Experiências mundiais de saúde abrem pré-congresso
Tatiane Vargas
“Sem o Sistema Único de Saúde, viveríamos atualmente uma barbárie social.” Assim afirmou o coordenador do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags/Unasul) e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, no painel Construindo sistemas universais de saúde – relato de experiências, realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), em parceria com a Associação Latino-Americana de Medicina Social (Alames), durante o 2° Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, iniciado na terça-feira (1º/10), em Belo Horizonte. O painel, coordenado pelo ex-diretor da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) José Noronha, apresentou, na prática, o que vem ocorrendo nos sistemas de saúde mundiais, por meio de exemplos do Brasil, Colômbia, Venezuela e Europa.
Para falar sobre a crise financeira europeia e os sistemas de saúde, a pesquisadora da ENSP Lígia Giovanella trouxe a experiência de três países – Espanha, Reino Unido (Inglaterra) e Alemanha. Contextualizando a crise, ela explicou que os países da União Europeia se defrontaram com uma importante crise econômica, comparável à crise de 1930, na qual os governos europeus socorreram seu sistema financeiro com fundos públicos. No setor da saúde, de acordo com Lígia, só houve o alcance da universalidade a partir da constituição de sistemas nacionais de saúde financiados publicamente como um dos pilares dos diversos regimes de welfare dos países europeus.
Alemanha, Reino Unido (Inglaterra) e Espanha foram apontados pela pesquisadora como três casos exemplares de países europeus com sistemas de saúde universais que estão submetidos a constrangimentos econômicos de diferentes intensidades e apresentam distintas conformações da proteção social em saúde e do sistema de saúde. Por fim, Lígia apresentou tendências da reforma de saúde dos três países e suas características. Atenção primária tradicionalmente forte foi apontada como tendência na Inglaterra. O Serviço Nacional de Saúde do país tem acesso universal e gratuito para todos os cidadãos e residentes, com financiamento predominantemente público (83%).
Na Espanha, o Sistema Nacional de Saúde (SNS) foi criado em 1986, após o período ditatorial, e possui acesso universal e gratuito para todos os cidadãos e residentes, com custeio em grande parte público (74%). Na Alemanha, o Seguro Social de Doença, como é chamado, cobre 89% da população e é financiado solidária e paritariamente por trabalhadores e empregados, mediante taxas de contribuições sociais proporcionais aos salários, com sustento majoritariamente público (77%).
Brasil: 70% da população depende exclusivamente do SUS
Apresentando a experiência brasileira do Sistema Único de Saúde (SUS), o coordenador do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags/Unasul) e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, contextualizou a reforma sanitária brasileira e a criação do SUS em um momento de luta política, mobilização e ideário claro e objetivo: unificação, democratização, universalização e mudanças estruturais na sociedade, vinculadas diretamente com a determinação social da saúde.
”Sem o SUS, viveríamos atualmente uma barbárie social”, afirmou o ex-ministro sobre a reforma sanitária. Em seguida, Temporão citou que 70% da população brasileira depende exclusivamente do SUS – cerca de 150 milhões de pessoas – para seus cuidados de saúde. Os outros 30% possuem cobertura privada, mas também utilizam o SUS em serviços como transplantes, medicação de alto custo, atendimentos de emergência, vacinas, tratamento para Aids, entre outros serviços. Cerca de 50% dos transplantes de órgãos no Brasil são feitos pelo SUS.
Como conquistas dos 25 anos de existência do SUS, Temporão mencionou a construção da Política Nacional de Imunização – o Brasil é o maior produtor no mundo de imunobiológicos; o Programa de Saúde da Família, que hoje cobre mais de 100 milhões de pessoas; o Programa Nacional de DST/Aids; a Política Nacional de Controle do Tabagismo – o país tem a menor população de fumantes no mundo, e os índices de tabagismo caíram de 34% para 15% nos últimos anos; a reforma psiquiátrica e a Política Nacional de Humanização; a queda da mortalidade por doenças crônicas, que diminuiu 10% nos últimos anos; entre muitas outras conquistas. “Os percalços enfrentados ao longo dessa caminhada tornaram possível o SUS que temos hoje”, considerou Temporão.
Por fim o ex-ministro disse que, apesar das conquistas, ainda há muitos desafios. Entre eles, um SUS que não seja apenas para pobres, e sim para todos, como foi pensado em sua criação. “O SUS é um sucesso como macroestratégia para impactar os indicadores sanitários, mas, apesar dos incontestes e importantes avanços na atenção individual, a avaliação da população só piora: acesso, qualidade, tempo de espera, desumanização, descoordenação, essas são algumas das críticas ao SUS. Um reflexo disso é que, em dez anos, a cobertura do setor suplementar aumentou de 20% para 30% da população. SUS universal, equânime, financiado com recursos públicos e para todos, ou fortalecimento progressivo do setor privado de planos e seguros sustentado nos gastos tributários e no discurso da inexistência da capacidade do Estado em financiar o SUS universal e integral. Qual desses projetos prevalecerá?" Com essa questão, o ex-ministro encerrou sua apresentação.
