Busca do site
menu

SUS e o projeto civilizatório: ‘Cadernos’ de junho analisa cenários, alternativas e propostas

ícone facebook
Publicado em:09/06/2021

“O SUS precisa ser defendido como nosso orgulho, portador de esperança. A saúde coletiva brasileira, herdeira da saúde pública de Oswaldo Cruz, promotora do capítulo da saúde da constituinte que estabeleceu que no Brasil “saúde é direito de todos e dever do Estado”, compareceu ao 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde para dizer que está de pé e pronta para reconstruir”. A fala esperançosa e assertiva compõe o editorial da revista Cadernos de Saúde Pública de junho.


O editorial, de autoria de Rosana Teresa Onocko-Campos e Oswaldo Yoshimi Tanaka, aborda o 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, ocorrido de 22 a 26 de março, em plataforma virtual.  Na abertura, a conferência "Desigualdades e Pandemia: Que Democracia é Necessária para um Projeto Efetivamente Includente?", de Jurema Werneck, estimulou o ativismo social e político. “Essa provocação marcou o tom de um congresso que se nos apresentou vivo, aguerrido e caloroso, contrariando a temida suspeita de frieza pelo seu formato virtual. Foi difícil tomar a decisão de realizar um congresso inteiramente virtual, o primeiro nesta modalidade desenvolvido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)”, disseram os editorialistas.


Dentre os eixos temáticos do congresso, o de Planejamento, Gestão e Avaliação em Saúde recebeu proporcionalmente o maior número de trabalhos (197) e os de Relações Federativas e Regionalização da Saúde e Política Científica, Tecnológica e de Inovação o menor número, com 36 resumos cada. No meio, ficaram outros eixos importantes como Política, Gestão e Atenção Hospitalar (57) e Sistemas e Redes de Atenção (48), só para exemplificar como a produção da área é vasta, mas se distribui desigualmente, o que - talvez, segundo eles, - merece um estudo mais detalhado das relações entre estímulo à produção científica, formação de novos grupos de pesquisa e demandas prementes do SUS e da sociedade brasileira.


A variedade de temas: (1) Estado, políticas sociais e de saúde; (2) Política, gestão e redes de atenção no Brasil; (3) Trabalho e Educação em saúde: cenários e alternativas; (4) Democracia e participação social; (5) Vacina e vacinação como política: desafios em tempo de pandemia; (6) Protagonismo das ciências sociais e humanas em saúde na compreensão e enfrentamento de epidemias e da pandemia da Covid-19; (7) Crise institucional e judicialização das relações federativas no Brasil: impasses e perspectivas; (8) Construindo uma agenda para o campo “Política, gestão e atenção hospitalar no SUS”; (9) Economia política do financiamento da saúde no Brasil: alternativas ao neofascismo e ultraneoliberalismo; (10) Prospecções no enfrentamento da COVID-19 no Brasil; (11) Cenário internacional e resposta dos países no enfrentamento da pandemia de COVID-19; (12) Reflexões sobre privatização, SUS e o mercado da saúde; (13) Abordagens e dispositivos de intervenção na gestão e produção do cuidado; (14) Planejamento, avaliação e gestão na conjuntura atual: o que temos na bagagem e o que precisamos inventar; (15) Pesquisa, desenvolvimento e inovação e saúde; e (16) Frente pela vida: o Brasil precisa do SUS.


O pensador italiano Franco Berardi ofereceu uma conferência sobre "O Enigma do Beijo: O Distanciamento Pandêmico na Evolução Psíquica do Gênero Humano", em que provocou os participantes a refletir sobre as redes de afetividade no contemporâneo e as marcas subjetivas que serão deixadas pela longa pandemia.


A pandemia e a situação dramática do Brasil no contexto internacional foram o pano de fundo e atravessaram todas as mesas e grandes debates. O congresso foi realizado enquanto a humanidade (e o Brasil em particular) sofre os efeitos das tentativas de acabar com o que resta do estado de bem-estar social e se depara com a premente necessidade de defender perspectivas efetivamente democráticas.


