Busca do site
menu

Conheça a história de Ramila, selecionada para o Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP

ícone facebook
Publicado em:23/09/2021

Por: Danielle Monteiro

Com seis anos de idade, Ramila perdeu o pai brutalmente. O trauma psicológico foi forte, ela não entendia por que aquilo havia acontecido. Revoltada, ficou descrente de tudo, inclusive dos próprios estudos. Chegou até a reprovar de série. Sua mãe, preocupada com o desempenho da filha na escola, prometeu a ela um celular, caso passasse de ano. Foi quando as coisas começaram a mudar na vida de Ramila. “Comecei a pegar o gosto pelos estudos. Aprendi a ler, passei a ser aluna destaque e ficar bem colocada em Olímpiadas e em competições de redação. Me apaixonei por literatura e leitura de livros, e fui formando meu aprendizado”, conta a jovem. Com uma história de vida desde cedo muito sofrida e cheia de desafios, Ramila conseguiu superar os obstáculos e hoje está entre os alunos recentemente selecionados para o Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP.

Segundo a professora e pesquisadora da ENSP, Andréa Sobral, é um privilégio ter a oportunidade de orientar Ramila que, com muita dedicação e estudo, conquistou uma vaga para o mestrado. “A história dela está totalmente alinhada com a missão do Programa e com o forte compromisso que temos com a inserção social. Preparamos profissionais qualificados para o exercício profissional e acadêmico que irão contribuir para melhoria das condições de vida da sociedade, diminuindo as assimetrias regionais e as desigualdades da sociedade brasileira no que tange ao acesso à Saúde Pública e meio ambiente equilibrado”, afirma.

Por ter uma condição social menos favorecida, o caminho para continuar estudando e correndo atrás dos sonhos foi tortuoso para a filha de agricultores moradora do interior do Piauí. Para completar o Ensino Médio, em uma escola que ficava longe de casa, ela precisava se deslocar em um pau de arara, transporte irregular frequentemente usado no nordeste brasileiro, que oferece pouca segurança. “Corríamos muitos riscos, enfrentando sol, chuva. E, no período do inverno, atravessávamos lama e rios cheios. Eu saía às 11 horas da manhã e chegava em casa às 8 horas da noite, percorrendo quase 50 km para ir e voltar. Era muito cansativo e perigoso. Muitos desistiam, só aguentava mesmo quem realmente queria estudar”, conta.

No terceiro ano do Ensino Médio, Ramila conseguiu se mudar para a cidade onde ficava sua escola. Assim, conseguiria se preparar melhor para o Enem. Embora não precisasse mais se deslocar 50 km, tinha que se desdobrar entre estudar e trabalhar como babá e professora particular, para poder ajudar nas contas em casa. Sua mãe também precisou trabalhar em casa de família para ajudar. Mais para frente, Ramila conseguiu colher os bons frutos de tamanho esforço. “Finalmente havia sido aprovada no Enem. Cheguei a passar em seis cursos diferentes. Dois deles ainda no segundo ano do Ensino Médio. Mas, escolhi Ciências Biológicas na Universidade Federal do Piauí, devido a minha paixão por laboratórios e ciências naturais”, diz.

Durante a graduação, as dificuldades não acabaram. Ramila e sua mãe enfrentaram problemas de saúde e sofreram perdas familiares. No entanto, mais uma vez, a jovem conseguiu superar as dificuldades e ascender na vida acadêmica.  Ainda no segundo período do curso, ela entrou em um grupo de pesquisa na Lapedone (Laboratório de Pesquisa em Ecologia e Doenças Negligenciadas). Posteriormente, ganhou iniciação científica, monitorias e extensão, além de participar de congressos e eventos nacionais na área. 

Em 2018, aconteceu o grande divisor de águas na vida de Ramila. Foi quando ela foi selecionada para um curso de extensão em Biologia Celular e Molecular na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Neste momento, ela teve, de vez, a certeza de que queria fazer mestrado em uma instituição grande e conceituada. “Até então, eu não tinha certeza se era capaz”, desabafa.

