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Seminário Internacional Brasil/França: saiba tudo o que aconteceu na manhã do segundo dia do evento

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Publicado em:16/11/2022
Por Danielle Monteiro

A manhã desta quarta-feira (9/11), segundo dia do Seminário Internacional Brasil/França - Questões Atuais de Saúde Pública/Saúde Coletiva, foi marcada por um debate sobre as lições aprendidas pelo Brasil e França no enfrentamento à pandemia de Covid-19, os desafios da Atenção Primária em Saúde nos municípios rurais remotos brasileiros e o uso da abordagem de Avaliação de Impacto sobre a Saúde francesa. Promovido pela ENSP, em parceria com a Escola de Altos Estudos em Saúde Pública (EHESP), da França, o evento é fruto do Memorando de Entendimento (MdE) para Cooperação Internacional assinado pela Fiocruz e a instituição francesa em maio de 2019. A mesa, moderada pelo pesquisador do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps/ENSP) Eduardo Melo, teve como palestrantes especialistas da Escola e da EHESP.



Saúde em todas as políticas e Avaliação de impacto sobre a saúde na França

Em sua apresentação, a diretora do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da EHESP, Françoise Jabot, discorreu sobre as práticas e progressos nas áreas de Saúde em todas as políticas e Avaliação de impacto sobre a saúde na França. 

Françoise explicou que o conceito de Saúde em todas as políticas, definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2013, remete a uma abordagem intersetorial de políticas públicas que não dizem respeito necessariamente à Saúde, mas estuda a consequência das mesmas na Saúde. Desde 2017, existe uma rede mundial de países que aderiram ao princípio, entre eles, o Brasil. 

Já as Avaliações de Impacto na Saúde, segundo a diretora, são uma abordagem que se interessa pelos efeitos na Saúde de políticas que não são da área da Saúde. “É o estudo das políticas, projetos e decisões antes mesmo que eles sejam definitivos, de forma a identificar os impactos positivos e negativos e, assim, fazer propostas para a melhoria dos programas. Sendo assim, é um meio para inserir a Saúde nas políticas, já que tais avaliações analisam as outras políticas e projetos antes que eles sejam instaurados completamente”, explicou. 

Após discorrer brevemente sobre a história da Avaliação de impacto na saúde – atualmente a abordagem é utilizada em vários países -, Françoise contou como o conceito é aplicado em projetos, na prática. “O que é importante na abordagem é observar como um projeto na política terá consequências na saúde da população. O trabalho consiste, portanto, em conseguir estabelecer um vínculo entre o projeto, como ele é constituído, o que ele prevê e como ele poderá influenciar a saúde populacional, passando pelo filtro dos Determinantes Sociais da Saúde’, disse. Um dos métodos bons e eficazes para estabelecer políticas públicas favoráveis à saúde, segundo Françoise, é promover a integração entre saúde humana, animal e ambiental.

Lições da experiência francesa no enfrentamento à pandemia de Covid-19

Fizemos o gerenciamento correto da pandemia? Outras vias não teriam sido preferíveis? A partir destas indagações e reflexões, o pesquisador do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da EHESP, Jean-Marie Andre, contou como foi gerenciada a pandemia de Covid-19 na França, desde o surgimento dos primeiros casos de Covid-19 no país, em janeiro de 2020.

Ele disse que, em março de 2020, a França criou um Conselho Científico para esclarecer sobre todas as medidas tomadas frente à pandemia. O país também mobilizou a rede das agências regionais de saúde para auxiliar na gestão da crise sanitária, na identificação e monitoramento de novos casos, no acompanhamento dos hospitais na gestão da crise e na utilização de dispositivos importantes de vacinação. Os hospitais das regiões mais afetadas, segundo o pesquisador, também foram solicitados para a transferência de pacientes mais graves para hospitais melhor preparados. Foi ainda criado o seguinte lema de ordem: acompanhar – testar - isolar - cuidar. 

A partir de 17 de março de 2020, foi instaurado o lockdown no país para evitar a saturação dos leitos hospitalares. Paralelamente, foram monitorados casos e isoladas as pessoas testadas positivas, assim como as que tiveram contato com as mesmas. Também foram adotadas medidas no plano econômico, como empréstimos garantidos a empresas e apoio financeiro aos que ficaram desempregados, conforme narrou o pesquisador. 

