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ENSP 67 anos: cenário do trabalho na pandemia e pós-pandemia é tema de debate

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Publicado em:08/09/2021
No terceiro dia de comemorações dos 67 anos da ENSP, o cenário do mundo do trabalho foi o tema apresentado na tarde da quarta-feira (1/9). A atividade contou com dois painéis – Trabalhadores da Saúde e Agendas Sindicais; Resistência e participação dos trabalhadores na defesa da sua saúde. Ambos tiveram a mediação da pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), Kátia Reis. Em sua fala de abertura, a pesquisadora fez uma licença poética com a música tema do aniversário deste ano, “Que país é esse?”, do grupo Legião Urbana. “Que país é este? E que país será este?”, recitou a pesquisadora reforçando a preocupação com a importância do nosso futuro. Além disso, parabenizou a Escola salientando que “o aniversário de 67 anos da ENSP é de todos nós.”

O painel Trabalhadores da Saúde e Agenda Sindical contou com a participação da pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps), da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), Maria Helena Machado. A pesquisadora apresentou os resultados da pesquisa "Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19". Antes de apresentar os dados coletados pela pesquisa, a pesquisadora demonstrou, por meio de dados de infecção e óbitos pela Covid, o que estava acontecendo com os profissionais da Saúde durante este momento de pandemia. “Se eu fosse fazer uma apresentação de dados todos os dias, eu teria que atualizar, pois, a cada dia, eles ficam defasados”, salientou ela, mostrando a gravidade do que acontece no país, com o elevado número de óbitos de profissionais da Saúde, sendo considerado, por ela, como algo incondicional.

Com essa estrutura absolutamente em caos pandêmico, surgiu a pesquisa “Condições de trabalho dos profissionais de Saúde no contexto da Covid”, focada em 14 profissões de Saúde, segundo o Conselho Nacional de Saúde, que buscou desvendar a real situação desses profissionais. Diante dela, outras possibilidades de análise foram abertas. “Essa é a pesquisa mãe. Por causa dela, surgiram mais duas: "Trabalhadores invisíveis da Saúde e Trabalhadores da Saúde Indígena".

Ao todo, foram preenchidos mais de 15 mil questionários. A pesquisa mostrou que a maioria dos profissionais de Saúde tem sua força de trabalho no sexo feminino (77,6%). A maioria deles atua em estabelecimentos de referência da Covid-19. A pesquisa mostrou, também, que 45% deles têm outro emprego, o que desperta a preocupação da pesquisadora. “Apenas 1/3 CLT, e o outro 1/3 é por contrato. Isso nos preocupa, já que mais de 45% deles têm outro emprego. São baixos salários que exigem deles um multiemprego. ”Mesmo trabalhando em hospitais de referência da Covid, a pesquisa mostrou que esses profissionais não se sentem protegidos, já que faltam EPI’s, além do medo generalizado do trabalho. 

Para a pesquisadora, um ponto que chama a atenção é o fato de ¼ dos trabalhadores apresentarem fator de risco pré-existente, além dos sintomas que causam neles, como perturbação de sono, incapacidade de relaxar, sensação negativa do futuro, perda e insatisfação na carreira, tristeza, apatia, mudança na rotina profissional, como o trabalho extenuante, insalubridade no trabalho, dentre outros. A pesquisadora terminou sua fala enaltecendo a importância de pesquisas como essa. “Assim, vamos conhecer o mundo do trabalho de mais de três milhões de trabalhadores que atum nesse contexto de pandemia.”

Representando a classe sindicalista, o convidado foi o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS/CUT/RJ), Sandro de Oliveira Cézar. Ele parabenizou a Escola pela participação junto aos sindicatos para o cuidado com os trabalhadores. Além disso, destacou a importância da atuação da ENSP na saúde do trabalhador, relatando ser uma área muito difícil de atuação, mas também fundamental. 
Sandro salientou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). “Temos um sistema fantástico que ajudou muito a gente na atuação contra a doença, a Covid-19. Foi importante para a população, pois houve uma aproximação desse sistema para reconhecer sua importância,” evidenciou Sandro, julgando que o caminho da academia e da ciência junto com os trabalhadores é o mais adequado para continuar aperfeiçoando as políticas públicas brasileiras. 

O diretor enfatizou a importância de representar esses trabalhadores, que, muitas vezes, têm sua voz silenciada. “Minha voz é daqueles que não conseguem ser ouvidos e percebidos diante dessa situação que vivenciamos no Brasil." Além disso, ele criticou a forma como foi tratada a pandemia no país. Encerrando sua fala, ele ressaltou o quanto foi importante a pesquisa coordenada pela pesquisadora Maria Helena Machado para a aprovação de uma lei no Congresso, que pretende indenizar os trabalhadores da Saúde que tenham sido vítimas da Covid ou ficaram inválidos permanentemente por causa dela. 



Resistência e participação dos trabalhadores na defesa da sua saúde

Iniciando o segundo painel, a pesquisadora Liliane Teixeira apresentou a pesquisa Rede de Informações sobre a exposição ao SARS-CoV-2 em trabalhadores do Brasil. A pesquisa é composta de várias instituições parceiras, como o Diesat, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e parcerias internacionais, além do apoio do Ministério Público do Rio Grande do Sul. 

