Novo Fórum da ENSP discute relação entre crise econômica e mortes por desespero
Por Danielle Monteiro
A relação entre crise econômica, medidas de austeridade fiscal e mortalidade esteve em pauta no lançamento do Fórum de Pesquisa em Ciências Sociais e Saúde Pública no dia 12 de agosto. O Fórum foi criado pelo Departamento de Ciências Sociais (DCS/ENSP) com o objetivo de ampliar a discussão sobre aspectos sociais, políticos e econômicos de problemas emergentes em Saúde Pública no Brasil. Na ocasião, o pesquisador do DCS Raphael Guimarães ministrou a palestra Crise econômica, austeridade fiscal e mortes por desespero no Brasil, com abordagem central em um estudo fruto de trabalho desenvolvido para sua tese de doutorado. A pesquisa tem como base um modelo teórico conceitual recente, que explora os efeitos dos ciclos de recessão econômica e o seu enfrentamento por parte dos Estados no padrão de mortalidade por causas específicas, incluindo suicídio, intoxicação por substâncias químicas e doenças crônicas por uso abusivo de álcool e drogas. Durante o encontro, foram discutidos os diferenciais desta relação por sexo, grupo etário e cor no Brasil.
Ao abrir o evento, o chefe do DCS/ENSP Assis Mafort explicou que o objetivo do Fórum é se tornar um espaço de reflexão que promova o DCS como um lugar de pensamento e interface de pesquisadores e alunos da Escola com os de outras instituições acadêmicas, além de servir como lugar de comunicação do departamento com a sociedade, para a divulgação de pesquisas, debate de temas de interesse da atualidade e análise de fenômenos emergentes da sociedade, economia e política. “A ideia é que o DCS também possa ter uma contribuição nessa agenda nacional de reconstrução do país visualizada pela Escola”, disse.
Em seguida, o pesquisador e professor da ENSP Raphael Guimarães deu início à palestra explicando o conceito de ‘morte por desespero’. O termo surgiu a partir de estudos dos Estados Unidos, em meados da década passada, que, ao analisarem o perfil de mortalidade em relação com o mercado de trabalho, revelaram aumento na mortalidade, por todas as causas, de mulheres e homens brancos não hispânicos de meia idade naquele país entre 1999 e 2013, além de crescimento de taxas de mortalidade por intoxicações por drogas e álcool, suicídio, doenças hepáticas crônicas e cirrose, assim como aumento na mortalidade em grupos de menor escolaridade. Os estudos indicavam relação daquelas mortes com efeitos da crise econômica, principalmente a vivenciada em 2008. Como as mortes tinham relação com o contexto econômico, que criava situações de desespero, foram, assim, chamadas ‘mortes por desespero’.
Buscando entender o impacto da crise econômica e das medidas de austeridade fiscal na mortalidade no Brasil, o estudo de Raphael descreveu a tendência de morte por desespero no país, entre 2003 e 2018, e comparou a magnitude da disparidade das mortes segundo sexo, idade e cor. Os dados revelaram que, a medida em que se vai degradando o cenário econômico e aumentando as medidas de austeridade fiscal, aumenta a prevalência de mortes por desespero no país.
Os resultados do estudo, segundo Raphael, devem levar a uma discussão sobre o contexto socioeconômico como causa fundamental dessas mortes, assim como os efeitos das respostas às crises e o impacto das crises e das medidas de austeridade fiscal sobre as políticas de saúde pública. “Para falar sobre mortes por desespero, é preciso pensarmos como a crise econômica e as respostas a essa crise vão trazer impactos na saúde pública e também nas políticas de saúde pública. Na esteira de todas as ações de austeridade fiscal no país, desde 2016, houve inclusão de medidas de restrição e de cortes, principalmente na saúde pública, que trouxeram consequências drásticas e imediatas”, alertou o pesquisador. Segundo Raphael, as conclusões do estudo precisam também gerar uma discussão sobre o futuro do capitalismo, partindo da ideia de que o atual sistema econômico pressupõe desigualdade. “Desigualdade é algo previsto no capitalismo. O que não é previsto nesse sistema econômico é que, para que haja consumo e estilo de vida em uma determinada classe, outra classe precisa morrer em decorrência desse estilo de vida. A privação de uma classe social em detrimento de outra não é uma desigualdade prevista pelo capitalismo. Já vimos, em momentos anteriores, que as pessoas chegaram à conclusão de que ter uma vasta parcela de população miserável também é um atraso econômico, em que se deixa de ter um mercado consumidor. Então, ter esse cenário atualmente mostra que o capitalismo, como sistema econômico vigente, também tem seus limites e precisa ser repensado, assumindo que ele seria, então, um sistema econômico vantajoso para a ordem mundial”, disse.
Ao final, o estudo, segundo Raphael, concluiu que ‘mortes por desespero’ é mais que uma nomenclatura, mas também uma hipótese que merece mapeamento conceitual e estudo empírico.
Assista, abaixo, à transmissão completa do evento:
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