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Campo da Paleoparasitologia cresce no país

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Publicado em:09/11/2012

Criada pelo médico e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Luiz Fernando Rocha Ferreira da Silva, a paleoparasitologia é o ramo das ciências que estuda parasitos, as doenças por eles causadas e que afetaram o homem no passado, suas origens, sua evolução e, em alguns casos, seu desaparecimento ou ressurgimento. Apesar de existir há mais de três décadas, esta vertente científica ainda é desconhecida da maior parte das pessoas. Além disso, ainda hoje, causa estranhamento devido aos seus materiais de estudo um tanto exóticos: excrementos fossilizados – os chamados coprólitos –, corpos mumificados, ossos e tecidos fossilizados de humanos e animais, além de insetos fossilizados e conservados no âmbar.

 

"O que as pessoas não sabem é que esses materiais trazem registros microscópicos que ajudam a entender e identificar como, quando e onde surgiram as doenças, o que é essencial para se pensar em suas formas de prevenção", explica o também médico e pesquisador da ENSP/Fiocruz, coordenador de área de medicina e cientista do Nosso Estado da Faperj, Adauto José Gonçalves de Araújo. "Vale destacar que, de forma simplificada, a paleoparasitologia é um ramo de estudos que associa a medicina à arqueologia", complementa. Ao examinarem os materiais, os pesquisadores procuram os mais variados tipos de parasitos: helmintos (vermes); artrópodes (piolhos, por exemplo); protozoários (entre eles, o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas); bactérias; e, em alguns casos, até vírus. "Ao estudarem a múmia do faraó Ramsés, identificaram, na região da face, cicatrizes sugestivas de varíola. Depois, por microscopia eletrônica, partículas virais de varíola foram identificadas", conta Araújo.

 

A medicina arqueológica acaba de ganhar reconhecimento da comunidade intelectual brasileira. O livro Fundamentos da Paleoparasitologia, organizado por Silva e Araújo e pelo pesquisador da Universidade de Nebraska, EUA, Karl Jan Reinhard, acaba de ser contemplado com o primeiro lugar na categoria Ciências Naturais do 54º Prêmio Jabuti de Literatura. O Jabuti é o mais tradicional e prestigiado prêmio literário brasileiro, uma distinção que dá aos vencedores a legitimação da elite intelectual brasileira, além do reconhecimento a todos aqueles que trabalham na publicação. "Ao longo de mais de três décadas pesquisando o assunto, já escrevemos vários artigos publicados em revistas e periódicos nacionais e internacionais de todo o mundo. Hoje, há uma rede de pesquisadores na Europa, EUA e América do Sul estudando o tema", explica Araújo. "Mas precisamos ressaltar que a obra, lançada durante as comemorações dos 111 anos da Fiocruz, em maio de 2011, é o primeiro livro em todo o mundo a traçar um panorama histórico da temática. Além disso, ele é uma síntese do que nós e muitos outros pesquisadores fizemos ao longo desses 34 anos de pesquisa", destaca Silva.

 

Araújo recorda que a ideia da paleoparasitologia surgiu baseada nos estudos de Aidan Cockburn, médico escocês que, no final dos anos 1970, migrou para os EUA, onde estudou doenças infecciosas em corpos mumificados para entender a origem das enfermidades. "Na época, eu ainda era um estudante de mestrado e, sob a orientação de Luiz Fernando – que depois me orientou também no doutorado –, defendi minha dissertação em Biologia Parasitária sobre a presença de helmintos em material arqueológico encontrado no Brasil", lembra. Um ano depois, em 1981, Cockburn esteve na Fiocruz a convite de Luiz Fernando Silva.

 

Os testes na época eram feitos exclusivamente com análises microscópicas. No caso dos coprólitos, quando eles estão mineralizados, utilizam-se processos químicos para separar ovos de helmintos e cistos de protozoários, posteriormente identificados por visualização ao microscópio. "Quando o material está mumificado, isto é, preservado organicamente, as opções de estudo aumentam. Nesse caso, além da microscopia, pode-se utilizar a sorologia para detectar proteínas de um determinado parasito, ou mesmo lançar mão da biologia molecular para pesquisar fragmentos do material genético do parasito", explica Silva.