Os dois grandes debates colocaram aos congressistas perguntas disparadoras. No primeiro, Sonia Fleury e Renato Lessa refletiram sobre a questão “Há futuro para a democracia no Brasil?”; e no segundo, Joice Berth, Christian Dunker e Cida Bento discorreram sobre a provocação: “É possível sonhar uma sociabilidade sem infâmia no Brasil pós- pandemia?”.


A área de PP&G faz - e sempre fez parte - do tripé disciplinar que sustenta a Saúde Coletiva. O 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde pôde apresentar à população brasileira que estamos de pé, para defender o direito à saúde conquistado na Constituição de 1988.


No congresso, foi possível pensar alternativas para a saúde da população no contexto da pior crise sanitária, ambiental, política e econômica da história brasileira. Houve propostas de enfrentamento ao descaso e à desorganização do poder público, em um contexto de imenso sofrimento, luto e dor que a população brasileira está vivendo.


Pensando a PP&G como área de pesquisa e de produção de conhecimento, o congresso mostrou que temos construído um campo indutor de práticas e serviços, que se desenvolve entrelaçando a produção científica em um processo reflexivo sobre os entraves, os desafios atuais e as soluções factíveis para o fortalecimento do sistema de saúde brasileiro. A produção de conhecimento em PP&G é primordialmente aplicada e engajada em defesa da saúde como direito.


Houve a instituição do Prêmio Hesio Cordeiro para destacar, dentre as 326 comunicações coordenadas, 30 menções honrosas nos eixos: Desafios do SUS (11 menções); Alternativas de implementação (9 menções); e Propostas de mudança de estratégias para o futuro próximo (10 menções).


O congresso permitiu reconectar saúde com democracia, saúde com desenvolvimento sustentável, saúde com políticas para diminuir a exclusão, a discriminação e o preconceito. Durante o evento, foi possível defender estratégias direcionadas a assegurar o direito universal à saúde e a superação das relações sociais predatórias.


Os trabalhos apresentados e os temas debatidos nas mesas-redondas e nas oficinas pré-congresso identificaram estratégias políticas e recursos técnicos com potencialidade para interferir na organização das agendas governamentais e dos movimentos sociais (as atividades do congresso estão disponíveis em https://www.youtube.com/watch?v=e2astT6xSqQ&list=PLWGsEtFn0h_KU_eZq5LArSHF8z99V_gPv).


No espaço temático deste mês, está o artigo Questões éticas em ensaios clínicos controlados com placebo, de vacinas contra Covid-19, de Ana Cecilia Amado Xavier de Oliveira e Francisco José Roma Paumgartten, pesquisadores da ENSP. Segundo eles, sempre que houver intervenções terapêuticas ou profiláticas eficazes e seguras para Covid-19, o uso de placebos em vez de comparadores ativos em ensaios clínicos randomizados é uma questão ética delicada.


O artigo observa que no exercício da profissão, o médico compromete-se moralmente a oferecer aos seus pacientes as intervenções terapêuticas ou profiláticas que considerem melhores. Quando os médicos são investigadores clínicos e designam pacientes aleatoriamente para receber tratamentos de teste ou comparadores inativos (placebo) - se houver intervenções terapêuticas ou profiláticas eficazes - eles quebram seu compromisso profissional e juramento hipocrático ("a saúde do meu paciente será minha primeira consideração") . Além disso, a oferta de placebos quando há medicamentos ou vacinas eficazes viola o princípio do equilíbrio (“estado de equilíbrio”), que muitos médicos acreditam ser um requisito essencial para processar eticamente os ensaios randomizados. Este princípio afirma que os médicos / pesquisadores devem estar em um estado de incerteza genuína sobre os méritos relativos (eficácia / segurança) das intervenções alternativas que estão sendo testadas.


