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Nutels: ações descentralizadas e transversais

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Publicado em:03/05/2013

Nutels: ações descentralizadas e transversaisOs aspectos culturais e sociais do controle da tuberculose em áreas indígenas foram discutidos no encerramento do seminário Epidemiologia, sanitarismo, povos indígenas e controle da tuberculose: a atualidade da agenda de Noel Nutels, em comemoração ao centenário do médico sanitarista. Durante as apresentações, o mediador da última mesa e pesquisador da ENSP, Carlos Coimbra, afirmou que Nutels foi uma figura incrível para a saúde brasileira, capaz de pensar, já em 1950, em um serviço de saúde antes nunca pensado. Além disso, “ele estruturava suas ações da população para a política, de baixo para cima, como hoje não somos capazes de realizar”, apontou. O áudio das apresentações feitas pela pesquisadora do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia) Luiza Garnelo e o historiador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) Carlos Henrique Paiva está disponível na Biblioteca Multimídia da ENSP.

Iniciando as apresentações da última mesa, Luiza Garnelo trouxe reflexões, segundo ela, ainda bastante incipientes sobre o processo de avaliação da Rede de Atenção Básica do Brasil – um trabalho nacional que está em curso no país. Ela comentou que a parte da pesquisa de campo já foi realizada e, em grande medida, suas reflexões sobre a saúde indígena tem a ver com a interface dos sistemas de saúde que estão sendo avaliados.


“Por que não conseguimos obter sucesso na luta contra essas velhas endemias, como a tuberculose e a malária?”, questionou Luiza. Para ela, há alguma coisa que faz o sistema de saúde tropeçar e não alcançar de fato o controle em um nível desejável. “Há ações, existe efetividade dessas ações, mas não se chega ao nível desejável talvez pela complexidade das relações que temos no país”, apontou.

Sobre a questão da avaliação da Rede de Atenção Básica brasileira, Luiza destacou que foi encontrada uma persistente centralização das ações no plano municipal. De acordo com ela, para o sistema oficial existem várias unidade que fazem o controle da tuberculose. Mas, na verdade, não é isso o que ocorre.

“Ao mesmo tempo que damos um passo para frente com a institucionalização da descentralização no programa, infelizmente temos de lidar com a realidade da centralização municipal. Sem dúvida existem exceções, mas, de maneira geral, foi isso o que encontramos nos nossos trabalhos de campo”. Ela ressaltou ainda que essas são informações de vivência, de trabalho de campo, pois os dados ainda não estão tabulados e não foram analisados. “O que vínhamos observando nos trabalhos, teses e dissertações dos nossos alunos em escala pequena, foi possível confirmar, agora nessa avaliação nacional”, encerrou.

O historiador Carlos Henrique Paiva apresentou relatos históricos do Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (Susa) e sua relação com o combate à tuberculose no sertão do Brasil. Esse programa, instituído oficialmente em 1956, mas já realizado informalmente desde 1952, foi dirigido por Noel Nutels e teve como foco a população indígena e as populações não indígenas isoladas. Segundo Paiva, a perspectiva do programa era missionária e salvacionista.

“Deve-se destacar que o Susa foi um programa de sucesso, pois contou com o empreendedorismo e, principalmente, a articulada e forte rede social de Nutels”, disse Paiva. De acordo com ele, o cientista era uma pessoa de muitos contatos e amigos em diferentes áreas. Portanto, com sua influência, conseguia chegar aonde políticas não enxergavam, articular ações, adiantar decisões e conseguir equipamentos para exames etc. Entre os seus amigos estavam pessoas da arte, da literatura, da saúde, da política e outros, como Lucas Suassuna, Rubem Braga, Gilberto Freyre, Samuel Wainer e Di Cavalcanti.

Nutels realizava expedições de vacinação em massa. A primeira delas fora dos grandes centros ocorreu em 1947. Integrante da Expedição Roncador-Xingu, ele estava acostumado a desbravar a selva em aviões teco-teco. “As equipes eram formadas por um clínico-geral, dentista, oftalmologista, operador de raio-X, laboratorista e auxiliares. Nos primeiros seis meses de trabalho, foram realizados  mais de 33 mil atendimentos em 17 localidades pelo Norte e Nordeste”, relatou.

Diversas estratégias eram utilizadas para atrair e aproximar a população dessas localidades afastadas ao serviço de saúde,  como bandas de forró e maracatu, além do desenvolvimento de literatura de cordel em sintonia com iniciativas de educação sanitária elaboradas pelo SUS.

Alguns versos do livro de cordel Fera invisível ou Triste fim de uma trapezista que sofria de pulmão, de autoria do escritor João José da Silva, deixam clara essa estratégia: ‘O que foi tuberculoso ainda tem bom trato/ ninguém use o que ele usa/ não coma nada em seu prato/ nem beba na sua xícara/ e nem queira o seu contato. Também é bem perigoso/ Sentir a respiração/ Deve evitar sua fala/ com certa aproximação/ Porque o bafo da boca traz os germes do pulmão (...)/ Quem quiser a sua chapa/ Procure o serviço do SUSA/ Seja radiografado/ Porque sua chapa acusa/ Se está bom ou doente/ E lá ninguém se recusa’.

Finalizando as apresentações do seminário, o mediador da mesa, Carlos Coimbra, ressaltou que Nutels foi uma figura incrível para a saúde brasileira. “Ele tinha um otimismo sanitário que fascinava muitas pessoas e soube usá-lo para realizar suas ações. Nutels foi capaz de pensar, já em 1950, em um serviço de saúde quando ninguém ainda pensava. Ele estruturava ações da população para a política, de baixo para cima, como hoje não somos capazes de realizar. A visão e o trabalho do cientista daquela época está de acordo com toda a nossa crítica do discurso moderno, no sentido de derrubar com a verticalização de cima para baixo. Ele fez há seis décadas, e nós ainda conseguimos alcançar”, comentou.



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