Participação comunitária e controle social: história de lutas
Sandra Martins*
Pesquisadores, profissionais da saúde e moradores de Manguinhos se reuniram na segunda rodada do Ciclo de Debates Participação e tecnologia social em saúde, na terça-feira (17/4), para discutir políticas públicas para a saúde, controle social e gestão participativa, da perspectiva nacional até a local. Em busca de uma melhor compreensão do atual estado da arte no que tange à participação comunitária e ao controle social numa perspectiva macro, Kátia Souto, coordenadora do Departamento de Apoio à Gestão Estratégica e Participativa da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (Segep) do Ministério da Saúde, fez um resgate histórico do processo de gestão participativa, com destaque para os conselhos de saúde, e dos marcos legais: “Há uma história de luta democrática, que inclui os anos da ditadura, que calou ou tentou calar muitas vozes, entre elas, as do campo da saúde pública”.
Ela também apresentou a configuração da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Criada em 2003, inicialmente com o nome de Secretaria de Gestão Participativa, mais adiante agregou o nome de Estratégica. A criação foi um marco de reconhecimento por parte da gestão federal da importância da gestão participativa, de se ter espaços organizados e legitimados dentro da estrutura de um governo para um diálogo com os movimentos sociais: “Um diálogo com os espaços onde esses movimentos possam se fazer presentes, entre eles, no nosso caso, no caso do SUS, os conselhos de saúde. Até então havia participação nos conselhos, a partir do marco legal (Lei 8142/1990), mas não no próprio ministério; criou-se, então, um espaço específico, que tivesse o status de secretaria no segundo escalão, como temos hoje”.
Leonídio Madureira, da Coordenação de Cooperação Social/Presidência da Fiocruz, fez uma breve explanação de como a participação comunitária avança no nível local, no nível do território. Sua análise se baseou na apresentação dos limites e possibilidades pautados pelo movimento social da experiência em Manguinhos. A luta por infraestrutura urbana, principalmente a questão das enchentes, a luta por habitação, educação, trabalho e renda, saúde e também pou uma segurança pública que garanta seus direitos, assim como a fragmentação da representação política e social são as marcas de Manguinhos. Esse território, que podemos denominar como de exceção, pois tem características claras de violação aos direitos civis – execução sumária, pequenos sequestros, torturas psicológicas e o cerceamento da liberdade – reconhecer esse quadro é importante para compreender os limites e as possibilidades da participação comunitária no território.
“A experiência da participação popular em políticas públicas sempre foi mais espasmódico e pontual”. E nem sempre o poder público reconhece os resultados positivos obtidos pela mobilização social, quando não invisibiliza. Entre os espaços de participação social estão o Fórum Social de Manguinhos; o Conselho Comunitário de Manguinhos; um grupo de articulação do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha; além das diversas ONGs e oscips que atuam com recortes de gênero, gênero e etnia, cultura, direitos humanos, educação, comunicação etc.: “Mas tudo isso numa perspectiva de resistência”.
No campo da saúde, com a instituição do Teias-Escola Manguinhos, com cobertura de praticamente 100% do território, Leonídio vê o desafio de se buscar uma proposta de gestão participativa, compreendendo a participação do controle social. “O Teias, articulado com a ENSP e com a CAP 3.1, assumiu o desafio de elaborar um modelo de gestão participativa e, com ele, o de criar um Conselho Gestor Intersetorial, com a representação de doze segmentos da população. É um desenho novo e desafiador. Esse processo está instituindo um regimento interno para regulamentação desse conselho”.
Osvaldo Bonetti, da Coordenação de Apoio à Educação Popular e Mobilização Social do SGEP/MS, discorreu sobre a complexidade da participação e de como tem conduzido o processo de educação popular em saúde no Ministério da Saúde. Entre as ações apoiadas para a institucionalidade do SUS, segundo ele, criou-se o Prêmio Victor Valla de Educação Popular em Saúde. "A proposta do Prêmio possibilita um diagnóstico sobre o contexto de processos formativos e educativos de educação sanitária".
Bonetti citou que a complexidade da conceituação de educação popular simboliza a dificuldade de transformá-la em estratégia adicional, numa política adicional. Mas ele pontua elementos e contribuições para esboçar os princípios da educação popular, como pensar projetos educativos "com" as comunidades, e não "para" elas. O que reforça, pois, a importância de ter a educação popular como um dos elementos da gestão participativa, no sentido de inovar na cultura de fazer políticas.
Eduardo Stotz, pesquisador da ENSP, se debruça sobre uma questão colocada por Osvaldo Bonetti, quando pergunta se a participação instituída tem favorecido a autonomia dos sujeitos. "Temos o desafio de pensar a questão da institucionalização e de seus limites. Talvez a frase de Boaventura deva ser escrita: uma coisa é ter o poder, outra coisa é estar no governo". Sua intervenção discorreu sobre participação popular e reforma sanitária, enfocando a luta pelo direito à saúde no Brasil desde a década de 1960 até os dias de hoje, examinando avanços e contradições nesse caminho e afirmando que nossa luta deve ser pela garantia da saúde pública e universal para a população brasileira.
Em resposta a uma pergunta sobre a dificuldade de mobilização de atores sociais para espaços de participação como os conselhos de saúde, o professor comenta: "Temos que inventar caminhos, o caminho é eterno. Se houve esvaziamento das proposições iniciais, então é fundamental mudar o rumo. É importante observar os processos de instituição dos conselhos de saúde; é preciso acabar com essa falsa ideia de representação: podem ser duzentos hoje, participando, e daqui a dois anos esse número se quintuplicar. Participei do curso do Politécnico, em que Simone (moradora de Manguinhos) disse uma frase – 'Nasci na guerra, me criei na batalha, meu nome é revolta!' – que mostra a densidade das dificuldades. Se pensarmos em processos como esses, podemos, de fato, pensar em caminhos de reorganização, de reinstitucionalização”, concluiu.
O evento foi organizado pelo Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde Pública PDTSP/Teias e a Coordenadoria de Cooperação Social da Fiocruz, com apoio da Assessoria de Cooperação Social da ENSP.
*jornalista da Assessoria de Cooperação Social da ENSP/Fiocruz
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