Os autores argumentam que, como investigadores clínicos, os médicos estão cientes de que - mesmo que existam tratamentos eficazes para uma condição em estudo - por razões científicas, o uso de um comparador inativo pode ter vantagens metodológicas. Não surpreendentemente, o uso de placebo em estudos randomizados é um assunto controverso. As versões atualizadas dos códigos internacionais de ética médica afirmam explicitamente que comparadores inativos e / ou nenhuma intervenção são aceitáveis ??apenas se (1) não houver intervenção comprovadamente eficaz para a condição sob investigação, (2) não tratar apresenta riscos desprezíveis para os participantes, (3) existem razões metodológicas convincentes para o uso de placebo, e não tratar não implica em risco de dano sério aos participantes.


Vacinação de receptores de placebo após análise final


Para eles, a maneira mais fácil de resolver as incertezas sobre a duração da proteção e da segurança em longo prazo é continuar os estudos controlados com placebo além do tempo em que o número alvo de participantes infectados é atingido para a análise final. Caso contrário, os pesquisadores devem confiar em grandes estudos de campo observacionais da eficácia da vacina.


De acordo com o artigo, as vacinas Pfizer-BioNtech e Moderna Covid-19 (baseadas em m-RNA) foram anunciadas como sendo 90-95% eficazes na fase 3 e ambas as empresas reconheceram sua obrigação ética de oferecer vacinas eficazes "o mais rápido possível" para aqueles que tinham sido receptores de placebo em seus estudos. Obviamente, o cumprimento dessa inquestionável obrigação ética implica na perda de dados de acompanhamento sobre eficácia e segurança em longo prazo, conforme explicado anteriormente. Além disso, devido à escassez de vacinas para atender ao plano de imunização dos Estados Unidos, os receptores de placebo receberiam a vacina mesmo quando não tivessem sido priorizados para vacinação fora do ensaio, diminuindo os ganhos de equidade em saúde do plano de imunização.


O artigo relata que as vacinas Covid-19 AstraZeneca (vetor viral, não replicante) e CoronaVac (vírus inativado), cujos ensaios de fase 3 ocorreram no Brasil, provaram ser seguras e eficazes e estão planejadas para serem entregues em breve para uso pelo Programa Nacional de Imunizações do Brasil ( PNI). Em contraste com o ensaio da vacina da Pfizer, os ensaios brasileiros de fase 3 da AstraZeneca e CoronaVac envolveram apenas profissionais de saúde (Identificadores: NCT04456595, NCT04536051. (http://www.ClinicalTrials.gov, acessado em 10 / jan / 2021), que pertencem ao topo grupo prioritário para a vacinação Covid-19 de acordo com o plano de imunização do país anunciado. No entanto, até onde sabemos, nenhuma das equipes de pesquisa de vacinas informou se os receptores de placebo em seus ensaios receberão a vacina ativa antes da conclusão do acompanhamento planejado de 12 meses após a vacinação final.


Até 11 de janeiro de 2021, segundo o artigo, a Organização Mundial da Saúde lista 172 vacinas candidatas Covid-19 em estágios pré-clínicos e 63 em estágios de desenvolvimento clínico. Algumas vacinas em estágio mais avançado de desenvolvimento clínico têm se mostrado, recentemente, seguras e eficazes em RCTs (estudo clínico randomizado) controlados por placebo. “Este cenário de desenvolvimento de vacina sugere que mais vacinas candidatas Covid-19 devem entrar na fase 3 de testes nos próximos meses. Para ser ético, outros estudos randomizados devem designar os participantes a braços de controle ativo (vacinas eficazes), e não a braços de controle com placebo”.

Os demais artigos do fascículo de junho de Cadernos de Saúde Pública estão aqui.




Fonte: Cadernos de Saúde Pública

Nenhum comentário para: SUS e o projeto civilizatório: ‘Cadernos’ de junho analisa cenários, alternativas e propostas