Novos rumos da saúde pautam Abrascão 2012
O primeiro grande debate do 10º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2012) abordou a Situação de saúde no Brasil hoje: desafios e perspectivas. Para falar sobre o tema, a mesa, coordenada pelo presidente da Abrasco, Luiz Facchini, contou com a participação da pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudo de Violência e Saúde Jorge Carelli Cecília Minayo, do professor da Universidade Federal de Pelotas (RS) Cesar Victora, e do secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa. Durante a exposição, os palestrantes apontaram as mudanças no cenário da saúde no Brasil nas últimas décadas e os rumos que precisam ser seguidos para continuar mudando gradativamente o panorama da saúde no país.
Iniciando o debate, o representante da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), Jarbas Barbosa, apresentou algumas características importantes da situação de saúde e seus desafios. De acordo com ele, existem algumas condições relevantes que mudaram o panorama da saúde no país, como a acelerada transição demográfica, a transição epidemiológica (mudança no perfil de mortalidade, porém as doenças transmissíveis continuam tendo grande peso) e os Determinantes Sociais da Saúde. “Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apontam que boa parte da população não tem acesso à coleta de lixo, rede de esgoto e rede de água – não com regularidade. O analfabetismo ainda atinge cerca de 13 milhões de brasileiros. No Nordeste, encontra-se a pior situação: aproximadamente 35% das pessoas com mais de 50 anos são analfabetas”, expôs.
No âmbito dos processos de mudança que dizem respeito à saúde, Jarbas usou como exemplo o caso da dengue. A doença, segundo ele, há algumas décadas, era rara e totalmente ocasional. Mudanças de comportamento e nas condições sociais fizeram a doença passar para outro patamar, que a coloca atualmente com possibilidades de controle limitadas. “Muitas outras doenças mudaram o comportamento nas últimas décadas, o que desafia a saúde”, destacou. O representante da SVS utilizou dados para citar a complexidade do cenário saúde. Nos últimos anos, o déficit de altura caiu significativamente, de 29,3% para 7,2% em meninos (meninas estão percentualmente iguais). O excesso de peso por sua vez aumentou significativamente na população de 5 a 9 anos, de 11% para 35%. Isso de deve às mudanças de comportamento na alimentação.
Com relação à mortalidade infantil, dado de extrema importância para o país segundo o secretário, a mudança foi bastante positiva. No período de 1990 a 2011, a redução foi de 47% para 15% por mil nascidos vivos. A redução da mortalidade materna também alcançou êxito: no mesmo período, caiu de 140% para 70%. “O esforço para mudar drasticamente os números de mortalidade infantil e materna se deve à integração de todas as etapas do círculo de maternidade da mulher; só assim é possível caminhar na direção certa”. Jarbas usou também a tuberculose para apontar mudanças. A incidência da doença teve redução de 3%, e, de 1990 até hoje, a mortalidade caiu em 26%. Ele destacou que a questão da tuberculose está totalmente ligada às populações mais vulneráveis, e as barreiras sociais impedem essas populações de alcançar os serviços, que por sua vez precisam ser mais estratégicos para atingi-las. “As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) têm relação direta com a pobreza."
Por fim, Jarbas Barbosa apontou que vários fatores de risco têm modificado o padrão das DCNT. O índice de tabagismo, por exemplo, é muito maior em adultos com menos de 8 anos de ensino. A realização de atividades físicas e de lazer e o consumo de frutas e hortaliças também são significativamente maiores em pessoas com mais escolaridade. Jarbas expôs ainda que, apesar dos aspectos negativos, os positivos se destacam. As DCNT, por exemplo, tiveram redução de 1,9% ao ano na comparação com as mortes cardiovasculares. Para ele, isso é importante e se deve a processos de intervenção efetiva e de baixo custo, que podem provocar mudanças no cenário. “Os indicadores melhoraram, mas onde queremos e podemos chegar? Algumas desigualdades sociais e regionais persistem, mas boa parte das piores diminuiu. Temos novos desafios, e o maior deles é universalizar as ações efetivas e garantir a qualidade da atenção”, concluiu.
