Seminário debate panorama da tuberculose drogarresistente no Brasil
Os dados do Boletim Epidemiológico Tuberculose Drogarresistente Brasil, recentemente lançado pelo Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF/ENSP), a compreensão acerca da tuberculose drogarresistente e a questão social e as implicações no tratamento da doença em pacientes assistidos no Ambulatório de Pesquisa Germano Gerhardt (APGG/CRPHF) foram pautas do primeiro Simpósio do Dia Mundial de Combate à Tuberculose, realizado pelo CRPHF no dia 24 de março.
O chefe do CRPHF/ENSP Paulo Victor Viana iniciou o encontro destacando que, passados dois anos da declaração da pandemia de Covid-19, quando todas as atenções dos serviços de saúde ainda estão voltadas para tratar pacientes com a doença, na data de 24 de março, conhecida como Dia Mundial de Combate à Tuberculose, é preciso chamar a atenção para a enfermidade. Ele alertou que a pandemia de Covid-19 teve efeitos devastadores em todos os aspectos da saúde global, e os serviços de tuberculose foram afetados proporcionalmente. “De acordo com o Relatório de Tuberculose 2021 da OMS, as notificações de casos despencaram devido à interrupção de serviços em função da pandemia. Pela primeira vez, em mais de uma década, a mortalidade por tuberculose aumentou. A OMS estima que cerca de 10 milhões de pessoas desenvolveram a tuberculose em 2020 e apenas 5,8 bilhões desses casos foram diagnosticados e notificados, refletindo uma queda de 18% em comparação com 2019, período pré-pandêmico”, afirmou.
Em seguida, o diretor da ENSP Marco Menezes destacou a importância da realização do simpósio e da luta contra a tuberculose no Brasil. Ele também chamou a atenção para os impactos da pandemia nos sistemas de saúde; na prevenção e promoção da saúde; e no controle de doenças, como a tuberculose. “A nível global, houve aumento de mais de 26% de mortalidade por tuberculose na última década. Esse é um número muito impactante”, disse. Segundo o diretor da ENSP, o Dia Mundial de Combate à Tuberculose lembra o desafio de investimento no fim da doença e remete a dois pontos: a necessidade de investimento na Comunicação e na Informação, uma vez que o impacto causado pela pandemia nos sistemas de saúde e no SUS são muito resilientes, e o investimento em pesquisas, inovações e nas campanhas de combate à doença a nível global. Segundo ele, a tuberculose é uma doença que traz uma ligação direta com as questões que hoje afligem a população brasileira: a pobreza, a habitação e o saneamento. Diante disso, para o diretor da ENSP, torna-se fundamental, principalmente em período de eleições gerais, colocar em pauta o enfrentamento da pobreza, da desigualdade e o desafio das políticas públicas que tenham como diretriz os determinantes socioambientais do processo saúde-doença, a defesa do SUS e da participação social dos movimentos sociais na gestão do sistema público de saúde.
Representando a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, a assessora de Atenção à Saúde da Vice-Presidência de Ambiente Atenção e Promoção da Saúde, Patricia Canto, reforçou que a situação de agravamento da tuberculose nesses dois anos de pandemia é fruto do empobrecimento da população. “No caso do Brasil, nos colocamos novamente no mapa da fome e extrema pobreza. É muito importante que instituições como a Fiocruz, em especial na figura do CRPHF, continuem a despontar como grandes defensores da saúde pública no campo da epidemiologia sanitária”, destacou.
A deputada estadual Martha Rocha trouxe uma reflexão acerca do papel do Poder Legislativo na análise sobre a tuberculose. “Vivemos um momento de intensificação dos problemas sociais, crescimento de desemprego, aumento da população privada de liberdade. Esse cenário aumenta nossa responsabilidade no enfrentamento das desigualdades e também as dificuldades no combate à questão da tuberculose”, enfatizou. A deputada também reforçou que os dados de notificações sobre a doença referentes a 2020 não traduzem a realidade, devido aos impactos da pandemia e fechamento de Unidades Básicas de Saúde. “Por outro lado, olhando para os dados de 2019, os quais refletem mais a realidade, verificamos que 75% dos casos estão na região Metropolitana I, a qual corresponde a 60% da população do estado do Rio de Janeiro. Sendo assim, é preciso ter um olhar territorial no combate à tuberculose. Se colocarmos os dados da tuberculose sobre o mapa da violência, vemos que, lamentavelmente, esses territórios se sobrepõem”, observou. Nesse universo, além das desigualdades sociais, segundo a deputada, o país enfrenta o baixo alcance dos patamares definidos pela OMS, o diagnóstico tardio e uma expressiva taxa de abandono de tratamento da doença.
O deputado federal Chico D´Ángelo afirmou que a realização do seminário tem relevâncias significativas, pois trabalha com a perspectiva de conscientizar a população da gravidade da situação da tuberculose frente a pandemia no país e no mundo. “Houve um alto número de pessoas menos diagnosticadas e menos tratadas. Temos um sistema universal invejado no mundo, mas, infelizmente, o orçamento de saúde no Brasil caiu 20% esse ano, em um contexto de aumento pelos serviços de saúde”, alertou. Segundo ele, o orçamento voltado para o combate à tuberculose precisa ser priorizado no país, para que se possa ter, nos estados e municípios, um programa de saúde da família, no qual há a busca ativa de casos e onde se trabalha diagnóstico e tratamento da doença.
