'A melhor forma de combater o preconceito é se fazer presente'
"Nós, indígenas, chegamos à universidade com inúmeras pretensões, mas, ao ingressarmos, deparamo-nos com as expectativas da academia. Outra questão, que vai muito além do acesso, consiste na permanência (na academia) e construção de um diálogo eficaz com o indígena universitário". Na visão do cientista social e indígena da etnia Tuxá, Felipe Sotto Maior, a temática da educação superior para os índios é pautada por esses dois eixos. O palestrante, presente no último (25/11) dia do Seminário Internacional Direito e Saúde, do Dihs/ENSP, participou da mesa que abordou a educação superior como novo espaço de luta da população indígena.
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As expectativas as quais Felipe Sotto Maior se referiu, no começo de sua exposição, dizem respeito às formas de legitimidade e reconhecimento da cultura indígena. Na opinião do cientista social, os índios foram obrigados a aprender a “linguagem da ciência” para serem ouvidos pelos “brancos”; por isso a busca pela academia.
“Conhecimento é poder. E as diferentes formas conhecimento não são legitimadas. Isso demonstra o interesse indígena pela faculdade, pois apenas o ‘poder do papel’ e da ciência têm autenticidade. Por isso a luta para desenvolvermos a escrita, por exemplo. Foi preciso que igualássemos nosso conhecimento ao dos brancos para dialogarmos. A universidade, então, ocupa esse espaço de luta pelo poder e empoderamento dos povos”, admitiu.
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"Não queremos benevolência"
Seguindo essa linha de pensamento, o representante da etnia Tuxá afirmou que os indígenas fizeram questão de lutar pelo acesso, já que, no imaginário da sociedade como um todo, o verdadeiro lugar do índio ainda é nas aldeias e nas florestas, ou seja, distante das grandes cidades e das universidades. “Sabíamos que não seria fácil entrar na universidade. Se estamos aqui hoje, não é porque a academia foi benevolente, mas, sim, pela nossa luta. Não queremos benevolência, queremos ser reconhecidos como sujeitos que têm direito não só de ocupar esse espaço, mas de falar desse lugar também. A melhor forma de combater o preconceito é se fazer presente”.
Atualmente, segundo o presidente da ABA, o país possui um contingente populacional de 896 mil indígenas (0,4% da população total). Desse total, estima-se cerca de 10 mil a 15 mil alunos indígenas no ensino superior (o Ministério da Educação, de acordo com Antônio Carlos, nunca produziu relatórios sobre a quantidade de indígenas no ensino privado). Ele também revelou que existem 26 cursos de licenciatura intercultural funcionando no Brasil, mas que poucos estão integralmente institucionalizados. A demanda maior se dá nas regiões onde há conflitos pela posse das terras, como no Mato Grosso do Sul e na região Nordeste. “Muitas inciativas estão paradas no momento, principalmente pela crise financeira. Quando o dinheiro se esgota, os povos indígenas são afetados muito antes”, criticou.
O racismo contra os indígenas, a falta de reconhecimento da sua cultura e a interferência "dos brancos", sobretudo no que diz respeito à posse das terras, afetam a saúde da população indígena, principalmente a saúde mental. Na mesa Saúde mental indígena: medicalizando questões étnicas, os psicólogos Edinaldo Rodrigues, da Sesai/PE e indígena da etnia Xukuru, e Maria de Betania Garcia Chaves, da prefeitura de Angra dos Reis, Unidade Básica de Saúde da aldeia indígena de Bracuí, discorreram sobre os temas que provocam o adoecimento mental nas comunidades.
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"O próprio processo de colonização, que foi marcado pela opressão e exclusão dos povos, interfere no adoecimento mental dos indígenas. Desigualdade social, perda de vínculos culturais, exploração de saberes, perda de identidade, desagregação de saberes e valores tradicionais (retirada à força de índios de suas terras e comunidades) levam à violência, ao suicídio, ao uso abusivo de álcool e outras drogas”, revelou Edinaldo, que se referiu às formas de violência física e psicológica e à Política de Atenção Integral à Saúde Mental das Populações Indígenas.
"É preciso legitimar outras formas de conhecimento"
Maria de Betania fez questão de ressaltar o quanto a terra está atrelada à saúde indígena. Ela, que iniciou o trabalho na aldeia indígena de Bracuí na década de 90, foi convocada por ‘não-indígenas’ para observar o alcoolismo na comunidade. "Naquela ocasião, quando perguntei o que precisavam, a resposta imediata dos indígenas foi a terra. Justamente porque não havia a demarcação. Não ouvi dos indígenas que o problema que acometia a comunidade era o álcool. Essa era a visão dos juruá (não indígena)".
!['A melhor forma de combater o preconceito é se fazer presente'](http://informe.ensp.fiocruz.br/assets/editor/images/MAria_bethania_dihs.jpg)
Paulo Amarante, coordenador da mesa, reiterou a importância da discussão: “Medicalização não é somente a prescrição de medicamentos. É tornar médico aquilo que nem sempre tem explicação. Relaciona-se com o paradigma racionalista que nega as outras formas de conhecimento. Nossa resistência, aqui nesse seminário, reconhece as possibilidades de as próprias culturas, com seus recursos, tratarem seus problemas. A ausência de problema é ausência de vida”.
As coordenadoras do evento Maria Helena Barros e Regina Erthal agradeceram a cada participante e destacaram a escolha do tema Direitos Humanos e Povos Indígenas para marcar o novo departamento da ENSP de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural.
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