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Prevenção e controle da febre amarela: estudo da ENSP avalia ações de vigilância em área ilesa no Brasil

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Publicado em:21/01/2022

A partir da reemergência da febre amarela em 2014/2015, o Brasil registrou nos anos sequentes sua maior epidemia de febre amarela das últimas décadas, atingindo principalmente a região sudeste. A febre amarela, doença viral hemorrágica, é causada por um flavivírus, transmitido por mosquitos silvestres (Haemagogus; Sabethes). Na ocorrência do ciclo urbano, erradicado no Brasil desde 1942, a transmissão se dá pelo Aedes aegypti. Primatas não humanos são os principais hospedeiros do vírus e constituem “sentinelas” na vigilância da febre amarela. Um estudo da ENSP descreve as ações de controle e prevenção desencadeadas durante a epidemia de febre amarela no Estado do Espírito Santo e a implementação da vacinação por meio de um estudo ecológico com abordagem espacial.

O artigo Prevenção e controle da febre amarela: avaliação de ações de vigilância em área indene no Brasil, de autoria de Caroline Gava, Theresa Cristina Cardoso da Silva, Danielle Grillo Pacheco Lyra, Karla Spandl Ardisson, Clemilda Soares Marques, Gilton Luiz Almada, Luana Morati Campos Corrêa, Priscila Carminati Siqueira, Gilsa Aparecida Pimenta Rodrigues, Lenildo de Moura, Oswaldo Gonçalves Cruz, Ethel Leonor Noia Maciel e Luiz Antonio Bastos Camacho, foi publicado em Cadernos de Saúde Pública. Ele trata do estudo que evidenciou a falha na detecção de epizootias em primatas não humanos pelos serviços de vigilância do Espírito Santo, sendo simultânea à detecção em humanos. Apresentou a evolução das ações de vacinação, com alcance de 85% de cobertura vacinal geral para o estado em seis meses, sendo heterogênea entre os municípios (de 59% a 122%).

Os autores destacam que 55% dos municípios com ações de imunização em tempo oportuno, considerando o intervalo adotado para este estudo, não apresentaram casos em humanos. para eles, a intensificação das ações de vigilância, interlocução entre as áreas e equipes multidisciplinares na condução da epidemia otimizou a detecção e o diagnóstico dos casos em humanos e viabilizou o controle da epidemia. Foi possível reconhecer avanços, apontar algumas medidas tardias e lacunas na vigilância que necessitam de melhorias.


Conforme o artigo, a vigilância em saúde tem tido destaque crescente no cenário da saúde pública. Além de envolver áreas primordiais para controle e prevenção de doenças e agravos na população, é uma ferramenta estratégica na distribuição otimizada de recursos para o sistema de saúde, dado seu processo contínuo e sistemático de monitoramento e avaliação dos determinantes do processo saúde-doença.


O artigo explica que as arboviroses são, historicamente, um desafio para os sistemas de vigilância em saúde. Seu controle depende de atividades integradas nas diferentes vertentes da vigilância. A febre amarela, em especial, é uma arbovirose imunoprevenível para o homem, com potencial epidêmico, que pode causar quadros clínicos graves, alcançando letalidade de até 50%.


A transmissão da febre amarela pode ocorrer em até três ciclos (silvestre, intermediário e urbano), envolvendo diferentes vetores, atingindo principalmente o meio epizoótico, que geralmente antecede o aparecimento dos casos em humanos, segundo o artigo. No Brasil, o ciclo urbano, que tem o Aedes aegypti como vetor, teve seu último registro em 1942. Nas últimas décadas, somente foi identificada a transmissão pelo ciclo silvestre, cujos principais vetores são os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. No período de 2007 a 2009, houve expansão da circulação do vírus amarílico para regiões extra-amazônica, com reemergência no período sazonal de 2014/2015, cuja atividade de circulação do vírus permanece até os dias de hoje, tendo atingido a Região Sudeste com maior intensidade nos períodos 2016/2017 e 2017/2018, alcançando a Região Sul do país nos períodos sazonais de 2018/2019 e 2019/2020, seguindo em atividade no atual período 2020/2021, incluindo a Região Centro-oeste.


Recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) revisou as estratégias para eliminação das epidemias de febre amarela, considerando a epidemia no ciclo urbano na República Democrática do Congo em 2016, citando também a expansão e a situação epidêmica da doença no Brasil. Foi enfatizado que a estratégia para eliminar cenários epidêmicos deve ir além da imunização, reforçando a capacidade de detecção da vigilância e a capacidade de resposta laboratorial, uma vez que manter 100% da cobertura vacinal contra febre amarela em algumas regiões não é factível.


Nesse estudo, foram descritas as ações estratégicas desencadeadas pela Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA-ES) na epidemia de febre amarela em 2017, na condição de área indene (ilesa) à circulação do vírus amarílico. Foram avaliadas as ações nas diversas vertentes da vigilância em saúde, abrangendo vigilâncias epidemiológica, entomológica, ambiental, laboratorial e epizoótica, bem como a rede de assistência e as ações do programa de imunização. Apresentou-se a distribuição espacial da implementação e ampliação das áreas de vacinação contra febre amarela.