A partir de 15 de maio de 2020, as medidas de distanciamento e confinamento, segundo Jean, foram flexibilizadas, no aguardo da disponibilidade das vacinas. Entre outubro e dezembro do mesmo ano, foi instaurado um confinamento mais flexível, com desenvolvimento em larga escala dos testes PCR. No primeiro semestre de 2021, com o aparecimento das variantes alfa e beta, foram disponibilizadas as vacinas e as doses de reforço, em prazos relativamente curtos. Em junho de 2021, houve modificação das restrições, com a instauração de um passaporte sanitário que supunha a apresentação de um teste PCR negativo ou de um certificado de vacina para a entrada em alguns locais públicos, o que gerou uma série de debates. Já no final de 2021 e começo de 2022, com o surgimento da variante ômicron, foi implantado um passaporte vacinal distinto do anterior e, com a redução da transmissão, foi abandonada a obrigatoriedade da máscara. 

Até o final de outubro desse ano, a França acumulou 33 milhões de casos de Covid-19, com 157 mil óbitos e 54,6 milhões de pessoas vacinadas com pelo menos uma dose.

Ao fazer uma avaliação sobre o impacto social da crise sanitária, Jean observou que os mais vulneráveis foram os mais afetados, principalmente os mais idosos. Ele disse que a pandemia provocou forte impacto na saúde mental da população em geral, inclusive entre os mais jovens, de 14 a 24 anos. Segundo o pesquisador, ao longo do período, houve um reforço e aumento das desigualdades sociais. Mais do que um evento biológico, a fase pode ser considerada uma sindemia, que reúne aspectos sociais e biológicos, segundo ele. “Como podemos contribuir melhor para a proteção das pessoas mantendo a proteção dos direitos e liberdades públicas? E como abrir-se para uma conversa com a sociedade civil, que, ao longo da pandemia, criticou não ter sido ouvida juntamente com a opinião dos especialistas? E como não reduzir a controvérsia científica a uma polêmica midiática, já que todos se transformaram em epidemiologistas e tinham uma opinião sobre o assunto, o que gerou diversas opiniões de pessoas não especializadas no tema? Essas são perguntas que devemos nos fazer a partir da análise do nosso gerenciamento da pandemia”, concluiu.

Respostas à pandemia de SARS-CoV-2: lições do Brasil

As experiências do Brasil no enfrentamento à pandemia foi o tema da palestra ministrada pela pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps/ENSP), Margareth Portela. Na ocasião, ela pontuou as diferenças e semelhanças, entre o Brasil e a França, na vivência da pandemia e mostrou como se desenvolveu a transmissão do coronavírus em solo nacional. O Brasil tem atualmente em torno de 35 milhões de casos de Covid-19 e 668 mil óbitos.

O primeiro caso da doença no país foi registrado em 26 de fevereiro de 2020. Entre março e maio daquele ano, a pandemia ainda não havia chegado ao interior e havia maior concentração de casos nas grandes regiões metropolitanas, conforme narrado por Margareth. A pesquisadora lembrou que, no começo, houve maior preocupação com a complexidade dos casos, referente à necessidade de construção de leitos de UTI e às dificuldades de acesso a insumos como máscaras. 

Após discorrer sobre as seis fases da pandemia no Brasil, a pesquisadora apresentou dados chamando a atenção para as desigualdades na distribuição dos leitos de UTI por municípios e regiões de saúde no país, com destaque para os vazios assistenciais, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste. “Houve reação e crescimento de leitos no país, no entanto, os vazios assistenciais se mantiveram”, observou. 

Ao apresentar dados do Observatório Covid-19 Fiocruz, Margareth relembrou o caos absoluto provocado pela sobrecarga de leitos de UTI em todo o país e atentou para a queda brusca na realização de procedimentos cirúrgicos no SUS, ocorrida paralelamente à saturação dos leitos, assim como para as desigualdades regionais na capacidade de enfrentamento à pandemia. 

Entre os pontos fracos no combate à transmissão do coronavírus no Brasil, a pesquisadora citou a ausência de coordenação central; as desigualdades na oferta/acesso aos serviços de saúde e de respostas nos níveis das regiões de saúde; a dependência de tecnologia e insumos estratégicos; o negacionismo na ciência; e o atraso na aquisição de vacinas. Já como pontos fortes, ela apontou a existência do SUS; a capacidade da comunidade científica em diferentes áreas de conhecimento; a produção de soluções pela sociedade civil; a capacidade de organização de regiões, estados e municípios; os esforços na produção de dados de monitoramento; a produção de vacinas; e a vacinação em si.

Atenção Primária em Saúde nos municípios rurais remotos no Brasil 

Os cuidados primários de saúde em territórios remotos do Brasil foi o tema da palestra que encerrou a manhã do seminário, ministrada pela pesquisadora da ENSP Márcia Fausto. Na ocasião, ela apresentou os resultados da pesquisa Atenção Primária à Saúde em Municípios Rurais e Remotos, realizada entre 2019 e 2021 pela ENSP, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). O estudo foi financiado pelo Departamento de Atenção Básica (DAB) do Ministério da Saúde e pelo Programa de Políticas Públicas e Modelos de Atenção e Gestão à Saúde (PMA), da Vice-Presidência de Pesquisas e Coleções Biológicas (VPPCB/Fiocruz).

A pesquisa, que analisou a Atenção Primária à Saúde do SUS de 27 municípios rurais remotos em todo o Brasil, constatou que a principal porta de entrada do SUS em áreas rurais e remotas brasileiras sofre com a dificuldade de acesso e escassez de médicos e serviços de saúde, além de carecer de políticas públicas adequadas às particularidades locais. 

+ Leia: Comunidades rurais remotas carecem de políticas públicas adequadas às realidades locais


O estudo teve como base uma tipologia de municípios rurais remotos, criada a partir da classificação do IBGE pelas autoras do estudo. A tipologia caracterizou seis áreas diferentes. Para a coleta de dados, foram realizadas 412 entrevistas com gestores, profissionais de saúde e usuários dos serviços de Atenção Primária à Saúde. O objetivo foi compreender singularidades e especificidades da organização e do uso dos serviços de Atenção Primária à Saúde e de sua relação com a rede de saúde regional, para apoiar a formulação de políticas públicas, em busca da garantia de atenção integral e integrada nos territórios considerados rurais e remotos. 

Segundo Márcia, a pesquisa mostrou que é importante reconhecer as particularidades dos espaços de baixa densidade demográfica e de longas distâncias e refletir sobre como elas devem ser incorporadas na Política de Atenção Básica. 

Para resolver o problema da escassez de médicos em áreas remotas, a pesquisadora acredita que é preciso pensar em formas de provisão e fixação dos profissionais de saúde naquelas comunidades. “Isso não pode ser uma preocupação exclusiva dos gestores municipais. O Programa Mais Médicos mostrou a importância de avançarmos nessas políticas existentes, mas também de darmos mais sustentabilidade às mesmas, pois, na medida em que elas oscilam, é gerada uma descontinuidade no acesso oportuno às populações locais”, observou.

A formação de profissionais para atuar nas áreas remotas é outro ponto que merece mais atenção, segundo a pesquisadora. “O profissional precisa conhecer o contexto rural e as necessidades de saúde da população local”, defendeu. 

É necessário, ainda, segundo ela, um financiamento que incorpore mecanismos para enfrentar as longas distâncias, como o aumento da oferta de meios de transporte, e para o provimento de diversas modalidades de Unidades Básicas de Saúde e auxílio na solução da escassez e rotatividade de profissionais. 

“Em contextos com tantas singularidades, as especificidades geográficas, ambientais, sociais e culturais não podem ser tratadas como obstáculos para a garantia do direito à saúde. Elas devem ser a base para a análise e o planejamento das políticas públicas, especialmente em um país marcado por um padrão de extrema desigualdade socioespacial”, concluiu.

Para difundir os resultados do estudo e interlocução com gestores e pesquisadores no tema, foi desenvolvido um site da pesquisa, com diversos recursos interativos. 

Assista, abaixo, à transmissão completa do evento, com tradução para português:








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