Abrasco 2021: SUS e relações público-privadas em debate
Com o tema Reflexões sobre privatização, SUS e o mercado da saúde, a mesa redonda do 4º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão da Saúde em formato digital ocorreu no dia 25/3, quarto dia de conferência promovido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Pandemia, crise, desigualdade, território, cuidado, vida, morte foram palavras proferidas pelos palestrantes, que apresentaram críticas e perspectivas para melhorar a gestão da saúde.
Coordenada pela pesquisadora Erika Santos de Aragão, da Universidade Federal da Bahia, a mesa redonda foi aberta por Isabela Soares Santos, pesquisadora da ENSP/Fiocruz, que também atua na Coordenação Geral do Programa de Políticas Públicas, Modelos de Gestão e de Serviços de Saúde Pública da vice-presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz.
Segundo Isabela, desde a publicação da Lei nº 13.097/15, que abriu o setor saúde ao capital estrangeiro; depois com a Emenda Constitucional 95/2016, que reduziu o investimento no setor saúde, a pressão para aumentar a participação privada sobre os direitos sociais de caráter universal foi maciça. “Com a Covid-19, acompanhamos uma linha do tempo em que não houve investimentos no parque industrial da área de ciência, biotecnológica, vacinas. no início da pandemia.”
A pesquisadora reconhece que é preciso agregar às discussões dos estudos de saúde pública outros conhecimentos, para preencher o que ela chama de “pontos de nuvem” entre campos de conhecimento porque a organização do conhecimento, para ela, em geral, não valoriza essas interfaces. “Para termos pistas a fim de enfrentar essas desigualdades nessa sociedade organizada pela lógica colonialista, para pensar nas relações público-privadas, temos que pensar no território, caso contrário não será um projeto societário hegemônico.”
De acordo com ela, isso vai além do poder capitalista que domina quem tem os meios de produção e quem é empregado; tem uma lógica de patriarcado (luta, poder, hierarquia, competição, autoridade), que constitui uma matriz cultural no modo de viver, que faz com que não faça valer um projeto societário com os princípios do SUS, por exemplo. “Por isso, temos que valorizar o território e construir com ele, identificar as necessidades e potencialidades locais. Assim haverá mais conexão no diálogo entre a academia e a população .”
"Estamos numa crise política, institucional, econômica, sanitária, sem proposta sobre a mesa"
O segundo conferencista, José Sestelo, doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ex vice-presidente da Abrasco, abriu sua fala dizendo que a força da saúde coletiva é romper as fronteiras do lugar comum. “Nosso campo precisa dialogar fora da bolha com economistas que nunca ouviram falar de saúde, com aqueles políticos que acham que os planos privados desafogam o SUS.”
Ele lembrou que o advento do SUS trouxe esse enquadramento com as políticas sociais, mas considera que o campo da saúde coletiva foi empurrado para dentro de uma “caixinha”. “A gente não precisa renunciar ao nosso pensamento crítico, histórico da saúde coletiva, mas não precisa se ater a dicotomias que reduzem a descrição da realidade, ou seja, público e privado como se fossem dois compartimentos distantes e impermeáveis; SUS e planos de saúde como se fossem dois universos que não se comunicam entre si.”
Para Sestelo, “estamos numa crise política, institucional, econômica, sanitária, sem proposta sobre a mesa”. Como construir uma base de informação qualificada para instruir a ação política consequente, que é a razão de ser do nosso campo?, questiona ele, para fugir das dicotomias que nos impedem de falar com o país. E finaliza: “porque ao falar do sistema de saúde, francamente, estamos falando entre vida e morte”.
“Mesmo com a queda do Produto Interno Bruto atual, o setor privado da saúde cresceu enormemente"
Já o terceiro conferencista, Artur Monte-Cardoso, professor de Política e Planejamento em Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, observou que a pandemia escancarou desigualdades estruturais na assistência à saúde entre o setor público e privado e entre regiões brasileiras, tais como disponibilidade e capacidade de abertura de leitos, acesso a insumos estratégicos, mobilização de recursos humanos.
Ele destacou que o setor privado detém enormes recursos com a formação de grandes empresas de saúde. Já o desafio do setor público não é mais o subfinanciamento, mas a redistribuição de recursos que estão desigualmente alocados no sistema de saúde. “Mesmo com a queda do Produto Interno Bruto atual, o setor privado da saúde cresceu enormemente, demonstrando irracionalidade impressionante, dada a desigualdade que está implícita na cobertura desses planos de saúde, que abrange parte da população muito diversa, com muitas queixas, com dificuldade de ter cobertura, muita judicialização.”
Na realidade, disse Artur, ”o setor privado é um grande centro de decisão, um grande problema, com legitimidade social, espécie de aspiração social, se consolidou como grande capital brasileiro com muito espaço no debate público sobre as políticas de saúde”.
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