Representante do Observatório Tuberculose Brasil, Carlos Basília relembrou que o estado do Rio de Janeiro tem um grande peso na incidência de casos de tuberculose. “Não foi uma surpresa o teor do Relatório da tuberculose da OMS, em função do subfinanciamento. Hoje temos menos da metade do recurso global para o enfrentamento da doença. A estimativa dos dados, que temos hoje, é de que, também nos próximos anos, essa conta continuará a chegar e essa situação do agravamento ainda vai perdurar por um bom tempo”, alertou.
Panorama da tuberculose multirresistente no país
Dando início à sessão de palestras do seminário, o médico tisiologista do CRPHF, Jorge Rocha, discorreu sobre o tema Entendendo o que é a tuberculose drogarresistente. Ele enfatizou que a tuberculose drogarresistente é a maior ameaça para o controle da doença no mundo. “Há uma estimativa de 3,3% de casos novos de tuberculose e 17% dos casos com tratamento prévio serem multirresistentes. Espera-se, no mundo, 480 mil casos de tuberculose multirresistente por ano. Metade dos casos estão na China, Índia e Rússia”, disse. No Brasil, os dados também são preocupantes: no relatório da OMS de 2015, são 63% de casos de tuberculose multirresistente estimados e apenas 32% que iniciam o tratamento. A tendência, segundo o médico, é de aumento dos casos ao longo dos últimos anos, com indicação de tendência de fontes de transmissão no Rio de Janeiro, estado que lidera o ranking de casos da doença. Os principais desafios na luta contra a tuberculose multirresistente no país, segundo Rocha, são a melhoria da suspeição de tuberculose drogarresistente em grupos de maior risco, o fortalecimento da rede de referência laboratorial, a ampliação do acesso ao sistema de informação laboratorial, a vigilância da resistência, o uso de testes moleculares rápidos, o redesenho de fluxos de diagnóstico, a possibilidade de esquemas de curta duração, entre outros.
Em seguida, o epidemiologista e chefe do CRPHF, Paulo Victor Viana, apesentou os dados do Boletim Epidemiológico Tuberculose Drogarresistente Brasil, recentemente lançado pelo CRPHF/ENSP. Baseado em dados do Sistema de Informação de Tratamentos Especiais da Tuberculose (SITETB), o Boletim Epidemiológico de Tuberculose Drogarresistente analisou os principais indicadores epidemiológicos entre casos notificados da doença, no período entre 2019 e 2021, no Brasil e no Centro de Referência Professor Hélio Fraga, com ênfase no contexto social e demográfico, envolvido no adoecimento e manejo da tuberculose drogarresistente no país. Os indicadores revelam redução no número de casos de TBDR diagnosticados em 2020 e 2021 no país, em comparação com 2019, em decorrência do cenário de pandemia de Covid-19. Quanto ao padrão de resistência, os casos resistentes à rifampicina e multirresistentes representaram a maioria entre os notificados. Embora abaixo do preconizado, o sucesso terapêutico foi mais frequente na maior parte dos casos, em ambas as realidades analisadas.
De acordo com o boletim, entre 2019 e 2021, foram notificados 3.848 casos de tuberculose drogarresistente (TBDR) no Brasil. Com a chegada da pandemia de Covid-19 em março de 2020, foi observada queda acentuada no diagnóstico e tratamento de casos de TB resistente no país, quando comparado a 2019. “Essa redução na notificação de casos sinaliza, claramente, que estamos passando por uma subnotificação de casos de tuberculose resistente, alguma dificuldade de diagnóstico e identificação desses casos está acontecendo nas redes de saúde do país como um todo”, alertou. No período, o Rio de Janeiro foi a Unidade da Federação com a maior proporção de casos (23,4%), seguido de São Paulo (16,8%) e Rio Grande do Sul (9,5%). Entre as capitais brasileiras, as maiores proporções foram identificadas nas cidades do Rio de Janeiro (14,8%), São Paulo (7,0%) e Manaus (6,0%).
Um retrato da questão social e as implicações no tratamento da TBDR de pacientes assistidos no APGG foi o tema da palestra proferida pela assistente social do CRPHF Nancy Chagas. A resistência primária é um dos grandes desafios atuais na luta contra a tuberculose resistente, segundo Nancy. “Isso significa que o bacilo da tuberculose multirresistente está circulando na comunidade e que é necessário avaliar os contatos e fazer estudo da efetividade do acompanhamento desses casos”, defendeu. Ela enfatizou que a tuberculose é um desafio nas sociedades com elevados níveis de desigualdades socioeconômicas e que a intersetorialidade entre as políticas públicas de saúde e de assistência social é importante para a mediação da questão social dos usuários em tratamento da tuberculose e tuberculose drogarresistente. Além disso, segundo a assistente social, é necessário que as interseções da tuberculose e tuberculose drograrresistente com outros temas sejam aprofundadas, como trabalho, gênero, etnia, direitos humanos, entre outros.
Assista, abaixo, à transmissão completa do primeiro Simpósio do Dia Mundial de Combate à Tuberculose
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