Pesquisa da ENSP aborda o uso da força policial sob a ótica da violência e saúde

O conteúdo da fala desse paciente, explica Marcelle, expunha seu medo de ser punido, o que, muitas vezes, implica ser preso e/ou perder o emprego, ou de morrer por uma decisão que o levasse ou a exceder no uso de sua força policial militar ou a se omitir diante da urgência de algo que deveria ser feito por meio desse mesmo uso. “Sua preocupação se justificava pela Polícia Militar ter a função ostensiva.” Ou seja, elucida a psicóloga, essa fala está nas esquinas das cidades identificada, equipada e autorizada a usar a força para manter a ordem pública, fazendo com que os policiais, em seu cotidiano, sejam demandados a atuar numa grande variedade de acontecimentos que requerem intervenções imediatas para fazer cessar algum tipo de desordem ou conflito. “Tal entendimento conduz à perspectiva de que a atividade policial está amparada na possibilidade do uso da força.”
Então, aponta Marcelle, o abuso de força policial acaba sendo individualizado na figura do sujeito policial, normalmente visto como despreparado, desvalorizado e estressado. “Não que tudo isso não contribua de maneira essencial para os excessos cometidos por policiais, mas esses não podem ser explicados unicamente por tais argumentos, senão como parte de uma dinâmica que envolve as instituições policiais e que se insere na monopolização da violência supostamente legítima, constitutiva do Estado Moderno.” Por isso, admite-se que o uso da violência revela-se parte inerente da atividade policial, uma vez que, por meio de sua monopolização pelo Estado, a polícia está autorizada ao uso da coação, numa tentativa de instauração da paz na vida social. Nessa busca por restringir a aplicação da força pelo Estado de direito, disse a aluna, acabou-se por autorizar seu exercício residual à polícia, tornando-a o único meio de violência legal capaz de responder prontamente às diferentes demandas no espaço público. Ela destaca que as sociedades democráticas instituem as polícias como seu aparato coercitivo e, para tanto, delegam à instituição o uso da violência para a manutenção da ordem. “A justificação do uso ilegítimo da força pela polícia tem como raiz a ideia de que somente a força pode conter a ameaça do crime.”
Segundo Marcelle, diante do material bibliográfico encontrado pela pesquisa, vê-se que a perspectiva da violência como intrínseca ao ofício policial é ofuscada pela sua vertente de abuso e excesso, contribuindo para a incompreensão acerca do exercício da violência autorizada pelo Estado como inerente ao trabalho policial militar. “A ênfase na violência policial em situações de conflitos armados e combate ao crime massifica a imagem da polícia como violadora dos direitos humanos, desconsidera a relação da força com as atividades de manutenção da ordem e aumenta a distância entre polícia e sociedade.”
A dissertação de Marcelle Braga Barbosa objetivou articular as noções de constituição do Estado, monopolização da violência e polícia por meio de referenciais teóricos acerca dos estudos sobre a polícia, além de discutir sobre a polícia militar no Brasil e a institucionalização do excesso de violência policial no período entre 1980 e 2015. Ela é especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública pela Universidade Estácio de Sá (2013), e em Psicanálise e Saúde Mental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2012). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (2007).
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