A pesquisadora explicou que a ideia surgiu em razão da grande procura de trabalhadores pelo Cesteh para sanar suas dúvidas. “Os trabalhadores são grandes expostos à Covid por conta do seu ambiente de trabalho, pois eles têm contato diariamente com o vírus”, salientou a pesquisadora, explicando que a OSHA e o CDC americano elaboraram orientação para esses trabalhadores. Diante disso, a equipe da Rede começou a se organizar para elaborar suas orientações. 

Os objetivos do projeto são: criar redes de informações e comunicação; produção de disseminação de informação; e o desenvolvimento de ações para beneficiar a vida dos trabalhadores. Segundo a pesquisadora, a estratégia foi construir a rede para conhecer as condições de trabalho de serviços essenciais, a fim de subsidiar ações de mitigação dos riscos à saúde. Ela explicou que a rede considera trabalhadores essenciais todos aqueles que não pararam de trabalhar durante a pandemia da Covid-19. 

A pesquisa tem quatro áreas de conhecimento: informação, ciência da computação epidemiologia ocupacional e ação coletiva, e, segundo a pesquisadora, cada uma delas é exercida por cada instituição parceira. Petroleiros, trabalhadores de postos e revenda de combustíveis, saneamento são algumas das áreas de trabalhadores em que a rede vem atuando. “A integração das redes é que faz o nosso projeto funcionar”, reforçou. 
Logo após a criação da rede, os próximos passos foram a elaboração do questionário com a comunicação de risco, os informes elaborados para ajudar os trabalhadores, o estudo e pesquisa por intermédio de alunos de doutorados e a criação de um observatório para a rede. 

O questionário, segundo a pesquisadora, foi montado com a ajuda de especialistas e dos trabalhadores, que mostravam suas dificuldades e iam sendo ajustadas pelo projeto. Além disso, a pesquisadora falou que os expostos ao amianto têm um questionário específico para eles. 
Alguns resultados do questionário e do projeto foram mostrados. Ao todo, sete informes divulgados com instruções para os trabalhadores, tradução de estudos e pesquisas sobre condições de trabalho, quatro pareceres do MPT, reunião com sindicatos e seminários, bem como encontros com diversos trabalhadores. 

Já como resultado da fase de risco 1 – o questionário -,  2.002 mil pessoas acessaram o documento. Dessas, 1.945 aceitaram participar, mais de mil responderam algumas questões e 533 responderam a todas as questões.  A maioria das respostas foram feitas por trabalhadores da Saúde, a maioria mulheres e da cor branca. A maioria dos atestados para a doença foi realizada por teste, como mostrou o questionário. Na pergunta se houve capacitação pela empresa para lidar com a doença, 30% dos trabalhadores afirmaram que tiveram essa ajuda, outros 30% disseram ter, mas de forma insuficiente. Segundo a pesquisadora, o projeto tem como meta “contribuir com o desenvolvimento e ações promotoras para a atenção à saúde do trabalhador, além de construir um projeto participativo e democrático.”

Na fase final da atividade, a procuradora Regional do Trabalho, da Coordenação Nacional da Defesa do Meio Ambiente de Trabalho (Codemat), Márcia Kanei, explicou como foi a atuação do Ministério Público do Trabalho durante a pandemia, além de deixar algumas reflexões importantes para o futuro. “Este momento pandêmico trouxe muita tristeza, mas reflexões pertinentes para todos nós.” 

Uma das primeiras ações do MPT, segundo a procuradora, foi a realização de uma reunião com todas as Coordenadorias Nacionais do órgão, que teve como objetivo comum o debate da Covid-19. Uma das decisões da reunião foi a elaboração de diversas notas técnicas, disponíveis no site da MPT, para auxiliar os trabalhadores. “Precisamos deixar claro que elas não são leis; são interpretações legais do órgão referente àquele tema”, esclareceu a procuradora. 

Segundo Márcia, a Nota Técnica de n° 20 foi a que trouxe mais intercorrências, já que trata de a Covid-19 ser relacionada como doença do trabalho e, por tal razão, precisa ser feita a notificação no CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho. A procuradora afirma que o MPT vem defendendo que essa notificação precisa continuar sendo feita. “Isso trouxe diversas reações, mas mantivemos a nota. Observamos em notas posteriores tanto da Previdência como do MT que corroboram com a nota n° 20, pois é o que está na lei”, salientou a procuradora, ressaltando que esse foi o grande problema que apareceu na pandemia, um problema estrutural já existente e que precisa ser reparado. Para ela, a pandemia deixou uma grande evidência em relação às formas de fazer saúde, que não é feita só com a assistência, mas também com a vigilância.

 Finalizando sua fala, a procuradora deixou algumas reflexões de como podemos lidar com a situação dos trabalhadores decorrente de ações futuras e desconhecidas, como aconteceu com a Covid-19. “A pandemia está muito ligada à questão ambiental. O vírus é um reflexo da questão ambiental. O relatório do IPCC mostra a gravidade da questão climática no mundo. Como fica nossa responsabilidade diante disso? Como vamos nos responsabilizar por entregar este planeta para gerações futuras? A questão climática é urgente, mudanças radicais são necessárias e, invariavelmente, passam por um impasse no setor econômico, já que irão afetar diretamente essa área e os trabalhadores. E como os trabalhadores ficarão caso essa transformação venha a acontecer? Ela não pode ser feita prejudicando a falta de empregos. Precisa focar na sustentabilidade e nos empregos que poluam menos. E o Brasil? Estamos pensando a esse respeito? Pensando em mais esforços para uma economia mais verde? Essa transição é necessária, mas precisa ser justa, investindo em capacitação, em previdência, para não prejudicar os trabalhadores."


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