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Discriminação é impasse para o direito humano à água

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Publicado em:30/06/2015
Filipe Leonel

Reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010, o direito humano à água e ao esgotamento sanitário ainda é um marco relativamente recente, mas traz uma perspectiva inovadora ao buscar o empoderamento das populações e novas obrigações para governos e prestadores de serviço. A conclusão é do relator especial sobre o direito humano à água potável e esgotamento sanitário do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e pesquisador da Fiocruz Minas, Léo Heller, palestrante do DSSA Debate do dia 26/6 – que encerrou as atividades do mês do Meio Ambiente da ENSP. Sobre a crise hídrica do país, o relator, cujo cargo busca “zelar” pelo acesso a esses direitos, reforçou o pensamento de sua antecessora: “a crise não é culpa de São Pedro, mas, sim, da falta de planejamento. As mudanças climáticas são relativamente imprevisíveis, mas é possível traçar um planejamento levando esses determinantes em conta”, realçou. 

Discriminação é impasse para o direito humano à água
 
O direito humano à água e ao saneamento determina que todos devem ter água e esgoto disponíveis, seja física e financeiramente acessível, aceitável e de qualidade para todos sem qualquer tipo de discriminação. Também obriga os Estados a eliminar de forma progressiva as desigualdades de acesso tanto à água como ao esgoto – desigualdades entre populações nas zonas rurais ou urbanas, formais ou informais, ricas ou pobres. 
 
O debate que norteou a criação do direito à água, segundo seu relator, perdurou por mais de 15 anos, até que, em 2010, 122 países votaram a favor da resolução de compromisso redigida pela Bolívia; enquanto 41 outros se abstiveram. O texto declara que o direito a uma água potável própria e de qualidade e a instalações sanitárias é um direito do homem, indispensável para o pleno gozo do direito à vida. “É um marco normativo recente. O período de cinco anos ainda é relativamente pequeno para entender o que significa essa conquista, traduzi-la em práticas e definir o que seria uma violação. Mas todas essas questões vão ficando mais claras com o tempo”, afirmou Heller.
 
Além dos cinco princípios que regem o direito humano à água (disponibilidade, aceitabilidade, acessibilidade física, acessibilidade econômica e qualidade), Leo Heller enalteceu a importância de garantir e “fiscalizar” os direitos aplicados a todos os princípios da humanidade, com ênfase na igualdade e não discriminação. “São dois fundamentos centrais e muito aplicados no acesso à agua e ao esgotamento”, disse. 
 
Discriminação é impasse para o direito humano à água“A discriminação é crucial no que diz respeito à água. Se você mora na zona rural do nordeste e é analfabeto, a chance de ‘ter’ agua é cem vezes menor do que aquele que mora em uma capital do sudeste, que é branco, alfabetizado e pertence à família cujo chefe é homem. Há um padrão discriminatório no acesso; aplicar o princípio da igualdade e da não discriminação é uma arma poderosa”. 
 
Fiocruz deve expandir pesquisas sobre o campo

Ainda no tocante ao acesso, um marco importante do direito à água e ao esgotamento é o da realização progressiva – cuja determinação não prevê retrocesso na obtenção do recurso. "Nesse ponto, é importante examinarmos a crise no sudeste. Há fortes evidências de retrocesso no acesso à água, além da discriminação. A redução do abastecimento e a própria forma de gestão da crise contribuem para isso: quem tem dinheiro compra um caminhão, fura um poço; os pobres tem problemas”.
 
O pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou destacou novamente a possibilidade de a política nortear a postura de governos e cidadãos, e lembrou que há países em que o judiciário já começa a deferir sentenças que incorporam o direito à água e ao esgotamento no caso de cortes por falta de pagamento, qualidade e acesso ao bem natural. 
 
Em relação ao Brasil e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), Heller revelou que o país cumpriu a meta estabelecida de reduzir pela metade a proporção da população sem acesso permanente e sustentável à água potável e ao esgotamento sanitário até 2015. Agora, na opinião do relator da ONU, o desafio é garantir o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que guiarão o desenvolvimento global na Agenda Pós-2015. No total, são 17 objetivos e 169 metas sobre questões de desenvolvimento sustentável. O ODS6 dispõe sobre a garantia de disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos. “Os ODS trazem metas ousadas de universalização da água, além de acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção às mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade. A transversalidade das metas trarão efeito benéfico à população”.
 
Por fim, Heller afirmou desejar que o campo do direito humano à água venha a se expandir dentro da Fundação Oswaldo Cruz. O diretor da ENSP, Hermano Castro, coordenador da mesa, enalteceu a janela de oportunidades que se abrem a partir da palestra do relator da ONU. Ele enalteceu as ações do departamento de Saneamento da ENSP nessa área e lembrou que a criação do Departamento de Direitos Humanos e Saúde pode desenvolver pesquisas no campo. “Léo, espero que a Escola te dê muito trabalho”, aspirou.

O DSSA Debate é promovido pelo Departamento de Saneamento Samuel Pessoa da ENSP, coordenado pela pesquisadora Clementina Feltman.

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