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Intersetorialidade como princípio de combate ao crack

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Publicado em:07/11/2012

Pra intensificar a cooperação da academia com a gestão pública no que se refere ao enfrentamento dos problemas gerados pelas relações entre juventude, crack e outras drogas e à promoção das condições de vida deste importante segmento da população brasileira, foi realizado, na ENSP, um encontro que discutiu polêmicas, alternativas e políticas públicas na área. O encontro reuniu especialistas e profissionais da academia, da gestão e da sociedade organizada e será transformado em livro, que abordará as mais importantes discussões e apontamentos sobre a temática. O principal consenso deste seminário aponta na direção da intersetorialidade. Segundo os participantes, a questão é polissêmica, multifacetada e multicausal. Portanto, não é possível obter sucesso sem envolver áreas como a segurança pública, assistência social, saúde e outras.

Intersetorialidade como princípio de combate ao crack

O Seminário Juventude, Crack e outras Drogas: Polêmicas, Alternativas e Políticas Públicas contou com quatro mesas de discussão. Duas no período da manhã e duas durante a tarde. A primeira mesa, O Papel das políticas públicas, teve a participação de Pilar Belmonte, da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil (SMSDC/RJ), Thereza de Lamare Franco Netto, da Área de Atenção à Saúde do Adolescente e do Jovem do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde (Asaj/Dapes/SAS/MS), e de Marcelo Rasga, vice-diretor de Escola de Governo da ENSP, como mediador da mesa. A segunda mesa, Cenários atuais e futuros, contou com o cientista político Luiz Eduardo Soares e o pesquisador do Departamento de Ciências Sociais (DCS/ENSP), Nilson do Rosário. O mediador deste debate foi o também pesquisador do DCS/ENSP, José Mendes Ribeiro.

 

A abertura do evento, realizada pelo diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, também contou com a participação de Marcelo Rasga e de Theresa de Lamare Franco Netto. Antônio Ivo comentou que a oportunidade de reunir especialistas em torno de um tema com esta magnitude é sempre estimulante. Além disso, apontou ele, “a Escola tem como característica perseguir e investigar temáticas da maior relevância para a sociedade e para a ciência”. Marcelo Rasga comentou que este seminário acontece no contexto de uma pesquisa, cujo principal objetivo é produzir evidências, reflexões e propostas alternativas para que se possa enfrentar o crack. Segundo ele, um dos grandes problemas atuais da saúde pública. Já para Theresa, este encontro é oportuno, pois propicia que, por meio de políticas públicas, seja possível dar respostas mais adequadas a esse problema social que o país está vivendo.

 

Na primeira apresentação, Pilar Belmonte mostrou dados da distribuição dos serviços de saúde mental divididos por área programática na cidade do Rio de Janeiro e comentou sobre os equipamentos de atendimento existentes, como os Centros de Atenção Psicossociais (Caps II, Caps III, Capsi voltado para crianças e adolescentes, CapsAd de álcool e drogas, entre outros). De acordo com ela, existe enorme dificuldade de encontrar leitos em hospitais gerais e também de conseguir usar os leitos voltados para o serviço de saúde mental da maneira que eles devem ser utilizados, por consequência das grandes exigências e protocolos para utilização impostas pelo próprio estado.

 

De 2009 até hoje, a Estratégia de Saúde da Família avançou muito na cidade do Rio de Janeiro, chegando a 40%. “Há 16 anos, o primeiro Caps foi instalado na cidade e ele cobre apenas 40% da população. Demoramos 16 anos para alcançar o que a ESF alcançou em quatro anos. Com isso, percebemos que nunca respeitamos o número de atendimento ideal, sempre indo muito além do previsto em portaria.  A exorbitância de atendimento nos trouxe consequências, entre elas a saturação do atendimento. Somos porta de entrada, porém não temos porta de saída”. Pilar comentou ainda sobre a polêmica da internação compulsória de adultos.

Segundo ela, a Área Técnica de Saúde Mental do Ministério é terminantemente contra isso. Para tanto, nesta semana, em reunião com diversas autoridades, foi traçado o desenho de um novo modelo de atendimento para esta população. Porém, Pilar ressaltou que ele está longe de ser o desenho ideal pelo qual a área técnica vem batalhando, mas foi o possível agora. “A saúde sozinha não pode, não tem financiamento nem obrigação de responder a toda questão do crack, do uso de álcool e drogas enfrentada pelo país. Ficamos frustrados, mas a ideia é contar com a participação de outros Ministérios”, finalizou ela.
 

Intersetorialidade como princípio de combate ao crack

Thereza de Lamare Franco Netto iniciou sua apresentação explicando que, pela Política Nacional de Juventude, o período considerado juventude ficou definido entre 15 a 29 anos. De acordo com ela, ainda existe uma polêmica em torno disto, mas foi o estabelecido por quase todos os países do mundo. Outro ponto importante no desenvolvimento de políticas públicas para a juventude, mencionado por ela, envolve questões de território e de espaço temporal, ou seja, “é importante reconhecer que o tempo desta faixa etária é diferenciado. Por ainda não ser adulto e ainda estar em formação o seu tempo é maior. Porém, acima de tudo, trabalhar com juventude é trabalhar a intersetorialidade. É inviável querer que a saúde dê conta desta problemática tão complexa e está muito relacionada a questões econômicas e sociais”, afirmou ela.