Os Objetivos do Milênio
Dando prosseguimento à discussão sobre os desafios e perspectivas da saúde no país, o professor da Universidade de Pelotas (RS) Cesar Victora abordou os Objetivos do Milênio (ODM) e os objetivos para depois de 2015. Cesar, antes de entrar nos objetivos, citou cinco artigos publicados na série Lancet sobre a saúde no Brasil. O professor destacou alguns aspectos publicados nos artigos. O primeiro deles foi sobre os avanços do SUS e os gastos em saúde. “É fato que 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil são gastos em saúde, o que demonstra claramente que o Sistema Único de Saúde é ótimo. Porém, está subfinanciado”. Na área da saúde materno infantil, a erradicação da diarreia foi um grande avanço para a diminuição da mortalidade infantil. De acordo com ele, o acesso aos serviços melhorou muito em dez anos. Passamos de 70% para 100% dos partos realizados em hospitais, apontando que, atualmente, pessoas menos favorecidas têm total acesso ao parto no hospital.
Sobre nutrição, Cesar destacou que 60% dos pobres tinham déficit de estatura, hoje apenas 10% possuem. No que diz respeito às DCNT, para ele, dengue e leishmaniose visceral – doenças infecciosas – são os maiores desafios. O professor alertou para as quedas nas doenças cardiovasculares e respiratórias e a diminuição do tabagismo. Por fim, antes de falar sobre os ODM, Cesar abordou a questão da violência. Segundo ele, os homicídios e os acidentes de trânsito (com exceção de motos, que atualmente enfrentam uma epidemia) também diminuíram. “A violência doméstica, por sua vez, cresceu muito e é preciso enxergá-la como um problema de saúde pública no Brasil.”
Entrando na temática dos Objetivos do Milênio - no total, são oito objetivos: acabar com a fome e a miséria; educação básica de qualidade para todos; igualdade entre sexos e valorização da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde das gestantes; combater a Aids, a malária e outras doenças; qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e todo o mundo trabalhando pelo desenvolvimento -, Cesar destacou três objetos: reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde das gestantes; combater a Aids, a malária e outras doenças. Por fim, Victora destacou que é preciso ter expectativa de vida, mas com saúde. “Aumentar nossa expectativa de vida não significa que estamos vivendo melhor. Em 1930, nossa expectativa era de 30 anos; em 1950, aumentou para 50 anos. Hoje, temos expectativa de 73 anos. Um dos maiores desafios pós os ODM que enfrentamos é a questão da vigilância e a integração saúde e desenvolvimento”, apontou.
Demografia e saúde
Finalizando o debate Situação de saúde no Brasil hoje: desafios e perspectivas, a pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudo de Violência e Saúde Jorge Carelli Cecília Minayo iniciou sua fala citando a questão da demografia e da violência. Cecília destacou que o estilo e as condições de vida são questões fundamentais para atingir qualquer objetivo e ressaltou ainda que, em todas as regiões do Brasil, houve aumento da expectativa de vida. Isso de deve ao aumento da longevidade e à redução da mortalidade infantil. A mudança no papel econômico da mulher e sua inclusão na sociedade também foram aspectos citados pela pesquisadora. Em seguida, Cecília apontou as mudanças notadas nas faixas extremas (menores de 15 anos e idosos). “O peso relativo dos maiores de 65 anos será crescente, passando de 5,5% em 2000 para 10,7% em 2025, e para 19,4% em 2050. Em 2025, para cada 100 menores de 15 anos, haverá 46 idosos”, apresentou Cecília.
Sobre a questão da violência, Cecília destacou que ela se encontra em situação indefinida. “Será mesmo que a violência doméstica aumentou ou o que cresceu foi o número de notificações?”, questionou ela. Para a pesquisadora, existe muito machismo embutido na questão da violência. Cecília citou também a pesquisa Perfil do Suicídio de Idosos no Brasil, e destacou que a maioria dos idosos que cometem suicídio são homens – cerca de 50 para cada 10 mulheres. Ela expôs ainda que cerca de 60% dos idosos hoje trabalham e 12% possuem múltiplas dependências.
“O desafio para a saúde pública em relação aos idosos é oferecer serviço e benefício que lhes permitam uma vida digna e ativa, o que depende especialmente da solidez das políticas de seguridade social”, afirmou. Por fim, a ex-editora da revista Ciência e Saúde Coletiva ressaltou que a maioria dos atuais e futuros problemas de saúde tem a ver com modo e estilo de vida e, sobretudo, com o fato das permanentes desigualdades sociais. “É preciso aprofundar o debate entre funcionalidades e criação de capacidades e a dialética entre sujeito e coletividade.”
(Fotos: Tatiane Vargas - CCI/ENSP)
Abrasco 2012