Pesquisa analisa desigualdades no acesso aos transplantes
O Brasil tem, atualmente, o maior programa público de transplantes do mundo, com financiamento gratuito de 95% de suas atividades transplantadoras pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os outros 5% da atividade de transplantes são financiados pelos planos de saúde privados ou pelo paciente, o que é mais raro. Esse quadro se deve à evolução do Sistema Nacional de Transplantes (SNT/MS) nesses últimos anos, aponta Sonia Maria Marinho de Souza, aluna do doutorado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva da ENSP, cuja tese foi orientada pelo pesquisador Fermin Roland Schramm. O estudo foi desenhado para testar a hipótese de que há desigualdades na alocação de um rim para transplante, de acordo com a posse ou não de um plano de saúde privado. O acesso a um órgão para transplante é um direito de todos que sofrem de Insuficiência Renal Crônica Terminal (IRCT), sendo todos os procedimentos custeados pelo SUS, como previstos nos princípios da universalidade e a integralidade dos cuidados em saúde. "Se os candidatos a transplante, por um lado, são iguais na necessidade de obter um rim para transplante, pois seus rins já não funcionam mais, por outro lado, são completamente desiguais, pois suas formas de inserção na sociedade são diferentes". As desigualdades regionais, de gênero, de raça/etnia e, sobretudo, desigualdades socioeconômicas são os motivos, apontados pelos especialistas, que impedem a igualdade de oportunidade no acesso a esse tratamento.
Segundo Sonia, ao aplicar os conceitos da bioética da proteção, todos os que vivem com IRCT estão vulneráveis, mas alguns são mais suscetíveis do que outros, pois não dispõem de meios para exigir seus direitos e tentar superar as barreiras de acesso ao sistema de transplante, isto é, não são 'empoderados'. De acordo com a bioética, se o transplante de rim é considerado o melhor tratamento para quem vive com IRCT, essa tecnologia médica deveria ser ofertada em igualdade de oportunidade a todos que dela necessitam.
Conforme as últimas estatísticas, disponibilizadas pelo SNT/MS, foram realizados 7.694 transplantes de órgãos sólidos no Brasil, sendo 5.409 transplantes de rim, equivalendo a 70,3% do total de transplantes de órgãos realizados em 2014.
A Doença Renal Crônica (DRC) é um problema de saúde pública relevante que surge como consequência de outras doenças muito frequentes na população brasileira – o diabetes mellitus e a hipertensão arterial. O quadro clínico de muitos dos que sofrem de DRC pode evoluir para uma Insuficiência Renal Crônica Terminal (IRCT), caso o tratamento conservador das funções renais não tenha o efeito esperado, e, assim, é recomendado o transplante de rim como uma das opções de Terapia Renal Substitutiva (TRS).
Conforme a pesquisa, os planos de saúde privados são obrigados a cobrir os transplantes de rim, córnea e medula óssea, desde a edição da Lei 9.656/98, também denominada Lei da Saúde Suplementar. Desde a promulgação da lei, os beneficiários não são impedidos de utilizar o SUS, mas, quando isso ocorrer, os valores gastos deverão ser ressarcidos pelas operadoras, e a organização do sistema de “ressarcimento ao SUS” é de responsabilidade da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Essa lei dos planos de saúde visou organizar o mercado privado de saúde, obrigando a cobertura de todas as enfermidades constantes na Classificação Internacional das Doenças (CID10).
Segundo Sonia, no Brasil existem, atualmente, cerca de 48 milhões de beneficiários de planos de saúde privados, o que permite a esses beneficiários terem direito tanto aos serviços públicos como aos serviços privados de saúde; por isso, foi investigado se o princípio de equidade não estaria comprometido criando desigualdades no acesso às Terapias Renais Substitutivas (TRS) e, em especial, ao transplante de rim (Tx de rim). “De fato, possuir um plano de saúde pode dar vantagens tanto para a inscrição no cadastro nacional técnico de receptores de rim (CTR), como a ter acesso a todos os exames e cuidados em saúde que possibilitam ao doente renal crônico permanecer com status ativo nesse cadastro”, concluiu a aluna.
Sonia Maria Marinho de Souza é graduada em Nutrição pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1982), com Residência Multiprofissional em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz (1984), Mestrado em Nutrição Humana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1987), Especialização em Epidemiologia (1995) pela Université Libre de Bruxelles (ULB), Bélgica. Trabalhou em diversos projetos de saúde da Organização Humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Brasil e na África e, na área de ensino e pesquisa, no Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia da Bélgica. Atualmente, trabalha como epidemiologista no cargo de especialista em regulação da saúde suplementar, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no Rio de Janeiro.
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