Ela se posicionou dizendo que a área técnica também não concorda com a internação compulsória, porém ressaltou a importância da proteção de crianças e adolescentes. “Como proteger? Não resolveremos este problema enquanto não entendermos que essas crianças e jovens são sujeitos de direitos e estão em pleno desenvolvimento. Sem isso, não conseguiremos colocar a questão na ordem do dia”, afirmou ela.
 

Na segunda mesa, o tema abordado foi o panorama atual e cenários futuros para a juventude, o crack e outras drogas. O pesquisador da ENSP Nilson do Rosário Costa apresentou dados de seu trabalho sobre a provisão de serviços de saúde mental no Brasil. O estudo trabalha em uma perspectiva comparada entre o Brasil e a Itália – país cujo modelo de reforma psiquiátrica foi referência para o nosso. O pesquisador explicou como funciona e onde nasceu o projeto de saúde mental do Brasil. “É importante salientar o quanto é mobilizador e atrativo o projeto da reforma psiquiátrica no ambiente da saúde pública. Talvez isso seja uma das coisas mais interessantes que essa experiência traz”, disse Nilson. 
 

Segundo ele, a aderência que se tem dessa experiência italiana foi baseada em seu impacto nos outros países. “De modo geral, o modelo europeu teve um foco muito grande na construção de uma estrutura de serviços sociais invejável”, disse. Ele apresentou informações sobre a complexidade da provisão de serviços na Itália e afirmou que a experiência daquele país mostra transtornos ligados ao abuso de substâncias residuais na demanda de serviços, que os serviços para esses usuários foram organizados fora da esfera do “sistema” de saúde mental e a reforma psiquiátrica italiana foi muito favorecida pelo crescimento dos gastos governamentais com saúde na última década.

Intersetorialidade como princípio de combate ao crack

 


Já no Brasil, a reforma psiquiátrica teve como objetivo a redução da provisão de leitos nos hospitais psiquiátricos (a Lei 10.216/2002 não contempla o fechamento dos leitos em hospitais psiquiátricos), o desenvolvimento de novos serviços comunitários e a ausência inicial de uma agenda para expandir a provisão de leitos psiquiátricos em hospital geral. Para 2011, a pesquisa mostrou que a Itália já não apresentava nenhum leito em hospitais psiquiátricos e o Brasil apresentava 13 leitos por 100 mil habitantes. No mesmo ano, a relação de leitos por 100 mil habitante em hospitais gerais era de 10,95 e 0,19, respectivamente para Itália e Brasil. Ainda sobre 2011, a relação de serviços residenciais terapêuticos ficou em 2,75 por 100 mil habitantes na Itália e 0,19 no Brasil. 
 
Segundo Nilson, existe uma militância e forte ativismo da base da reforma psiquiátrica que se esforça para a construção de Caps. “Eles têm grande adesão ao modelo baseado em um princípio ordenador extremamente positivo, mas é importante mostrar os limites do resultado da política, pois é nesse território que vamos transitar. Vale ressaltar que a política de atenção, álcool e drogas já encontra uma estrutura. E essa análise trazida mostra o território em que a política vai operar. Ela pode ser mexida, mas já é um parâmetro”, apontou Nilson. 
 
Finalizando as apresentações da manhã do dia 6 de novembro, o cientista político Luiz Eduardo Soares afirmou que o Brasil precisa enfrentar o crack. “Quando me perguntam se o país está preparado, eu respondo: O Brasil está preparado para responder aos 50 mil homicídios por ano? Acredito que nenhum país esteja preparado para viver o inaceitável e naturalizar o intolerável. Para se preparar, é preciso investir”, avaliou ele.

 

Intersetorialidade como princípio de combate ao crack

 

Sobre a legalização das drogas, ele explicou que é mito acreditar que a legalização irá aumentar de forma exorbitante o consumo. “É impossível impedir o acesso quando há desejos envolvidos aliando oferta e demanda. Não será o fim das drogas. O que queremos saber é em que contexto jurídico e político se dará o debate sobre o acesso que já existe. Com a legalização, o mercado regulará e controlará não apenas o consumo, mas também o tipo de substância que será consumido”.

 

Ele completou lembrando que o tema das drogas está muito mais ligado às questões de saúde pública que às de justiça criminal ou de segurança. “Cremos nisso, pois nem as melhores polícias de todo o mundo conseguiram deter o consumo de drogas em seus países. Os Estados Unidos, por exemplo, já gastaram mais de US$ 1 trilhão na guerra às drogas. Além disso, o tráfico internacional de drogas ilegais movimentou, em 2005, US$ 320 bilhões, valor superior ao PIB de 88% dos países”, considerou Luiz Eduardo.

 

Já as mesas da parte da tarde no Seminário foram <i>Abordagens clínicas e epidemiológicas</i>, com o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Francisco Inácio Pinkusfeld Monteiro Bastos, o pesquisador do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Marcelo Cruz, Leon Garcia, da área técnica de Saúde Mental do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, da Secretaria de Atenção à Saúde (ATSM/Dapes/SAS/MS), e o pesquisador do DCS/ENSP Fernando Manuel Bessa Fernandes como mediador. A quarta e última mesa <i>Desafios para a saúde pública e para o SUS</i> reuniu Paulo Fagundes, do DCS/ENSP, a gestora do Território Escola Manguinhos, Elyne Engstron ,e Ekke Bingerman, da Comissão Brasileira Sobre Drogas e Democracia. A pesquisadora do DCB/ENSP, Aline Inglez, foi a mediadora da mesa.


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