópica, mas estamos estudando as questões que estão de fora.”

O dia 10 de dezembro foi escolhido como o Dia Internacional dos Direitos Humanos, pois, nesta data, em 1948, a então recém-fundada Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tão atual, necessária e ainda desafiadora. 

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