Em 2019, a jovem finalmente se formou em grande estilo: além do diploma, recebeu o certificado de Laurea Universitária da reitoria, um atestado de honra para os alunos com rendimento destacado na instituição.  “Para mim, foi a conclusão, com ‘chave de ouro’, de um ciclo de muitas batalhas, sofrimentos, abdicação e dificuldades. Não podia ter sensação melhor do que saber que enfrentei tudo aquilo, mas que, ao final, consegui conquistar tanto, para uma simples garotinha do interior”, comemora.

“Voe. Voe alto. Você é capaz”

Mesmo se sentindo muito realizada, Ramila queria ir além. A graduação em Biologia despertou nela ainda mais a paixão pela pesquisa e a vontade de prosseguir com o mestrado e doutorado. Mas, aí, veio a pandemia, e a jovem se viu enfrentado o que seria a maior dificuldade em sua vida para alcançar seu sonho: “Como eu morava no Piauí e os programas de mestrado que eu tinha como opção eram no Sudeste, me via impossibilitada de participar dos processos seletivos. Confesso que esse foi um dos momentos mais difíceis para mim, de me ver trancada dentro de casa, sem poder estudar, pesquisar e fazer algo de que gosto. Procurei fazer duas especializações de casa mesmo para tentar ocupar minha mente, até quando, no momento certo, surgiu a oportunidade da seleção para o mestrado da ENSP, que era online e eu conseguiria fazer”, conta.

Agora, como nova aluna do mestrado da ENSP, Ramila pôde reencontrar mais uma de suas paixões: a Saúde Pública. “Sempre gostei demais de questões de Saúde, saúde e adoecimento, populações vulneráveis, questões sociais etc. E como sempre fui muito crítica do sistema e das desigualdades sociais, principalmente no acesso e assistência em Saúde para os mais vulneráveis, eu queria fazer algo em que eu pudesse contribuir com essas populações, em que eu pudesse ajudar de alguma forma essas pessoas e os problemas que elas enfrentam”, afirma. 

Mas os sonhos de Ramila não acabam aí. Ela quer voar ainda mais alto. Após o mestrado, quer fazer dourado e, posteriormente, seguir a carreira como pesquisadora e professora, pois é o que sabe e ama fazer. “Me sinto muito realizada na academia. Mas também quero muito trabalhar em conjunto com a comunidade e poder dar retorno dos meus achados acadêmicos para a viabilização de controle e prevenção de doenças, principalmente para as populações vulneráveis. E é neste sentido que gosto muito da Fiocruz, porque vejo que a instituição se preocupa com essa questão de ‘dar um retorno para a sociedade’, pois bato muito na tecla de que nós, pesquisadores, temos que romper a bolha da Academia e compartilhar nossos achados com a comunidade, para que possamos, além de atingir os objetivos científicos e acadêmicos, também alcançar os objetivos sociais”, revela.

Para aqueles que, assim como ela, enfrentam tantas dificuldades para alcançar seus sonhos, Ramila dá uma dica: “O principal de tudo é acreditar e não desistir, mesmo apesar de toda e qualquer dificuldade. Pois, infelizmente, o Brasil ainda é um país com inúmeras desigualdades sociais, e as pessoas de classe menos privilegiada têm que ralar dobrado para alcançar voos mais altos, como eu tive que fazer. O ideal seriam políticas públicas de inclusão e equidade no acesso aos serviços de Educação e melhoria na qualidade de vida de toda a população. Como, infelizmente, não temos isso, cabe a nós contar com nossa perseverança e determinação. O que eu poderia dizer é: ACREDITE nos seus sonhos, ACREDITE no poder da Educação, ACREDITE em você. Voe. Voe alto. Você é capaz. Só basta acreditar e fazer acontecer!”, conclui a jovem guerreira.  


Seções Relacionadas:
Documentos da Pós-Graduação Ensino

Nenhum comentário para: Conheça a história de Ramila, selecionada para o Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP