4° PPGS 2021 da Abrasco debate crise institucional e judicialização das relações federativas
Falar sobre o atual momento que estamos vivendo – uma crise sanitária
devido à pandemia da Covid-19 – não seria possível sem entender a
estruturação do governo e o Sistema Único de Saúde (SUS). Com essa
intenção, o 4° Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão
da Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) propôs
esse debate em seu segundo dia de atividades com a mesa-redonda “Crise
institucional e judicialização das relações federativas no Brasil:
impasses e perspectivas”.
Por conta da pandemia, o congresso foi realizado de forma on-line e contou com a participação de diversos convidados, dentre eles o coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Cláudio Gonçalves Couto, o integrante do Centro de Estudos e Pesquisa de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (Cepedisa/USP), Daniel de Araujo Dourado, a pesquisadora do departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Luciana Dias de Lima, e a integrante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alethele de Oliveira Santos. A coordenação da mesa e mediação do debate ficaram por conta da docente do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP) Ana Luiza D’Avila Viana.
Federalismo e a Crise Institucional – Menos Brasília, Mais Brasil
Educação, sistema fiscal, saúde, dentre outros, todos têm sua funcionalidade de acordo com cada modelo federativo. Federalismo nada mais é do que a junção de diversos estados que, unidos, formam uma nação. Diante disso, o coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Cláudio Gonçalves Couto, baseou sua fala ao explicar algumas contradições encontradas no atual governo, que culminaram na fase na qual vivemos.
Segundo ele, a falta de centralidade do governo federal contribuiu para ações que presenciamos hoje. “O atual governo enxerga o federalismo de uma forma muito pessoal, por exemplo, cada estado atua naquilo que compete, sem intervenção da União”, salientou o coordenador relembrando que a ideia da Constituição é que o federalismo brasileiro é mais centralizado, ou seja, a União tem o poder central, diferentemente do americano, que, segundo o coordenador, é um federalismo não centralizado na União.
Porém, segundo Cláudio, o início dos entraves presenciados hoje, já que, por mais que o atual governo defenda essa autonomia estadual, o governo tenta imprimir aos estados a “obrigação” de escolher sempre as ações da União, o que causa, neste momento, o discurso de que ela não pode agir devido às decisões do STF. “ Na lógica de operação governamental, o papel protagonista é o da União, mas, por outro lado, o atual governo, abdica disso. Assim, a União entra nessa questão de que nada é culpa dela”, observou o coordenador sobre as intervenções que ocorrem do Supremo Tribunal Federal (STF) em muitas decisões atuais diante da pandemia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem atuado de uma forma bastante ostensiva diante da pandemia da Covid-19 no Brasil para remediar os danos causados à população. Mas isso tem uma explicação simples. Segundo o integrante do Centro de Estudos e Pesquisa de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo, (Cepedisa/USP) Daniel de Araújo Dourado, o Poder Judiciário, representado pelo STF, tem o poder de resolver os conflitos federativos, ou seja, a mediação entre a União, os estados e municípios, e ele salienta que “a omissão deliberada pelo governo federal gerou todo esse conflito. ”
O pesquisador reconhece que, sim, estamos passando por uma crise institucional de forma federativa e responsabiliza o governo federal de estar causando essa disputa. “Jogar a culpa em cima dos prefeitos e governadores é um projeto deliberado pelo governo federal”, ressaltou o pesquisador, alertando que, cumprindo a sua função, o STF atua minimamente para diminuir dano.
Danos esses, explicados por Daniel, que são diminuídos devido à decisão do Supremo de não deixar a União atrapalhar as ações de estados e municípios. “Na crise iniciada em março/abril de 2020, estava evidente, politicamente, que o governo federal não ia agir para conter a pandemia; ele iria atrapalhar os estados e municípios. O STF, então, decidiu que as competências para cuidar da saúde são comuns e colaborativas. Porém, mesmo diante da crise, Daniel ainda mantém o otimismo de “uma ação positiva dos estados e municípios agindo para minimizar danos”.
A dificuldade da Gestão diante da pandemia
“Estamos tristes, perplexos e assombrados pelo Brasil ter se tornado o epicentro da pandemia da Covid-19 no mundo”. Esse é o sentimento da pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) Luciana Dias de Lima. Em sua fala, a pesquisadora salientou que “o sistema não consegue suprir as necessidades sanitárias do país.”
A pesquisadora ressaltou em sua fala que não é de agora, mas há tempos que o Sistema Único de Saúde (SUS) está colapsado devido ao sucateamento que vem sofrendo. “O desmonte, a fragilização, a capacidade de intervenção pública do Estado e o descrédito na política, de reação contraditória, causa a insegurança da população.”
Segundo ela, os desafios da pandemia, como as incertezas, estratégias decentralizadas, papel inativo da União e a necessidade de fortalecimento do SUS, se condicionam devido ao modelo de desenvolvimento de cada estado, a desestruturação e o agravamento da desigualdade social. “A pandemia deixou muito claro, para a população brasileira, a importância do Sistema Único de Saúde (SUS)”, salientou ela.
As perspectivas, na consideração da pesquisadora, não são as melhores; porém, com uma transformação no modelo de Estado, ela acredita ser possível uma melhora do país. “É necessário promover mudanças, alinhar esforços da sociedade e tarefas governamentais em prol da saúde da população”, concluiu.
Seguindo a mesma linha de pensamento, da pesquisadora da ENSP, integrante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alethele de Oliveira Santos, reforçou a questão do sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS), um cenário de desfinanciamento que, segundo ela, também começou bem antes do início da pandemia e culminou num desgaste para os atuantes no sistema. “Tudo isso é uma sobrecarga para a gestão e financiamento”.
Para Alethele, existe, no Brasil e no mundo, uma crise econômica, social, de liderança e sanitária. “Esse cenário revela uma escassez mundial e nacional de muitos elementos, como kit intubação, epi’s, dentre outros”, salientou.
Além disso, uma crise que prejudica os atuais gestores de Saúde e futuros, o que prejudica o andamento da melhoria do trabalho. Segundo a integrante do Conass, pessoas qualificadas não assumem a gestão devido à judicialização excessiva, e os que assumem pensam, toda hora, em deixar, já que há intervenção ocasionando um desequilíbrio na Saúde.
Para ela, não só no Brasil, mas no mundo, os sistemas de saúde foram colocados à prova, porém com uma ressalva. “Enquanto outros lutam para se consolidar, como o Canadá e a Inglaterra, o nosso, o SUS, luta para sobreviver.”
Na conclusão de sua fala, Alethele ressaltou que a pandemia vai impor um novo cenário no direito internacional, como a forma de lidar com a escassez e a necessidade de uma atuação conjunta entre os poderes. “Não deveria existir antagonismo entre eles, todos buscam o sucesso nas gestões de Saúde, e todos deveriam estar compromissados com a melhora dela.”
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