Ribeirinhos de Rio Madeira (RO) estão sob maior risco de exposição ao mercúrio

O estudo analisou crianças e adolescentes em três comunidades em Rondônia, na área de influência do rio Madeira, e os biomarcadores de exposição em ribeirinhos se mostraram elevados, o que representa maior risco de alterações no desenvolvimento cognitivos dessas crianças e adolescentes. O Hg na região amazônica é um problema ambiental que pode influenciar a saúde dos habitantes da localidade. Seja de origem natural ou passivo dos garimpos de ouro das últimas décadas, ele deve ser monitorado, permitindo um acompanhamento dos níveis no ambiente e na saúde da população.
O foco desta pesquisa foram populações ribeirinhas infantojuvenis localizadas no rio Madeira, em Rondônia. Das três comunidades estudadas – Belmont (ribeirinha urbano), Nacional (urbana) e Cuniã (ribeirinha isolada) –, a última foi a que apresentou os mais elevados níveis de contaminação por Hg. O estudo, desenvolvido pelo aluno de mestrado em Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP, Leandro Vargas Barreto de Carvalho, demonstrou que os níveis de Hg no sangue e no cabelo desses moradores da comunidade Cuniã estão acima dos valores de referência da Organização Mundial de Saúde (OMS) para populações não expostas ambientalmente ao mercúrio.
O aluno comentou que a região amazônica possui atualmente grandes empreendimentos na área de produção e geração de energia hidrelétrica. O rio Madeira conta com duas usinas: Santo Antônio e Jirau – que estão em construção, e suas instalações ficam próximas a capital do estado, Porto Velho. Estas obras têm impactos positivos, como geração de empregos, renda e energia, mas há também impactos socioambientais e na saúde que podem alterar a qualidade de vida e o perfil de morbimortalidade do povo local.
Conforme já mencionado, a região amazônica possui solos naturalmente ricos em Hg, no entanto, a construção de lagos para hidrelétricas e o alagamento de grandes áreas por barragens pode mobilizá-lo, aumentando a disponibilidade deste metal nos sistemas aquáticos em sua forma orgânica mais tóxica: o metilmercúrio (MeHg). Essa substância é biomagnificada na cadeia alimentar atingindo maiores concentrações em peixes carnívoros, sendo esses a principal fonte de proteína de comunidades ribeirinhas.
O seu trabalho - intitulado Avaliação dos níveis de estresse oxidativo induzido por exposição ao mercúrio em população ribeirinha infantojuvenil do Rio Madeira (RO) e orientado pela pesquisadora do Departamento de Endemias Samuel Pessoa da ENSP, Sandra de Souza Hacon -, evidenciou que a comunidade ribeirinha isolada de Cuniã tem maiores níveis de mercúrio em sangue (Hg-S) e mercúrio em cabelo (Hg-C), quando comparados com comunidades urbanas, da cidade de Porto Velho (RO). “Os níveis de Hg aumentaram conforme aumentou a frequência de consumo de peixes, possivelmente contaminados com esse metal”, detalhou Leandro.
A exposição ao mercúrio leva à alterações metabólicas que desencadeiam o processo conhecido como estresse oxidativo, que é um resultado do desequilíbrio entre o sistema pró e antioxidante, com predomínio dos oxidantes, gerando dano celular. Este dano está relacionado ao aparecimento de diversos tipos de doenças neurodegenerativas, do coração, disfunções cognitivas e câncer”, ressaltou o aluno.

Leandro, que integra o Laboratório de Toxicologia do Centro de Estudo em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP (Cesteh), comentou que a proposta desta pesquisa foi chamar atenção para os desdobramentos sobre a saúde humana e ambiental que os grandes empreendimentos podem trazer. “Hidrelétricas são uma fonte de energia limpa e renovável, mas o nosso modelo de desenvolvimento faz com que estes grandes projetos sejam concebidos e executados de uma forma incompleta, onde riscos à saúde humana e ambiental não sejam adequadamente dimensionados em etapas de planejamento”, alertou.
O trabalho do aluno faz parte do projeto Inova ENSP 2013-2015 Avaliação de Impacto à Saúde: A construção de uma ferramenta para a gestão socioambiental de projetos de desenvolvimento na Amazônia. Para seu desenvolvimento, selecionou-se como alvo crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, devido ao fato de ser um grupo pouco estudado e com maior impacto sobre a saúde quando exposto ao metilmercúrio (MeHg).
A pesquisa contou com a colaboração das Secretarias de Saúde e Educação de Porto Velho, que aceitaram o desenvolvimento do estudo nas escolas selecionadas e, posteriormente, com seus professores. O trabalho contou ainda com a participação do Laboratório de Absorção Atômica da PUC-Rio, nas análises de Hg em sangue e cabelo.
O foco na população infantojuvenil se deu porque, segundo Leandro, crianças e adolescentes apresentam um metabolismo diferenciado de adultos. “Sua vulnerabilidade a exposições ambientais é aumentada em situações em que questões sociais estão envolvidas, como é o caso dos ribeirinhos. Estes tendem a nascer e crescer numa mesma região, com dietas baseadas em peixes como principal fonte proteica, que podem estar contaminados com Hg. A saúde e educação nestas regiões é fraca. Com isso, problemas de saúde relacionados às exposições ambientais e seus desdobramentos no desenvolvimento e aprendizado infantil são de difícil detecção.
Com seu trabalho, Leandro defendeu que comunidades ribeirinhas isoladas estão sob maior risco de exposição ao mercúrio, consequentemente, têm maiores riscos de alterações no desenvolvimento cognitivo. “O Ministério da Saúde não tem um programa de vigilância voltado para estas populações. E este trabalho mostra a importância do desenvolvimento de estratégias políticas que contemplem questões de saúde ambiental e saúde infantil locais, como programas de monitoramento da exposição”, justificou ele.
*Foto de capa: Agência Pública
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