Experiências latinas de saúde: os casos da Colômbia e Venezuela
Apresentando experiências latino-americanas de sistemas de saúde, o painel contou com a presença do coordenador da Associação Latino-Americana de Medicina Social (Alames), Oscar Feo, e da professora da Universidade Pontifícia Javeriana, de Cali (Colômbia), Yadira Eugenia Borrero, também membro da Alames. A professora debateu alguns pontos principais: os antecedentes da reforma de saúde na Colômbia, a exigibilidade jurídica e a importância de ações coletivas e da participação de movimentos sociais.
Como antecedentes, Yadira apontou os processos de reforma do Estado e da política social, a implementação da reforma em saúde e as evidências empíricas de mal-estar social. Ela comentou alguns efeitos da reforma da saúde para a Colômbia e ressaltou que “não basta apenas uma reforma estrutural dos sistemas de saúde para que haja processos sociais fortes de organização e movimentação”.
Encerrando o painel, Oscar Feo apresentou a experiência da Venezuela. Após um breve comentário sobre a construção do sistema de saúde do país, ele mencionou que a historia recente venezuelana está dividida em antes e depois de 1998. "Antes desse ano, o quadro era um sistema de saúde fragmentado, centrado na doença, que caminhava a passos largos para a privatização da saúde", admitiu.
Após 1998, segundo o palestrante, entrou em cena a gratuidade dos serviços e iniciou-se o processo de construção coletiva de uma nova Constituição, por meio da Assembleia Nacional Constituinte. Nesse momento, a saúde foi incorporada à Constituição como direito universal, com intuito de satisfazer as necessidades de saúde dos venezuelanos. Oscar Feo também apontou as dificuldades ao longo desse processo, como a integração do sistema previdenciário com o Ministério da Saúde venezuelano, entre outras. Por fim, o coordenador da Alames destacou que “a Venezuela construiu seu sistema de saúde com a solidariedade brasileira e, hoje, é exemplo para todo o continente”.
“Sem o Sistema Único de Saúde, viveríamos atualmente uma barbárie social.” Assim afirmou o coordenador do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags/Unasul) e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, no painel Construindo sistemas universais de saúde – relato de experiências, realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), em parceria com a Associação Latino-Americana de Medicina Social (Alames), durante o 2° Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, iniciado na terça-feira (1º/10), em Belo Horizonte. O painel, coordenado pelo ex-diretor da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) José Noronha, apresentou, na prática, o que vem ocorrendo nos sistemas de saúde mundiais, por meio de exemplos do Brasil, Colômbia, Venezuela e Europa.
Para falar sobre a crise financeira europeia e os sistemas de saúde, a pesquisadora da ENSP Lígia Giovanella trouxe a experiência de três países – Espanha, Reino Unido (Inglaterra) e Alemanha. Contextualizando a crise, ela explicou que os países da União Europeia se defrontaram com uma importante crise econômica, comparável à crise de 1930, na qual os governos europeus socorreram seu sistema financeiro com fundos públicos. No setor da saúde, de acordo com Lígia, só houve o alcance da universalidade a partir da constituição de sistemas nacionais de saúde financiados publicamente como um dos pilares dos diversos regimes de welfare dos países europeus.
Alemanha, Reino Unido (Inglaterra) e Espanha foram apontados pela pesquisadora como três casos exemplares de países europeus com sistemas de saúde universais que estão submetidos a constrangimentos econômicos de diferentes intensidades e apresentam distintas conformações da proteção social em saúde e do sistema de saúde. Por fim, Lígia apresentou tendências da reforma de saúde dos três países e suas características. Atenção primária tradicionalmente forte foi apontada como tendência na Inglaterra. O Serviço Nacional de Saúde do país tem acesso universal e gratuito para todos os cidadãos e residentes, com financiamento predominantemente público (83%).
Na Espanha, o Sistema Nacional de Saúde (SNS) foi criado em 1986, após o período ditatorial, e possui acesso universal e gratuito para todos os cidadãos e residentes, com custeio em grande parte público (74%). Na Alemanha, o Seguro Social de Doença, como é chamado, cobre 89% da população e é financiado solidária e paritariamente por trabalhadores e empregados, mediante taxas de contribuições sociais proporcionais aos salários, com sustento majoritariamente público (77%).
