Especialistas debatem violências no trabalho de cuidado e emoções
Coordenadora do evento, a pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP), Fernanda Ribeiro, abriu o encontro chamando a atenção para a pertinência do debate em torno da temática do mundo do trabalho frente à pandemia da Covid-19. “Será uma oportunidade de discutirmos um pouco do contexto do trabalho, pensarmos a relação do trabalho com a violência, o gênero, as emoções e as expressões de violência, tanto interpessoais quanto estruturais e institucionais”, disse.
O sociólogo do trabalho e professor da Université du Québec à Montreal (UQAM), Ângelo Soares, deu início a sua apresentação alertando sobre a importância de se considerar os contextos específicos onde o coronavírus vai atuar, apesar de o mesmo não discriminar e atacar a todos da mesma forma. “Vivemos em uma sociedade líquida, onde o coletivo se encontra enfraquecido por um grande individualismo, uma sociedade caracterizada por desigualdades e incertezas sociais e uma grande precarização social, que coloca os indivíduos em uma busca incessante de soluções individuais por problemas que são coletivos”, afirmou. Segundo o professor, ao desconsiderar os contextos sociais, a gestão da pandemia potencializou as fraturas sociais e organizacionais já existentes, gerando ainda mais desigualdades.
Soares também chamou a atenção para os principais efeitos da pandemia, entre eles, o aumento das desigualdades sociais e o reforço das desigualdades de gênero, com uma taxa de desemprego e violência maior entre mulheres do que homens. “O aumento dessas desigualdades sociais vem acompanhado por um regime de desigualdades emocionais. Segundo a Estatística Canadá, o aumento do medo de contrair a Covid-19 foi maior nos setores de Saúde e Assistência Social, seguido pelo de Educação. Esses dois setores são majoritariamente femininos”, frisou.
Outro efeito da pandemia, segundo o professor, foi a importância e a centralidade do trabalho de cuidar nas nossas sociedades. “É um trabalho essencial, que emergiu de sua invisibilidade e tem sido aplaudido, mas, que manteve as condições, a organização do trabalho e que tem sido administrado de maneira autocrática e desdenhosa. Por exemplo, em junho de 2020, no Quebec, já havia mais de 40 Ordens Ministeriais que tiveram impacto significativo nas condições de trabalho do pessoal da Saúde, como cancelamento das férias e de folgas, e imposição de horários”, disse.
Soares ainda citou três aspectos envolvidos na importância central das emoções no trabalho de cuidar. O primeiro, segundo ele, é que o trabalho de cuidar mobiliza diferentes qualificações, dependendo da pessoa que está sendo cuidada. O segundo aspecto diz respeito à interação assimétrica entre quem cuida e é cuidado, a qual é perpassada por diferentes relações sociais, de gênero, raça e orientação sexual.
Já o terceiro aspecto, citado por Soares, é que as emoções no trabalho formam um núcleo central no trabalho de cuidar. “O trabalho de cuidar exige continuamente essa gestão da expressão das emoções, a qual é definida como trabalho emocional, ou seja, a compreensão, a avaliação, a gestão das próprias emoções, bem como as emoções do outro, para poder realizar o trabalho. Em cada interação, devemos observar e respeitar certas regras de sentimento que ditam o tipo de emoção necessária e apropriada para essa interação. O trabalho emocional será feito exatamente para que a pessoa possa cumprir essas regras de sentimento, por exemplo, muitas vezes você precisa sorrir, mesmo quando não está com vontade”, explicou.
Em seguida, a pesquisadora do Claves/ENSP, Cristiane Andrade, falou sobre a pesquisa da qual participou sobre o trabalho, a violência e as emoções dos profissionais de Saúde durante a pandemia, realizada com base em cerca de 50 notícias veiculadas na mídia entre 2019 e 2020. Os resultados do estudo revelaram um aumento das demandas de Cuidado em Saúde. “Nesse processo de trabalho, vimos várias contradições, uma delas foi a ausência de políticas de enfrentamento à pandemia e um cenário de negacionismo da ciência”, frisou.
A pesquisa também constatou a precarização do Sistema de Saúde. “A redução de investimentos no SUS impactou as condições de trabalho e a própria organização do trabalho nesse sistema que busca atender essas pessoas que vão adoecendo pela Covid-19”, explicou.
A primeira violência sofrida pelos profissionais da Saúde no período analisado, segundo Cristiane, foi o próprio adoecimento e morte desses profissionais, uma vez que a prevenção era possível. Outro ponto observado a partir da pesquisa foi a dificuldade de acesso a tratamento e realização de exames para a Covid-19, por parte dos profissionais da área. Segundo Cristiane, os profissionais de Saúde sofrem violência estrutural, uma vez que o Estado não lhes oferece condições dignas de Saúde e direitos.
“Outro aspecto relacionado à violência no trabalho foi uma questão contraditória, que surgiu em todo o mundo, como as trabalhadoras de Saúde sendo consideradas heroínas”, destacou. Para Cristiane, o estigma de heroínas é uma violência a essas profissionais de Saúde, pois, a medida em que elas são colocadas como pessoas que conseguem vencer a guerra, são desconsiderados fatores como suas condições de trabalho, adoecimento e morte. “Por isso, fazemos esse questionamento, mostrando que elas não são heroínas, mas, sim, trabalhadoras. E, como tal, precisam dessa proteção à vida e à saúde. Todas essas condições de trabalho impactaram nas emoções dessas profissionais”, concluiu.
Assista abaixo à transmissão completa do Ceensp Violências no trabalho de cuidado e emoções - perspectivas interseccionais:
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