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Desenvolvimento e injustiça social: uma contradição

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Publicado em:17/04/2012

Luciene Paes

O pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (ENSP/Fiocruz) Marcelo Firpo ministrou a aula Saúde, ambiente e desenvolvimento, no curso de especialização em Vigilância Sanitária, nesta segunda-feira (16/4). Abordar o tema não só sob a perspectiva da Saúde Pública, mas também a sua interface com a saúde dos trabalhadores, os riscos ocupacionais, a análise das causas, além de incorporar a temática ambiental, foi a missão do palestrante, com pós-doutorado em Medicina Social pela Universidade de Frankfurt. "Me sinto cada vez mais contra-hegemônico dentro da Saúde Coletiva", disse ele.


O pesquisador trabalhou com conceitos de situações de risco, vulnerabilidades, resistências de populações e movimentos sociais. De início, comparou a definição de saúde segundo a Organização Mundial de Saúde – "estado completo de bem-estar físico e mental" (1948) – com a que vigorava no fim do século XX – "a saúde [...] é vista como um recurso para a vida diária". Outro conceito mencionado e comparado por Firpo advém da relação com os determinantes sociais, que são "circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, incluindo o sistema de saúde".


Firpo perguntou: "Do que precisamos para viver/sobreviver?" O meio ambiente pode estar relacionado com a saúde de forma polissêmica, ou seja, com os vários ambientes, como casa e trabalho, público e privado, rural e urbano, florestas, rios e oceanos. "Precisamos do meio ambiente porque nele existem suportes à vida (ar, alimento, água potável, combustíveis, recursos genéticos, clima, formação dos solos, compostos bioquímicos, além de benefícios não materiais obtidos dos ecossistemas, como lazer, valores espirituais e religiosos, estéticos,  educacionais, heranças culturais)."


A vigilância trabalha com a categoria risco, cujo conceito se refere à exposição de seres humanos ao ambiente, o que pode trazer sofrimento, doenças e morte, sendo que, se a exposição não ocorresse, os efeitos não seriam produzidos. "Vivemos numa sociedade do risco, e hoje os riscos são decorrentes da ciência e da tecnologia ligadas à oferta de produtos e à produção industrial, a exemplo do acidente com o Césio 137 em Goiânia".


A outra questão abordada pelo pesquisador foi o desenvolvimento, sobre o qual ele destacou a contradição processo econômico X progresso social e humano. Firpo explicou que "a relação entre saúde, ambiente e desenvolvimento acontece em vários níveis e modelos, coletivos ou individuais, nos ecossistemas globais (oceanos, blocos econômicos), regionais (países, bacias hidrográficas), locais (municípios, comunidades), além de em grupos sociais e famílias".
 

"A crítica que faço aos modelos de desenvolvimento atuais é a injustiça social produzida por eles", disse o palestrante. Os riscos são passíveis de serem reconhecidos e controlados e os transtornos provocados por desastres e casos de doenças tenderiam a ser superados pelo conhecimento técnico-científico, pela legislação, pela atuação institucional e profissional. Firpo chamou a atenção para os prejuízos de se rejeitar uma tecnologia, produto ou processo por considerá-los inseguros, cujos benefícios, contudo, seriam grandes, e de se aceitar uma tecnologia por ser segura, mas que o tempo pode revelar extremamente perigosa.
 

Desenvolvimento e injustiça social: uma contradiçãoO pesquisador também trouxe para o debate o princípio da precaução, que trata do fato de as atividades humanas trazerem riscos moralmente inaceitáveis, o que leva a reações para impedir ou reduzir tais riscos, a exemplo dos transgênicos, explicou Firpo. "Essa discussão do paradigma entre o preventivo e o precaucionário está em disputa atualmente, e o acordo da biodiversidade adota a precaução como princípio, devido à livre-concorrência e à disputa de mercado", comentou.
 

Quanto à crise socioambiental causada pelas mudanças que vêm ocorrendo no mundo em termos de densidade populacional, Firpo considera que a lógica produtiva caracterizada pelo consumo atual, intensificado pelo mecanismo global, gera sofrimentos e prejuízos que não entram na cadeia do preço, o que ele chama de "violenta externalidade do metabolismo social".
 

Firpo classificou as três vertentes do ambientalismo: a conservacionista é marcada por uma visão preservacionista e romântica, desprezando a dimensão humana e social (Greenpeace); o 'Evangelho da ecoeficiência' prioriza a internalização de custos e práticas gerenciais ambientais 'limpas' à lógica do desenvolvimento capitalista; e o movimento pela justiça ambiental (ecologia política ou ambientalismo popular) se coloca como alternativa crítica às duas outras correntes hegemônicas no interior do movimento ambientalista. "O grande desafio político é como transformar lutas em modelos de desenvolvimento".
 

Alguns outros desafios lembrados pelo pesquisador referem-se aos impactos da produção de energia, ao agronegócio, ao uso de agrotóxicos, à reforma agrária, à segurança e soberania alimentares, às 'zonas de sacrifício' criadas com a crise socioambiental, à mercatilização da vida e da natureza, à redução das emissões por desmatamentos e degradação. Para ele, no entanto, a questão não está no fato de ver ou não ver, mas se o que deixamos de ver é fundamental".
 

Em breve, o livro de Marcelo Firpo, Uma ecologia política do risco, será relançado pela Editora Fiocruz.


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1 comentários
ALEXANDRE M. T. DE CARVALHO
17/04/2012 22:25
Excelente o trabalho do pesquisador Marcelo Firpo, que conheço desde a década de 1980, dos tempos de UERJ. Seu compromisso inequívoco com a classe trabalhadora é um alento nesses tempos desertos de hegemonia de mercado na Saúde e de crescimento do que a profª Inês Bravo, eterna militante do Movimento pela Reforma Sanitária, chama de "reforma sanitária flexibilizada". Ser contra-hegemônico nesse contexto e construir soluções coletivas de enfrentamento é mesmo o melhor que se pode fazer. Um abraço!