67 anos da ENSP: Desigualdades étnico-raciais e de gênero pautam último dia de comemorações
Ao iniciar o evento, a coordenadora da mesa e pesquisadora do Departamento de Endemia da ENSP, Marly Cruz, contou que o painel surgiu a partir de toda uma mobilização dentro da ENSP para a criação do GT de Diversidade e Equidade anti-racismo, “que visa incentivar na Escola um amplo debate sobre a temática no Ensino, Pesquisa e Serviço, principais eixos de atuação da ENSP”.
Em seguida, a doutora em Saúde Pública e fundadora do Programa Baobá para Equidade Racial, Fernanda Lopes, defendeu que, para haver um Brasil melhor, é preciso que a democracia valorize todos os corpos, cores e subjetividades; e que a macropolítica, a macroeconomia e todas as reformas sejam lidas sob diferentes perspectivas. Além disso, segundo ela, é necessário que os impactos sobre diferentes coletivos humanos sejam reconhecidos como um processo ativo e deliberado que garante direitos de alguns, enquanto expropria outros; e que as intervenções sejam orientadas por justiça. Ela também chamou a atenção para a necessidade da presença de um Estado de Direitos Ambientais, Políticos, Culturais, Econômicos, Sociais e Civis.
Fernanda ainda destacou que o processo saúde-adoecimento-cuidado-morte não é resultado de experiências isoladas, mas, sim, de fatores como racismo, sexismo, pobreza, misoginia, homofobia, entre outros. “As causas ‘estruturais que geram doenças, agravos, mortes por causas preveníveis, ou mesmo excesso de mortes em alguns grupos, são as mesmas que orientam a hierarquização social e perpetuam iniquidades”, afirmou. O racismo, segundo ela, influencia e é influenciado por macroestruturas, assim como afeta o Planejamento e a Gestão, a participação e o controle social, o Ensino, a Pesquisa, a Extensão, entre outras áreas. “Sendo assim, para Fernanda, é necessária a reconstrução de trajetórias e a construção de novas Agendas, que reiterem que a Ciência, o Ensino, a Pesquisa, o Serviço e a Saúde Coletiva nunca foram e nunca poderão ser algo neutro. “Por isso, é preciso reiterar que não se pode construir nada sobre os sujeitos, sem os sujeitos na sua diversidade e pluralidade”, afirmou. “Onde há racismo, sexismo, homo, lesbo ou transfobia, capacitismo, etarismo, xenofobia ou qualquer outra forma correlatada de intolerância, não há paz, liberdade, desenvolvimento, democracia, justiça e tampouco Saúde”, concluiu.
Ao discorrer sobre as questões LGBTQ na área da Aids, o vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) e militante de questões LGBTQ, Veriano Terto, chamou a atenção para a pouca visibilidade da Aids nos diversos campos da sociedade e para a necessidade de um diálogo intersetorial e da universalização de Políticas de Acesso e Equidade. Ao traçar um breve panorama sobre a história da trajetória da Aids no mundo, ele lembrou que a doença chegou ao Brasil como um fenômeno social ancorado em preconceitos antes mesmo de casos epidemiologicamente registrados no país. “Ela já chegou como ‘a doença dos gays’, a qual seria uma punição divina contra os ‘desregramentos’ e ‘devassidão’ da Revolução Sexual dos anos 1970, recrudescendo, assim, o preconceito e as desigualdades nesses grupos populacionais”, disse. Segundo ele, a fundação da ABIA, que teve o sociólogo Betinho como protagonista, se deu no caminho contrário aquele conceito, tornando-se, assim, uma resposta interdisciplinar para a doença, baseada na solidariedade entre diversos atores, servindo de exemplo de melhor enfrentamento da doença no país, apontando a doença não somente como um fenômeno clínico e epidemiológico, mas também levando em consideração a crise social da qual a Aids era resultante e a qual ela fomentava de forma dinâmica. “Vemos o mesmo com a Covid e com outras epidemias que estão aí e que virão. Uma epidemia não se resolve apenas com vacina e remédio. Para que a vacina aconteça e seja tomada, é preciso vencer uma série de fenômenos políticos, sociais e culturais que escapam à visão biomédica e exclusiva”, alertou.
Coordenadora do Observatório de Inclusão Educacional, do Núcleo de Acessibilidade da Universidade Rural do Rio de Janeiro, Márcia Pletsch contextualizou os estudos acerca da deficiência e falou das mudanças, avanços e desafios na área. Ela também discutiu a acessibilidade em suas diferentes dimensões, tomando como base as declarações da ONU voltadas para pessoas com deficiência, considerada a primeira declaração de Direitos Humanos do século. Um dos principais avanços do Brasil na área citados por Márcia foi a inclusão do conceito de Política de Educação Inclusiva na Agenda Política, ou seja, a inclusão desses grupos populacionais em escolas comuns. Atualmente mais de 87% dessa população está em escolas públicas. “A Educação Inclusiva garantiu que essas pessoas saíssem da vida privada e fossem para a pública, pois, até poucos anos atrás, essas pessoas não circulavam no meio de nós. No entanto, ainda temos desafios para alcançar”, disse.
Ela também chamou a atenção para a ampliação do conceito de Acessibilidade, o qual vai além de estruturas físicas e arquitetônicas. O reconhecimento de Libras como língua no país, assim como a acessibilidade curricular, metodológica e instrumental, são também importantes conquistas na área, segundo ela. Já entre os desafios, Márcia citou a necessidade de se garantir novamente o acesso dessa população à escola, o qual tem sido retirado na atual Agenda Política, além da necessidade de desenvolvimento integral desse grupo populacional, uma vez que muitas de suas famílias precisam escolher entre o acesso aos serviços de Saúde, em detrimento da Educação. “Mais de 50 mil pessoas com deficiência no país nunca foram matriculadas na Educação”, alertou. A solução para tais desafios, segundo Márcia, estaria na adoção de uma perspectiva intersetorial. “A maioria dessa população, cerca de 90%, é extremamente pobre, têm subempregos e é a que menos recebe, sendo que, nesse último caso, são as mulheres que menos recebem", alertou.
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