Trabalho docente e saúde em contexto pandêmico foi debatido na ENSP
A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) realizou, na última semana, mais uma atividade do Ceensp. Dessa vez, o evento debateu “Trabalho docente e saúde em contexto pandêmico: adoecimento, mortes e resistências”. O objetivo da atividade foi apresentar resultados de pesquisas relacionadas à saúde dos trabalhadores que integram o grupo de pesquisa Sindicato, Trabalho, Educação e Saúde (Sintheses), formado por pesquisadores, trabalhadores e alunos do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) e de outras instituições parceiras.
A pesquisadora do Cesteh Ariane Larentes moderou o debate no qual salientou a importância de abordar temas tais como esses dos dias atuais. “No momento em que mais cortes de pesquisa acontecem, a importância disso (da atividade) e a luta dos pesquisadores em não só transforma a ciência a favor dos trabalhadores, como também lutar por condições de vida de todos no nosso país.”
A pesquisadora também do Cesteh Liliane Teixeira apresentou dados sobre adoecimento dos professores, coletados por meio do questionário do projeto da Rede de Informações sobre a Exposição ao SARS-CoV-2 em trabalhadores e trabalhadoras no Brasil.
Ao todo, até o momento do levantamento realizado para a apresentação, foram 2.002 mil trabalhadores de diversas categorias. Na força de trabalho de professores, Liliane mostrou os dados que apontam como maioria participativa os professores do ensino infantil e fundamental, seguidos pelos professores universitários. A maioria dos profissionais são mulheres (58,3%), com maioria da raça branca (60,8%), seguidos por pardos (25,5%) e pretos (13,7%).
Na organização de trabalho, a maioria respondeu que nunca havia trabalhado remotamente (92,5%). Os dados apontam, também, o aumento significativo da carga de trabalho (81,1%), uma parcela que teve redução salarial (21,4%) e alteração na jornada de trabalho (26,2%). Segundo a pesquisadora, com a análise dos dados, é possível dizer que “o on-line deixou o trabalho um pouco caótico”, tendo em vista outros resultados da pesquisa como ambiente de trabalho, acesso à internet, dentre outros.
A organização do tempo em relação ao trabalho, duração de sono e duração de descanso também foram temas do questionário.
Já a saúde mental mostrou pontos importantes. As principais queixas foram de ansiedade, seguida por fadiga e alteração do sono. Além disso, mais de 90% dos participantes disseram se sentir inseguros com o retorno presencial das atividades por conta da Covid-19.
Quanto aos hábitos, o questionário mostrou que mais professores deixaram de praticar atividades físicas (45,7%) do que os que as mantiveram como regulares (8,6%). Outro ponto que chama a atenção foi o aumento de consumo de álcool (14,3%) e de cigarro (8,8%). Além disso, o questionário mostra que mais da metade dos participantes avaliaram o trabalho remoto como bom (53,1%).
Em relação à avaliação separada por sexo, o questionário apontou que as mulheres avaliam o trabalho remoto como bom numa porcentagem bem superior à dos homens. A pesquisadora explicou que o projeto da Rede objetiva “construir um espaço participativo e democrático na comunicação de riscos” para a saúde dos trabalhadores, além de “contribuir com ações promotoras da integralidade da Atenção à Saúde do Trabalhadores”.
Saiba mais sobre a Rede Covid & Trabalhadores na seção especial do Informe ENSP.
“A saúde é forte onde os movimentos sociais também são fortes”
A pesquisadora do Cesteh Kátia Reis apresentou os resultados da pesquisa, realizada em parceria com o Sindicato dos Professores da cidade de Macaé (Sinpro-Macaé), intitulada “Trabalho e Saúde dos professores(as) da rede pública e privada da educação básica no Rio de Janeiro: registro nas cadernetas digitais de trabalho e saúde”, cuja proposta é o trabalho remoto.
A pesquisadora apresentou as mudanças no processo de trabalho e desafios relacionados à prática pedagógica no momento da pandemia. “Este momento é marcado pela precarização social e a intensificação do trabalho”, salientou a pesquisadora. Para ela, o ensino remoto e o teletrabalho têm má qualidade. “Não temos estruturas para, de fato, desenvolver o ensino a distância.”
