Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez: pesquisadora da ENSP fala sobre vulnerabilidade agravada pela Covid-19
No dia 10 de novembro, o Brasil comemora o Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez. A data foi instituída pela Portaria de Consolidação MS nº 1/2.017, art. 527, como símbolo de luta pela educação, conscientização e prevenção dos problemas advindos da surdez relacionados à população brasileira, que tem, aproximadamente, 5,8 milhões de pessoas com algum grau de surdez. O Informe ENSP convidou a pesquisadora e responsável técnica do Serviço de Audiologia do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), Marcia Soalheiro, para discorrer sobre as vulnerabilidades que os surdos enfrentam e que foram agravadas pela pandemia global Covid-19. Confira!
Há muitas questões importantes a serem apresentadas nessa data, por exemplo, a conscientização das necessidades vivenciadas pelo indivíduo portador de surdez.
Devemos considerar as vulnerabilidades que os surdos enfrentam e que foram agravadas com a pandemia global Covid-19, como a falta de informações adaptadas, as dificuldades geradas nas áreas de Saúde e Educação, que culminam em grande preocupação extra com relação ao pós pandemia, uma vez que é preciso cuidar desses grupos. É urgente e necessário maior protagonismo, novas oportunidades, acessibilidade comunicacional com maior participação de tradutores e intérpretes em Libras, oferta de educação e saúde bilíngue, além de respeito, compreensão e empatia pela sociedade.
Outra questão são os dados alarmantes apresentados no primeiro Relatório Mundial sobre audição da OMS (Organização Mundial de Saúde, 2021), que estima que, em 2050, cerca de 2,5 bilhões de pessoas viverão com certo grau de deficiência auditiva e, no mínimo, 700 milhões dessas irão precisar de serviços voltados para recuperação. Presume-se que uma entre quatro pessoas terão problemas auditivos em 2050. Atualmente, 1,5 bilhão de pessoas vivem com certo grau de deficiência auditiva. O relatório alerta para o número crescente de pessoas que vivem com e sob risco de perda auditiva. Ressalta o controle de ruído como um dos sete principais fatores de risco para a perda auditiva, necessidade de intervenções e a importância de mitigar a exposição a sons altos. Indica carência de investimentos públicos e financeiros, que são necessários à formulação de políticas públicas com cobertura universal preventiva, para a integração dos cuidados auditivos, e que priorizem a atenção à necessidade das pessoas que vivem com perda auditiva não tratada e doenças do ouvido.
Sinalizam, também, a importância de esclarecimento à população sobre a boa audição, boas práticas auditivas, imunização, tratamento em tempo hábil, atendimento e acompanhamento especializado disponibilizado.
No Brasil, os indicadores sobre a saúde auditiva da população são muito preocupantes também. Dados do Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002) revelam que 24,5 milhões de brasileiros – ou seja, 14,5% da população total – são portadores de algum tipo de incapacidade ou deficiência. Entretanto, na totalidade dos casos declarados com deficiência, 16,7% apresentam perda auditiva – 5,7 milhões de indivíduos, dos quais 176.067 são incapazes de ouvir. Além disso, nos indivíduos com perda auditiva, há predominância do sexo masculino, provavelmente em virtude do tipo de atividade ocupacional desenvolvida pelos homens e dos riscos de acidentes por causas diversas.
Em função do momento atual, não poderíamos deixar de relatar pesquisas recém aplicadas que descrevem que a pandemia Covid-19 apresentou um desafio adicional para pessoas com perda auditiva, ressaltam que é maior o risco de solidão e isolamento social, com aumento do risco de depressão, demência e quedas (Otolaryngol Head Neck Surg, 2020).
Compreendemos ser pertinente apresentar considerações sobre Covid-19 e perda auditiva: O que sabemos? (Healthy Hearing, 2021). Os estudos indicam que essa é uma área emergente de pesquisa, isto é, identificar se a perda auditiva pode resultar de infecção por coronavírus – seja como um sintoma ou complicação por dias ou semanas depois. Com base em relatos de casos publicados, parece que a perda auditiva súbita raramente é um sintoma do início do coronavírus. O que parece ser um pouco mais comum (embora ainda raro) é o desenvolvimento de perda auditiva, zumbido ou tontura posteriormente no processo de infecção, o que significa que esses problemas não fazem parte do início dos sintomas, mas surgem dias ou semanas depois.
Uma revisão sistemática de fevereiro de 2021 reuniu dados sobre complicações auditivas e estimou que:
• 7,6% das pessoas relatam perda auditiva
• 14,8% relatam zumbido
• 7,2% relatam vertigem
Os resultados de uma pesquisa no Reino Unido indicam que um em cada dez pacientes com coronavírus relataram perda auditiva ou zumbido oito semanas depois. Os autores também apontaram que a perda auditiva e o zumbido podem não estar relacionados ou estar indiretamente relacionados (como um efeito colateral de um medicamento).
Alguns medicamentos usados para tratar o coronavírus apresentam um risco relativamente alto de perda de audição, zumbido nos ouvidos ou vertigem e tontura como efeito colateral. Esses medicamentos incluem quinino, cloroquina e hidroxicloroquina. “Esses medicamentos antivirais têm eventos adversos conhecidos, incluindo zumbido e perda auditiva, e os sintomas podem ser erroneamente diagnosticados como sendo causados pelo Covid-19”, afirmaram os autores da revisão sistemática mencionada.
E quanto à perda auditiva e vacinas? Depois de vasculhar o Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas do CDC, nenhuma ligação foi encontrada entre a perda auditiva súbita e a vacinação, de acordo com pesquisadores do departamento de otorrinolaringologia-cirurgia de cabeça e pescoço da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. A taxa de perda auditiva súbita parece realmente ser menor entre as pessoas vacinadas, embora os pesquisadores digam que os casos podem ser subnotificados e seus dados são uma análise preliminar. Os resultados foram publicados em uma carta de pesquisa na revista médica JAMA Otolaryngology – Head and Neck Surgery.
Mais pesquisas são necessárias antes de entendermos completamente como o coronavírus afeta a audição e o equilíbrio. Ainda não sabemos até que ponto o coronavírus causa perda auditiva, zumbido ou problemas de equilíbrio.
A audição é uma faculdade preciosa. O dano auditivo precisa ser evitado. A qualidade de vida pode sofrer declínio, e os custos para a sociedade podem aumentar. Cuide de sua audição.
Referências:
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2000: indicadores/população/economia/geociências: tabulação avançada: resultados preliminares da amostra. Rio de Janeiro; 2002. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/08052002tabulacao.shtm. Acessado em: 23.11. 2018
JAMA Otolaryngology. Otolaryngol Head Neck Surg, 2020. Disponível em https://jamanetwork.com/journals/jamaotolaryngology. Acessado em 09.11.2021
WORLD REPORT ON HEARING. World Health Organization, 2001. Disponível em https://www.who.int/publications/i/item/world-report-on-hearing. Acessado em 09.11.2021
VICTORY Joy, COVID-19 and hearing loss: What we know. Healthy Hearing, 2021. Disponível em https://www.healthyhearing.com/report/53127-Coronavirus-hearing-loss-tinnitus-covid. Acessado em 09.11.2021
*Marcia Soalheiro é doutora em Fonoaudiologia (área de concentração Pertubaciones de La
Comunicación Humana) pela Universidad del Museo Social Argentino (1995).