Debate aprofunda discussão sobre trabalho nos canaviais
As relações desumanas de direito, saúde, dignidade e trabalho, sob as quais os trabalhadores do agronegócio da cana-de-açúcar estão submetidos no corte da cana e nas usinas canavieiras, foram expostas durante a sessão científica do Grupo Direitos Humanos e Saúde da ENSP, na quinta-feira (3/5). A atividade marcou o lançamento do documentário Conflito, dirigido por José Roberto Novaes, e comoveu o público pela dura realidade e alta exploração do trabalho, a partir do depoimento da diretora da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), Carlita da Costa. “Por trás da propaganda da ‘energia limpa’ produzida pelo país, há uma situação grave de exploração”, disse Carlita. O áudio do evento está disponível na Biblioteca Multimídia da ENSP.
Antes da exibição do documentário, o cineasta Beto Novaes, que também coordena o Projeto de Educação Através das Imagens na UFRJ, apresentou o cartaz fixado em uma das usinas de cana no final da safra de 2008, que incentivava o aumento da produção dos trabalhadores a partir da oferta de prêmios.
“O trabalhador no corte da cana é pago pela sua produção, ou seja, quanto mais ele corta, mais irá receber. O ‘RH’ da usina os motiva com sorteios de bicicletas, carros, motos e outros bens que levam ao corte de toneladas de cana por dia. Porém, isso traz uma intensificação do trabalho e gera diversos problemas de saúde ao trabalhador. Além do mais, não há uma fiscalização sobre a medição da quantidade de cana cortada na usina. Estima-se que, no roubo dos empresários, são perdidos 30% da produção de cada cortador.”
Ainda de acordo com o cineasta, a turma dos cortadores de cana da região Sudeste é formada por migrantes nordestinos que saem de seus locais com várias promessas da indústria, mas, ao chegarem, se deparam com uma realidade completamente diferente de trabalho e assistência. “Trata-se de um tema polêmico, cujos aspectos formam uma relação complexa na busca de direitos, dignidade e um trabalho decente – coisa que não ocorre no agronegócio da cana. Isso não tem visibilidade na sociedade.”
Energia limpa?
Após a exibição do filme, que registra - com o auxílio de imagens produzidas pelos próprios trabalhadores em seus celulares - a paralisação feita por 400 cortadores de uma grande usina paulista indignados com suas condições de trabalho, Carlita da Costa comentou a falta de denúncia das más condições de trabalho e a exploração das indústrias. Ela, que sempre foi trabalhadora rural e já atuou na colheita da laranja, do algodão e no corte da cana, afirmou que os trabalhadores acabam se tornando reféns da indústria do agronegócio.
“As denúncias das péssimas condições de vida e trabalho são raras. As pessoas vivem sufocadas, e a exploração e o abuso são contínuos, pois há mais de 20 trabalhadores aguardando a vaga de quem será demitido ou pedirá demissão. Quem compra a cana brasileira não sabe o que esta por trás da sua produção. Fazemos as denúncias, mas as empresas apresentam os selos de qualidade, os tratados, os protocolos, e as pessoas não vão acompanhar de perto a realidade dos trabalhadores. Tem empresa que recebe selo de controle ambiental, mas suas fossas se misturam à água utilizada pelos trabalhadores.”
Segundo a convidada, os equipamentos de proteção individual (EPI) são precários, a alimentação é inadequada, e o trabalho extremamente exaustivo. “Precisamos de pesquisas para verificar a quantidade de trabalhadores que estão morrendo, estão aleijados e mutilados pela falta adequada de EPI. Quando ocorre algum acidente, os trabalhadores não podem ser levados direto ao posto médico para não atrasar a entrega da cana. O que está sendo feito para isso?”, questionou.
Para Carlita, enquanto o trabalho do corte de cana for realizado por metas, não haverá condições humanas de trabalho. No fim do debate, ela destacou novamente a necessidade de pesquisas e estudos voltados para a indústria da cana e fez um convite: “O ganho pela produção é cruel, e os trabalhadores estão morrendo por trabalhar. Sou limitada nos meus estudos, e por isso o mundo de vocês da academia é difícil para eu entrar. Mas o meu mundo é aberto a vocês. Acompanho a todos onde for possível para desenvolvermos pesquisas que apontem o que acontece nesses locais de trabalho.”
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