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'Mulheres ricas pagam, mulheres pobres morrem': aborto em debate na Radis

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Publicado em:08/08/2018
'Mulheres ricas pagam, mulheres pobres morrem': aborto em debate na RadisA matéria de capa da Radis n° 191, de agosto de 2018, trata da interrupção segura da gravidez em discussão no Supremo Tribunal Federal neste semestre. Segundo a Radis, estima-se que entre 416 mil e 865 mil mulheres de todas as idades, credos e grupos sociais se expõem anualmente ao aborto inseguro no Brasil.  De acordo com a revista, a posição da comunidade acadêmica reunida em inúmeras sessões científicas do recente 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2018) é tratar o tema como questão de direito da mulher e de saúde pública, na medida em que as vidas de centenas de milhares de brasileiras estão em risco pela prática do aborto inseguro. “Pesquisas apontam que o grau de risco acompanha o traço da desigualdade econômica e social no país, sendo mais elevado entre mulheres negras e pobres.”
 
Segundo a última Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada em 2016, 13% das entrevistadas já haviam provocado um aborto na vida. Mas, conforme aumenta a idade, aumenta essa proporção. Em mulheres de 35 a 39 anos, uma em cada cinco referia já ter abortado. E esse índice se mantém estável ao longo dos últimos dez anos.
 
“Manter o aborto como crime não diminui o número de procedimentos, não impede que eles aconteçam, só empurra as mulheres para uma situação de insegurança e clandestinidade”, resume a epidemiologista Rosa Domingues para a Radis, uma das autoras da revisão sistemática sobre o aborto no país que aborda os trabalhos da última década sobre o tema. A pesquisa, realizada em coautoria com Sandra Fonseca, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), ainda está para ser publicada em edição temática especial do periódico científico Cadernos de Saúde Pública da ENSP, mas alguns dados foram antecipados com exclusividade para esta reportagem de Radis. “Dos 36 artigos científicos sobre aborto ilegal identificados pela revisão sistemática, 4 eram referentes a pesquisas de base populacional de abrangência nacional: duas edições da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança (1996 e 2006), realizadas pelo Ministério da Saúde, e duas edições da Pesquisa Nacional do Aborto, realizadas em 2010 e 2016.”
 
Em outro estudo, “Pesquisa sobre aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva”, de Greice Menezes e Estela Aquino, de 2009, mostra-se que o perfil das mulheres brasileiras que morrem em decorrência do aborto é de jovens, negras, de estratos sociais menos privilegiados e residem em áreas periféricas das cidades.
 
“As razões para a interrupção da gravidez incluem a falta de acesso a contraceptivos ou falha destes; preocupações socioeconômicas, como situação de pobreza, baixa escolaridade e desemprego; necessidade de planejar o tamanho da família, como o espaçamento entre filhos; falta de apoio do parceiro; riscos para a saúde materna ou fetal e gravidez resultante de estupro ou incesto”, detalharam as pesquisadoras.
 
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica os abortos não como ilegais ou legais, mas como inseguros, parcialmente seguros ou seguros. No artigo “Estimating abortion safety: advancements and challenges”, produzido em parceria com o Instituto Guttmacher e publicado em outubro de 2017 no periódico científico The Lancet, a organização define como aborto não seguro uma gravidez que é encerrada por pessoas que não possuem as habilidades e informações necessárias ou em um ambiente que não está em conformidade com os padrões médicos mínimos. Quando é realizado em sintonia com as diretrizes e normas da OMS, o risco de complicações graves ou morte é insignificante.
 
Entre 2010 e 2014, aproximadamente 55% de todos os abortos no mundo foram realizados de forma segura, ou seja, por trabalhadores de saúde qualificados, usando um método recomendado pela OMS apropriado para a duração da gravidez, segundo a pesquisa. Por outro lado, 45% foram não seguros, somando 25 milhões por ano nesse período — 97% deles em países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina.
 
Pela primeira vez, o documento inclui subclassificações, como “menos seguro” ou “nada seguro”. A distinção permite uma compreensão mais matizada das diferentes circunstâncias de abortos entre as mulheres que não conseguem ter acesso a um profissional qualificado. Quase um terço (31%) foi considerado “menos seguros”, ou seja, executados por profissionais qualificados com um método não seguro ou defasado, como a “curetagem uterina”, ou por uma pessoa não qualificada, embora usando um método seguro. E 14% foram “nada seguros”, realizados por pessoas que usavam métodos perigosos, como a introdução de objetos estranhos e o uso de misturas de ervas. Complicações derivadas de abortos “nada seguros” podem incluir aborto incompleto (que acontece quando não se retira do útero todo o tecido da gravidez), hemorragia, lesões vaginal, cervical e uterina, além de infecções.
 
Professora sofre ameaças por defender descriminalização
 
A antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Debora Diniz sofreu recentemente ameaças em decorrência de seu trabalho acadêmico sobre a descriminalização do aborto, em páginas e perfis em redes sociais. A docente relata também ter recebido, por ligações e mensagens, intimidações explícitas e ofensas graves. “Monstro” e “assassina” são alguns dos adjetivos direcionados publicamente, em redes sociais, à antropóloga, que foi escolhida em 2016 um dos 100 pensadores globais pela revista norte-americana Foreign Policy, por pesquisas sobre grávidas infectadas pelo zika vírus. Ela registrou queixa na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Brasília, que apura o caso, conforme publicou o jornal Correio Braziliense (4/7). Debora preferiu deixar Brasília, onde vive, por um tempo, de acordo com matéria publicada no jornal O Globo (23/7). Em nota, o Gabinete da Reitoria da UnB declarou que a Universidade de Brasília está “acompanhando a situação”, em contato com a professora. “A UnB tem, entre seus princípios, a liberdade de cátedra e o compromisso com a paz e repudia quaisquer manifestações de ódio e intolerância”, diz o texto. 
 
Para ler as demais matérias da Radis n° 191, clique aqui.

Fonte: Radis 191
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