A pesquisa mostrou que existiu a migração das aulas presenciais para formato on-line sem uma qualificação, além de apontar a mudança no ritmo de trabalho, se tornando mais acelerado e com jornadas excessivas. Dentro do agravamento de sintomas dos professores, os relacionados à saúde mental foram as principais queixas, além da ameaça de desemprego, e a precarização do trabalho.
A metodologia da pesquisa é baseada nos estudos sindicais italianos, um modelo que tem o enfoque direcionado para que os trabalhadores se constituam como sujeitos do saber e nas Comunidades Ampliadas de Pesquisa (CAP), que, explica a professora, “visa compreender e transformar as relações entre trabalho e saúde docente”.
Para participar, os professores preencheram as cadernetas, que são precedentes dos estudos sindicais italianos. “ É um diário em que o trabalhador faz anotações livres sobre o seu dia a dia de trabalho durante uma semana”, explicou Kátia, salientando ser válido qualquer tipo comunicação — como a visual de desenhos e poemas — que simbolize seu trabalho. Ao todo, oito professores participaram, dentre eles profissionais de ambos os sexos, de escolas públicas e particulares, contratados na modalidade de CLT ou temporário.
As anotações dos professores mostraram que o aceleramento e a pressão nas sequências das atividades, simultaneidade e concorrência de trabalhos, impedimentos tecnológicos e adaptações do trabalho docente e interação entre o trabalho docente e doméstico foram os que apresentaram mais empecilhos. “Muitos professores demonstram fobia de câmeras, tremedeiras e suor. ’Essa tecnologia é cara, excludente e não é satisfatória. Porque, além de tudo, ela tem limitações.” enfatizou a pesquisadora, que mostrou a necessidade da criação de uma plataforma apropriada para o trabalho desses professores.
Para representar a classe de trabalhadores, a convidada foi a presidente do Sinpro-Macaé, professora Guilhermina Rocha, que iniciou sua fala agradecendo a oportunidade de representar essa classe de trabalhadores e trabalhadoras. Em sua participação, ela falou sobre a resistência e luta desses trabalhadores. Segundo ela, várias questões já foram avançadas por meio de outras pesquisas realizadas com trabalhadores, e elas trouxeram melhorias para os trabalhadores do setor de Educação. “Estamos aqui para falar da educação, mas lembrar da importância desse trabalho acadêmico no sentido de poder não só fortalecer a luta, mas também possibilitar que o sindicalismo comece a pensar novas formas de concepção e quebra de alguns paradigmas”, enfatizou a sindicalista.
A professora ressaltou os desafios dos professores neste momento de pandemia, visando combater e trazer melhorias para esses processos desafiadores. Além disso, Guilhermina fez uma avaliação desde o ano de 2016, quando não só os professores, mas toda a classe trabalhadora vem sofrendo com a perda de direitos.
Outro ponto levantado pela sindicalista foi a institucionalização. “A partir do momento em que você passou a ser o responsável pelo processo, no caso o professor, a Escola, de alguma maneira, deixou de existir. Quem garantiu o elo entre o ensino e a aprendizagem foram os professores”, pontua a sindicalista, explicando que o processo das aulas on-line impostas dependeu das estruturas dos professores.
As MP’s lançadas pelo governo federal também sofreram críticas de Guilhermina. Segundo ela, todas as medidas foram elaboradas para favorecer apenas as empresas, e não os professores. “Ela não assegurou os trabalhadores; somente as empresas se sentiram seguras. Elas salientam uma política de adoecimento.”
Como pensar formas de resistir e lutar? A sindicalista salientou que, mesmo com todos os empecilhos, o sindicato resistiu e usou a criatividade para continuar seguindo. “Utilizamos a ajuda da imprensa, o papel jurídico e o contato com esses trabalhadores”, reforço ela, explicando uma das ações realizadas, a Greve Pela Vida, em que uma das pautas era a falta de segurança para o retorno das aulas presenciais sem o amparo da vacina e outras observações científicas. O projeto foi realizado ao longo de 2020 com palestras e encontros on-line.
Finalizando sua fala, a sindicalista agradeceu a Fiocruz pelo apoio aos trabalhadores e o campo científico para enfrentar o momento atual.
Assista a atividade no canal da ENSP, no Youtube.
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