5 fatores que explicam por que as escolas não deveriam ser reabertas no Rio de Janeiro
Por Danielle Monteiro
“Lugar de criança é na escola”. Há décadas conhecida pela importância de tirar crianças das ruas, das drogas e do trabalho escravo, essa frase tem gerado uma série de discussões em tempos de pandemia. A ausência de aulas presenciais, por um longo e indeterminado tempo, pode causar forte impacto na saúde mental dos alunos e no cotidiano de toda a família. No entanto, a reabertura de escolas pode trazer graves prejuízos para o controle da disseminação do novo coronavírus, principalmente em cidades com elevada ocorrência de casos. De fato, a decisão acerca do retorno das atividades escolares não é nada simples.
Não à toa, tanto a prefeitura como o Estado do Rio de Janeiro ainda não chegaram a um consenso a respeito. Nesta semana, o prefeito limitou a retomada das atividades nas escolas particulares a apenas turmas de 4º, 5º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, a partir de 3 de agosto. Já as unidades de ensino da Rede Municipal ainda não têm previsão de reabertura. Em contrapartida, o governo do Estado publicou recentemente um decreto que mantém suspensas as aulas presenciais das redes de ensino estadual, municipal e privada.
O momento é de indecisão e estabelece a grande dúvida: É realmente chegada a hora de reabrir as escolas no Rio de Janeiro? Segundo o pesquisador da ENSP, André Périssé, ainda não. Entenda o porquê:
1. Elevado nível de circulação do vírus
O primeiro fator indicativo de que ainda não é o momento de retorno das atividades escolares no Rio de Janeiro é o elevado patamar de circulação do vírus no estado. A constatação é baseada no número de casos de Síndrome Gripal Aguda Grave (SRAG), importante indicador para a circulação de vírus respiratórios nas diversas regiões do Brasil. Somente no mês de julho, o Rio de Janeiro registrou 4.396 mil casos de hospitalizações por SRAG, conforme dados do Sivep-Gripe. “Por mais que existam leitos à disposição, o número de casos ainda é muito maior do que qualquer série histórica que já tivemos”, alerta Périssé. Apesar da queda de casos de SRAG no final de junho, os números ainda são elevados no estado. Segundo dados do Boletim Infogripe da Fiocruz, referente à semana de 12 a 18 de julho, os números voltaram a subir.
Tão preocupante quanto a retomada do crescimento no número de hospitalizações pela síndrome é o acumulado de casos e óbitos por Covid-19 no Rio de Janeiro. O estado ocupa o segundo lugar no ranking dos que apresentam maior ocorrência de casos e mortes no país, segundo a atualização diária do Ministério da Saúde.
Outro indicativo da falta de controle da circulação do vírus no estado é o surgimento de novos casos em alguns municípios onde houve retorno das atividades econômicas, conforme revela o próprio Painel da prefeitura. “Há indícios de que a fase 4 de flexibilização das atividades nem deveria ter começado, pois nem todos os seus indicadores foram alcançados. Os países que retomaram as atividades voltaram com as aulas de forma escalonada, cerca de dois a três meses depois das paradas iniciais e em um patamar de controle muito melhor do que o nosso”, atenta o pesquisador.
Mas qual seria o patamar ideal de controle da circulação do novo coronavírus para a retomada das atividades escolares? “Há várias discussões no mundo, e, infelizmente, ainda não sabemos o quão baixo é suficiente para voltarmos com as aulas presenciais e começarmos a fazer o monitoramento”, responde Périssé. Isso porque algumas cidades no exterior apresentaram surtos em escolas, enquanto outras não registraram nem um caso novo. A diferença, segundo o pesquisador, é que aqueles locais, ao contrário do Rio de Janeiro, estavam em um momento mais favorável da pandemia: “Embora o sistema de saúde já seja capaz de lidar com isso, temos níveis de circulação ainda muito acima do esperado no estado”.
De acordo com o pesquisador, antes de ser tomada uma decisão a respeito, é preciso observar as experiências onde houve o retorno das aulas presenciais e, caso se opte pela reabertura das escolas, fazer o devido monitoramento de casos. “As experiências lá fora ainda estão em andamento. O que elas têm mostrado é que, nos casos de surtos, o procedimento pode variar. Em algumas situações, foi fechada uma turma. Em outras, toda a escola”, observa.
2. Deficiência de vigilância epidemiológica
Na luta contra a disseminação do novo coronavírus, existe um personagem fundamental: a vigilância epidemiológica. É ela que faz a busca ativa de casos para a detecção precoce de pessoas infectadas e a tomada de medidas preventivas na contenção da circulação do vírus.