Brasil: 70% da população depende exclusivamente do SUS
Apresentando a experiência brasileira do Sistema Único de Saúde (SUS), o coordenador do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags/Unasul) e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, contextualizou a reforma sanitária brasileira e a criação do SUS em um momento de luta política, mobilização e ideário claro e objetivo: unificação, democratização, universalização e mudanças estruturais na sociedade, vinculadas diretamente com a determinação social da saúde.
”Sem o SUS, viveríamos atualmente uma barbárie social”, afirmou o ex-ministro sobre a reforma sanitária. Em seguida, Temporão citou que 70% da população brasileira depende exclusivamente do SUS – cerca de 150 milhões de pessoas – para seus cuidados de saúde. Os outros 30% possuem cobertura privada, mas também utilizam o SUS em serviços como transplantes, medicação de alto custo, atendimentos de emergência, vacinas, tratamento para Aids, entre outros serviços. Cerca de 50% dos transplantes de órgãos no Brasil são feitos pelo SUS.
Como conquistas dos 25 anos de existência do SUS, Temporão mencionou a construção da Política Nacional de Imunização – o Brasil é o maior produtor no mundo de imunobiológicos; o Programa de Saúde da Família, que hoje cobre mais de 100 milhões de pessoas; o Programa Nacional de DST/Aids; a Política Nacional de Controle do Tabagismo – o país tem a menor população de fumantes no mundo, e os índices de tabagismo caíram de 34% para 15% nos últimos anos; a reforma psiquiátrica e a Política Nacional de Humanização; a queda da mortalidade por doenças crônicas, que diminuiu 10% nos últimos anos; entre muitas outras conquistas. “Os percalços enfrentados ao longo dessa caminhada tornaram possível o SUS que temos hoje”, considerou Temporão.
Por fim o ex-ministro disse que, apesar das conquistas, ainda há muitos desafios. Entre eles, um SUS que não seja apenas para pobres, e sim para todos, como foi pensado em sua criação. “O SUS é um sucesso como macroestratégia para impactar os indicadores sanitários, mas, apesar dos incontestes e importantes avanços na atenção individual, a avaliação da população só piora: acesso, qualidade, tempo de espera, desumanização, descoordenação, essas são algumas das críticas ao SUS. Um reflexo disso é que, em dez anos, a cobertura do setor suplementar aumentou de 20% para 30% da população. SUS universal, equânime, financiado com recursos públicos e para todos, ou fortalecimento progressivo do setor privado de planos e seguros sustentado nos gastos tributários e no discurso da inexistência da capacidade do Estado em financiar o SUS universal e integral. Qual desses projetos prevalecerá?" Com essa questão, o ex-ministro encerrou sua apresentação.
Experiências latinas de saúde: os casos da Colômbia e Venezuela
Apresentando experiências latino-americanas de sistemas de saúde, o painel contou com a presença do coordenador da Associação Latino-Americana de Medicina Social (Alames), Oscar Feo, e da professora da Universidade Pontifícia Javeriana, de Cali (Colômbia), Yadira Eugenia Borrero, também membro da Alames. A professora debateu alguns pontos principais: os antecedentes da reforma de saúde na Colômbia, a exigibilidade jurídica e a importância de ações coletivas e da participação de movimentos sociais.
Como antecedentes, Yadira apontou os processos de reforma do Estado e da política social, a implementação da reforma em saúde e as evidências empíricas de mal-estar social. Ela comentou alguns efeitos da reforma da saúde para a Colômbia e ressaltou que “não basta apenas uma reforma estrutural dos sistemas de saúde para que haja processos sociais fortes de organização e movimentação”.
Encerrando o painel, Oscar Feo apresentou a experiência da Venezuela. Após um breve comentário sobre a construção do sistema de saúde do país, ele mencionou que a historia recente venezuelana está dividida em antes e depois de 1998. "Antes desse ano, o quadro era um sistema de saúde fragmentado, centrado na doença, que caminhava a passos largos para a privatização da saúde", admitiu.
Após 1998, segundo o palestrante, entrou em cena a gratuidade dos serviços e iniciou-se o processo de construção coletiva de uma nova Constituição, por meio da Assembleia Nacional Constituinte. Nesse momento, a saúde foi incorporada à Constituição como direito universal, com intuito de satisfazer as necessidades de saúde dos venezuelanos. Oscar Feo também apontou as dificuldades ao longo desse processo, como a integração do sistema previdenciário com o Ministério da Saúde venezuelano, entre outras. Por fim, o coordenador da Alames destacou que “a Venezuela construiu seu sistema de saúde com a solidariedade brasileira e, hoje, é exemplo para todo o continente”.
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