Na discussão do artigo, os autores dizem que um dos objetivos norteadores da vigilância epidemiológica da febre amarela é detectar a circulação viral o mais precocemente possível para implementação oportuna das ações de controle e prevenção, preferencialmente quando a circulação ainda estiver no ciclo enzoótico, ou seja, no âmbito das epizootias em primata não humano, a fim de reduzir o risco de transmissão para a população humana.


A estruturação do Centro de Operações de Emergências (COE) para monitoramento e enfrentamento da epidemia de febre amarela no Espírito Santo foi de grande relevância para o desencadeamento das ações estratégicas, para seu controle e para o apoio das investigações nos municípios, afirmam os autores. A estruturação de um COE viabiliza uma melhor análise dos dados e informações para subsidiar uma tomada de decisões integrada com os atores envolvidos que melhor atenda ao enfrentamento de emergências em saúde pública, envolvendo profissionais com competência de atuação no tipo da emergência identificada.


A necessidade de adoção de medidas complementares ao sistema oficial de vigilância da febre amarela (SINAN) orientado pelo Ministério da Saúde, como a utilização de planilhas para monitoramento dos casos, para dar mais agilidade às análises de situação, comunicação e resposta, somada à necessidade da implementação de uma ficha de investigação complementar, chamou atenção para a revisão dos instrumentos oficiais adotados pelo sistema de vigilância da febre amarela no país. Recentemente, essa vigilância implementou mudanças e adequações do sistema de vigilância epidemiológica, favorecendo o monitoramento mais oportuno da doença, como por exemplo, a previsão de áreas de ocorrência e a atualização sistemática da situação de saúde conjuntamente com os estados.


Ainda que tenha havido limitações na vigilância das epizootias do Espírito Santo, destaca-se a ótima oportunidade diagnóstica dos casos em humanos, dado que quase três quartos deles tiveram confirmação laboratorial pela técnica RT-PCR, que geralmente é realizada até o quinto dia de evolução da doença. A preferência pela sua realização até tal limite de tempo se justifica por ser esse o período de maior viremia, mas pode haver detecção até o 10º dia. O fortalecimento da capacidade de realização de testes diagnósticos e resposta laboratorial oportuna em todos os níveis está listado entre as estratégias de eliminação da febre amarela preconizadas pela OMS, assim como a estratégia de imunização.


A interação direta com as principais unidades notificadoras (incluindo rede privada) e a central de regulação do estado pode ter viabilizado a notificação e a investigação mais precoces dos casos, melhorando a oportunidade de orientações e coletas para exame diagnóstico. O mesmo pode ser dito para o encaminhamento e a regulação da assistência à rede de referência no estado, conforme discutido previamente pelos autores.


Por se tratar de uma área previamente sem recomendação para vacinação contra febre amarela, foram necessárias estratégias rápidas de organização, aquisição e/ou realocação de insumos e pessoal para implementação da vacinação em todos os municípios do estado, além de comunicação e estruturação de eventos de vacinação em massa mediante a rápida expansão da circulação do vírus no território.


De acordo com o artigo, a vacina é o recurso mais efetivo e eficaz na prevenção da febre amarela em humanos, devendo-se manter alta cobertura vacinal nas localidades de circulação do vírus amarílico para evitar ocorrência de surtos da doença. Entretanto, sabe-se que a imunogenicidade relacionada à vacina contra febre amarela leva 10 dias a partir de sua administração para ser constituída. Portanto, é esperada a ocorrência de casos em humanos quando a imunização de uma população suscetível se inicia em vigência de circulação do vírus amarílico. Este cenário foi o ocorrido no Espírito Santo, dado que as ações de imunização foram desencadeadas após o aparecimento dos casos.


O reconhecimento da limitação da vigilância na detecção da real área com circulação viral fez com que a vigilância adotasse uma definição de caso mais sensível, seguindo-se as recomendações em situações de surtos. Assim, observam os autores, a definição de caso adotada pela vigilância do Espírito Santo, que desconsiderou a condição de vacinados e de antecedentes de epizootias (alguns municípios registraram casos em humanos sem detecção de epizootias) para suspeição de caso, possibilitou sua captação e confirmação quando não atendiam a definição tradicional, preconizada pelo Ministério da Saúde na ocasião.


Como limitações deste estudo, os pesquisadores apontam o fato de lidar com dados secundários, de notificação, provenientes de instrumentos paralelos adotados pela vigilância da febre amarela para dar maior agilidade às respostas de emergência em saúde pública. Este fato também limitou respostas a algumas hipóteses levantadas. Porém, o estudo, além de retratar a dinâmica da epidemia de febre amarela em área previamente indene, conseguiu retratar as ações e tomadas de decisões que foram desencadeadas no enfrentamento da epidemia (controle e prevenção).


Foi possível ratificar a importância da resposta rápida e coordenada para controle e prevenção de novos casos, visto que estes não foram identificados em períodos sazonais sequentes. O estudo permitiu também identificar algumas falhas na vigilância que servirão para aprimoramento e melhorias em sua estruturação e operacionalização no que diz respeito à febre amarela no Estado do Espírito Santo, além de fornecer alguns subsídios para avaliação das ações em outros cenários e regiões do país, concluíram.


Foto de capa: Josué Damacena (Fiocruz)


Fonte: CSP

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