Nesse quesito, municípios do Rio de Janeiro, a exemplo da própria capital, têm sofrido sérias limitações. “Com a recente reestruturação do atendimento oferecido pela Atenção Básica, principal promotora da vigilância ativa, a cidade sofreu redução de 20% na cobertura, além da falta de abastecimento das unidades de saúde e de insumos necessários à rotina de trabalho”, lembra Périssé.
Diante disso, fica a pergunta: A vigilância epidemiológica do Rio de Janeiro daria conta de fazer o monitoramento de casos surgidos a partir da reabertura das escolas? “A Atenção Básica mais próxima de territórios, que poderia realizar essa função, foi muito reduzida. E quem faz a vigilância de escolas tanto públicas como privadas é o sistema público de saúde. A capacidade atual da vigilância talvez não esteja à altura para poder segurar esse retorno”, responde o pesquisador.
3. Aumento da mobilidade urbana
Volta às aulas é sinônimo de mais gente na rua. E quanto mais pessoas estão fora de casa, maior é a frequência em transportes coletivos e a circulação de ônibus de escolas privadas e públicas. Um estudo da Rede de Pesquisa Solidária revelou que a política de redução da frota, adotada nas regiões periféricas de São Paulo e Rio de Janeiro durante a epidemia, elevou em até 80% o trânsito de pessoas nas estações de ônibus e metrô.
“A situação é preocupante, pois é sabido que a mobilidade urbana é um fator importante de difusão da doença”, afirma Périssé. Um estudo liderado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que, assim como os hospitais, o transporte público é onde há maior risco de contágio pelo novo coronavírus.
Em um estado onde residem 600 mil adultos e idosos que sofrem de condições crônicas e dividem o espaço com pessoas em idade escolar, conforme divulgado na plataforma MonitoraCovid-19 da Fiocruz, aumentar a mobilidade urbana pode, de fato, ser bem arriscado.
4. Falta de infraestrutura das escolas
Quase dois milhões de alunos estudam em unidades de educação pública sem acesso à água limpa, segundo dados do Censo Escolar de 2019. No Rio de Janeiro, não são poucas as escolas nessa situação. Além disso, muitas delas carecem de falta de espaço já bem antes da pandemia. No estado, a rede pública tem 40% dos colégios em tempo integral.
Soma-se a isso, a escassez de orçamento próprio para a adequação ao ‘novo normal’. “Nesse caso, as escolas públicas, em geral, estão em piores condições, em comparação com as privadas. Vale ainda lembrar que o grupo de escolas privadas não é homogêneo. Nele, tem as capazes de se estruturar bem e as que não possuem espaço físico e ventilação necessária. Estamos falando de escolas privadas que também estão em periferias e não têm nenhuma condição de retornar”, destaca Périssé.
5. Dúvidas sobre transmissão entre crianças e adolescentes
Enquanto as estatísticas indicam que crianças e adolescentes parecem estar mais protegidos contra a Covid-19, alguns estudos recentes mostram justamente o contrário. Um deles, realizado por pesquisadores sul-coreanos e publicado em 16 de julho pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, mostrou que crianças entre 10 e 19 anos podem ser tão vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus quanto os adultos.
Há, ainda, pesquisas que apontam o oposto, como o artigo publicado no Pediatrics, periódico científico da Associação Americana de Pediatria. Segundo a publicação, crianças transmitem e se infectam menos com o coronavírus, sendo os adultos os responsáveis por elevar a curva de contágio, devido ao não cumprimento dos protocolos de segurança.
“Os países que retomaram as aulas ainda estão enfrentando dúvidas sobre a transmissibilidade por parte de crianças mais novas e mais velhas. Não se sabe ainda se a escola é um fator de determinação de doenças na comunidade, pois esses países acabaram sofrendo algum surto nas escolas, mas ainda não houve uma retomada importante do número de casos”, explica Périssé.
“É importante enfatizar que esses países voltaram em um momento diferente do nosso, com doença controlada e boa estrutura de vigilância epidemiológica. Se tivéssemos essa capacidade, estaríamos mais seguros quanto a esse retorno”, reafirma o pesquisador.
Seja qual for a decisão, o debate não compete somente à área da Saúde, defende Périssé: “Essa deve ser uma discussão coletiva, com participação de outras áreas como Educação e Fazenda, e também individualizada, pois cada escola está dentro de um território com suas particularidades”.
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