 

Hoje, as modernas técnicas de biologia molecular e análise de DNA aplicadas à paleoparasitologia abriram a possibilidade de um diagnóstico mais preciso e refinado por meio da recuperação de material genético de parasitos, que infectavam populações há milhões de anos. "As modernas técnicas trazem uma oportunidade ímpar para o estudo da evolução ‘ao vivo’, isto é, para a observação de aspectos evolutivos que antes eram totalmente ‘invisíveis’", destaca Araújo. Em outras palavras, um pesquisador da doença de Chagas, por exemplo, pode comparar um T. cruzi que infectou um indivíduo há 7 mil anos com outro da atualidade e com protozoários de períodos intermediários. "Essa comparação pode revelar genes que foram ‘deletados’, que permaneceram ou que sofreram mudanças, sinalizando o caminho evolutivo trilhado por aquele parasito", acrescenta.

 

Outra aplicação da paleoparasitologia é no estudo das migrações, pois a dispersão dos parasitos pelos continentes diz muito sobre a movimentação dos grupos humanos pelos territórios. Seguindo a trilha dos parasitos – que convivem com o homem há muito mais tempo que o senso comum imagina –, os pesquisadores da Fiocruz reuniram uma coleção de resultados significativos sobre o povoamento das Américas. "Nossas pesquisas em paleoparasitologia forneceram a constatação de que nem todo o povoamento das Américas se deu pelo Estreito de Bering, entre a Ásia e a América do Norte. Algumas populações tiveram de vir de barco, o que seria mais adequado para explicar a introdução no continente americano de parasitos que não completam seu ciclo reprodutivo no frio", comenta Araújo.

 

A medicina arqueológica também tem servido ao combate de certos preconceitos científicos que, no início do século XX, também dominavam a literatura científica sobre a origem das doenças e, até hoje, por vezes, perpassam certas teses científicas. No século passado, algumas teses científicas defendiam que muitas das enfermidades, como a doença de Chagas – enfermidade transmitida pelo inseto barbeiro –, haviam chegado às Américas com os escravos africanos. "Um estudo que desenvolvemos com o apoio da Faperj, já descrito no livro, mostra justamente o contrário: a doença já existia nas Américas desde a chegada do homem ao continente, há 26 mil anos. Encontramos registros de T. cruzi – protozoário causador da doença – em corpos mumificados do Vale do Peruaçu, Minas Gerais, datando de cerca de 7 mil anos", destaca Silva.

 

As políticas de controle sanitário vêm sendo reorientadas pela ascensão da paleoparasitologia. Um exemplo é a pesquisa de pós-doutorado, na ENSP, da bióloga da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniela Leles, orientada por Araújo. O projeto teve auxílio do Programa de Apoio ao Pós-Doutorado, uma parceria da Faperj com a Capes. De acordo com a pesquisa, são fortes as evidências científicas de que os parasitos intestinais Ascaris lumbricoides (que normalmente infectam seres humanos) e Ascaris suum (o verme encontrado em porcos) devem se tratar, na verdade, da mesma espécie. "Essa hipótese poderá servir para dar novos rumos às políticas de controle sanitário relacionadas ao contato de humanos e suínos", explica Araújo.

 

Luiz Fernando Silva e Adauto Araújo destacam que, graças ao prêmio Jabuti, a Presidência da Fiocruz já deu autorização para que uma edição, em inglês, seja produzida e publicada. "Em agosto de 2013, pesquisadores de todo o mundo se reunirão no Museu Nacional/UFRJ, onde acontecerá o VIII Congresso Mundial de Estudos sobre Múmias. Assim, a tradução da obra para o inglês será muito importante para dar ainda mais visibilidade à paleoparasitologia, além de despertar o interesse de mais pesquisadores pela área", concluem os pesquisadores.


Fonte: Faperj

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