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Assédio moral: a violência silenciosa que atinge sobretudo mulheres negras

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Publicado em:28/11/2025
Composta exclusivamente por mulheres, Comissão Interna de Saúde das Trabalhadoras e dos Trabalhadores (CISTT/ENSP) promove debate provocativo sobre violências laborais

Por Danielle Monteiro e Isabelle Ferreira

“Essa TPM que nunca acaba...”. Expressões como essa desqualificam e expõem a vítima diante de colegas e da comunidade institucional. Manifestado de forma individual ou coletiva, por comportamentos, palavras, gestos ou registros escritos, o assédio moral fere a dignidade e integridade psíquica, minando as bases da competência do trabalhador. Suas formas são variadas: vão desde tentativas de invisibilizar o trabalho, ignorar a presença da vítima ou induzir os outros, no particular, a se voltarem contra ela, até estratégias de isolamento, difamação, esvaziamento de tarefas, subutilização e falta de comunicação. Essas diversas facetas de uma violência silenciosa foram pauta de debate realizado pela Comissão Interna de Saúde das Trabalhadoras e dos Trabalhadores (CISTT/ENSP) nesta quinta-feira (27) na Escola.


Em uma apresentação provocativa, a professora Alzira Guarany, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traçou um panorama sobre o histórico do assédio moral, suas causas e o contexto em que se manifesta, chamando a atenção para os seus inúmeros danos e apontando caminhos para enfrentar o problema.  

“As maiores vítimas do assédio moral no ambiente laboral são justamente as pessoas que estão na base da pirâmide social: as mulheres negras”, alertou a palestrante, que é referência nos estudos sobre saúde mental e trabalho. Segundo a professora, além de gênero e raça, também permeiam essa forma de violência fatores como etnia, idade, religião, orientação sexual e relações desiguais de poder.

Caracterizado por condutas abusivas, repetitivas e sistemáticas, o assédio moral não é um fenômeno novo no mundo laboral, conforme pontuou Alzira. Na verdade, ele sempre existiu, mas, por muito tempo, ficou de fora da arena de debates, ofuscado por outras pautas prioritárias dos movimentos trabalhistas dos séculos 19 e 20, como a precariedade das condições laborais e o enfrentamento do trabalho infantil. 

Como narrou a professora, a chegada do século 21 veio acompanhada de um crescimento dessa forma de violência, que se intensifica em um mundo do trabalho que ‘animaliza’ o ser humano e em uma sociedade moldada pela herança colonial, pelo patriarcado e por uma revolução informacional e tecnológica. “Vivenciamos hoje um cenário de produção global que gera impacto no local de trabalho, marcado por uma reestruturação produtiva. A chamada ‘modernização’, na verdade, é um processo de desumanização maior da esfera laboral”, afirmou. Os dados comprovam essa realidade: de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 42% dos brasileiros já foram vítimas de assédio moral.

Por muitas vezes, a conduta assediadora sequer é reconhecida como uma forma de violência, o que torna o cenário ainda mais agravante. A foto de uma equipe de colaboradores do mercado financeiro, composta majoritariamente por homens jovens brancos, apresentada pela palestrante, denuncia essa invisibilidade: “A imagem reflete uma sociedade moderna provocadora e promotora de violências que, muitas vezes, nem são vistas”, lamentou.

O impacto do assédio moral na saúde do trabalhador é devastador, segundo a professora. Ansiedade, depressão, câncer e, até mesmo, suicídio compõem a lista de prejuízos. De acordo com a OIT, as vítimas apresentam quatro vezes mais probabilidades de desenvolverem depressão e o dobro de chances de ficarem estressadas. “São condutas que fazem o assediado duvidar de sua própria capacidade. Ele começa a se perguntar o que está fazendo de errado e como poderia melhorar para sair desse lugar de alvo. É um fenômeno complexo, pois a pessoa que assedia pode ser perversa”, observou Alzira. 

As conseqüências extrapolam o campo da saúde do trabalhador, trazendo também inúmeros danos para as instituições e o Estado. “O Brasil tem o maior número de afastamentos por saúde mental e apresentou aumento de quase 70% de 2023 para 2024. Em termos de auxílio-doença, o gasto nacional com afastamentos ficou em torno de 433 bilhões. E de aposentadorias por invalidez foi de aproximadamente 113 bilhões, em 2024”, destacou Alzira.

No ambiente de trabalho, o assédio moral afeta as relações, o compromisso do trabalhador, a produtividade, a qualidade dos serviços prestados, a reputação e a confiabilidade da empresa, conforme narrou a professora. Os números revelam, ainda, que a Administração Pública figura entre os principais setores com maiores taxas de afastamentos por problemas de saúde mental no país. 

Segundo Alzira, apesar de avanços na esfera jurídica, as instituições, empresas e sociedade ainda têm muito a aprender para enfrentar o problema, que perpassa por barreiras como incapacidade de escuta, banalização, medicalização, falta de solidariedade, responsabilização dos indivíduos e ausência de uma real valorização dos Recursos Humanos que leve em consideração o componente subjetivo do sujeito.

Entre as medidas de prevenção, Alzira destacou ações como treinamento e conscientização; políticas e regulamentos claros; criação de canais de denúncia; apoio às vítimas; promoção da igualdade de gênero e de liderança exemplar; campanhas de conscientização e de uma cultura de respeito; participação da comunidade; avaliação e melhorias constantes; e responsabilização do assediador.

+ Assista à transmissão completa do evento


Mesa de abertura

Presente à mesa de abertura, o diretor da ENSP, Marco Menezes, destacou a importância de debater temas atuais relacionados à saúde do trabalhador, como a ‘plataformização do trabalho’ e a ‘escala 6x1’. Ele ressaltou também a relevância de estabelecer parcerias com outras unidades da Fiocruz para fortalecer e ampliar o protagonismo da CISTT/ENSP. “A saúde do trabalhador e da trabalhadora é um direito humano. Por isso, sendo a CISTT um espaço potente, é importante convergir as agendas de diversidade, equidade e inclusão da Fiocruz”, defendeu. 


Thaís Cândido, representante da Coordenação de Saúde do Trabalhador (CST/Cogepe/Fiocruz), reforçou a importância de assumir o papel do protagonismo feminino na pauta da saúde do trabalhador. “Embora seja um processo desafiador e complexo, o fato de a primeira CISTT/ENSP ser formada exclusivamente por mulheres representa um ato simbólico e corajoso”, observou. Thaís destacou, ainda, a relevância de relembrar esse marco histórico de organização coletiva e pioneirismo da Comissão Interna de Saúde das Trabalhadoras e dos Trabalhadores da Escola. 


Por fim, Egle Setti, integrante da CISTT/ENSP, enfatizou a preocupação da Comissão em propor ações voltadas à promoção da saúde e à humanização no trabalho, especialmente no que diz respeito à melhoria das condições laborais, à prevenção de acidentes e agravos às doenças relacionadas ao trabalho. “Um dos nossos desafios como Comissão é ampliar a mobilização e a participação dos trabalhadores”, afirmou.

Ao longo do evento, foram apresentadas também ações de conscientização e de promoção da saúde do trabalhador desenvolvidas pelas CISTTs do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB/Fiocruz) e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). 



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