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‘Cadernos de Saúde Pública’ de outubro aborda a Covid-19 e os povos indígenas no Brasil

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Publicado em:26/10/2020

O editorial da revista Cadernos de Saúde Pública, assinado pelos pesquisadores da ENSP, Ricardo Ventura Santos e Ana Lucia Pontes; e  Carlos E. A. Coimbra Jr., da UFRJ, considera que, no atual contexto político, muitos dos direitos constitucionais indígenas têm sido ameaçados, e são muitas as fragilidades do Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, o que se reflete em elevados níveis de adoecimento e morte por causas evitáveis. “Um alento é que o protagonismo das lideranças, comunidades e organizações indígenas tem se mostrado dinâmico e intenso, tanto no sentido de apresentar denúncias como apresentando proposições e implementando iniciativas para o enfrentamento de condições tão adversas”, ressaltam eles. Confira o conteúdo completo.


Segundo o editorial, a pandemia de Covid-19, seja em escala global ou em cada um dos países e regiões onde o vírus circula, é, de nosso ponto de vista, um desses processos que pode ser interpretado como “fato ou fenômeno social total”. Nela se manifesta um amplo leque de dimensões (economia, religião, legislação, moralidade, estética, ciência), em imbricações altamente complexas. Todavia, em segmentos sociais específicos, observam-se conformações próprias. É o caso dos povos indígenas no Brasil, uma parcela da população que tem sido duramente atingida pela pandemia.


A Covid-19, dizem os pesquisadores, como “fato social total”, expõe as múltiplas dimensões e tensões provocadas pela atuação do Estado na implementação de políticas públicas dirigidas a minorias étnico-raciais no Brasil. Ficam evidentes não somente os impactos, como também as modalidades de resistência e enfrentamento do movimento etnopolítico indígena. Isso para não mencionar que as implicações da pandemia envolvem questões que, no caso dos povos indígenas, vão desde a insegurança alimentar e medo de sair das aldeias à violência simbólica de não ser possível realizar ritos funerários tradicionais, no caso de pessoas falecidas decorrentes da Covid-19.


Epidemias de doenças infecciosas e parasitárias têm sido trágicas recorrências ao longo dos cinco séculos da história da relação entre os colonizadores e os povos indígenas no que é atualmente o território brasileiro. E não são eventos de um passado distante, prossegue o editorial. Persistem na memória individual e coletiva de muitos povos que, não muitas décadas atrás, sofreram os efeitos de doenças associadas ao contato. Em especial na Amazônia Legal, durante a segunda metade do século XX, dezenas de povos que viviam em isolamento, ou parcialmente isolados, foram súbita e violentamente impactados por projetos desenvolvimentistas. Por terem seus territórios situados em áreas cruzadas por rodovias e rapidamente ocupadas por não indígenas, esses povos foram arrasados por epidemias de sarampo, influenza, malária e tuberculose. De acordo com o editorial, centenas de indígenas morreram nos desastrosos episódios que marcaram esse momento histórico de povos como os Suruí, Nambikwara e Cinta Larga, cruzados pela BR-364, os Assurini, Araweté e Paracanã, situados na linha da Rodovia Transamazônica, os Waimiri-Atroari, interceptados pela BR-174, e tantos outros povos cujo espaço não nos permite mencionar. Tamanha violência ainda está presente na memória social desses povos, tanto entre os idosos, que sobreviveram às epidemias, como também nos mais jovens, que ouvem de seus avós e outros parentes mais velhos sobre o sofrimento e o desespero que atingiram as comunidades.


Inquestionavelmente, alertam os autores, a crise provocada pela pandemia de Covid-19 põe em evidência a maior vulnerabilidade política, social e ambiental dos povos indígenas. Em uma atmosfera cotidiana de violência e discriminação, ser indígena no Brasil implica viver sob precárias condições de saneamento e habitação; enfrentar confrontos com invasores e os danos por eles provocados em seus territórios; lidar com insegurança alimentar e falta de acesso à água potável em seu dia a dia; conviver com uma elevada mortalidade infantil; ter sua presença invisibilizada no contexto urbano; ter uma infância marcada pela desnutrição crônica, que acomete cerca de 25% das crianças indígenas menores de cinco anos no país, além de doenças infecciosas e parasitárias como diarreia e pneumonia, principais causas de adoecimento e morte da criança indígena, relata o editorial. Esses e outros exemplos apontam para profundas iniquidades em saúde, de recorte étnico-racial, prevalentes no país, alimentando as condições para “uma epidemia perfeita”, como é o caso do que ocorre atualmente face à Covid-19. E ainda afirmam que, apesar da existência do Subsistema de Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (SASI-SUS), voltado para assegurar atenção primária à saúde em territórios indígenas, a ausência de uma resposta rápida, articulada e efetiva tem levado a uma catástrofe humana.


Como se articula a digressão feita antes com o lócus específico, qual seja, a seção de Editorial de um periódico científico no qual se localizam essas reflexões? Os pesquisadores respondem a essa indagação argumentando que este editorial está sendo publicado nas páginas de um periódico científico que, ao longo das últimas três décadas, foi um dos principais veículos de publicação de trabalhos científicos sobre a temática da saúde dos povos indígenas no Brasil. As reflexões sobre o campo da saúde indígena em Cadernos, assim como a atenção dada à temática em diversas outras iniciativas editoriais da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), como é o caso da Editora Fiocruz, fazem parte de um histórico compromisso da instituição com a construção das políticas públicas direcionadas aos povos indígenas.

Um dos artigos dessa edição da revista A medida da fome”: as escalas psicométricas de insegurança alimentar e os povos indígenas no Brasil, de Adriana Romano Athila e Maurício Soares Leite, trata do fato dos povos indígenas não serem, especificamente, examinados nos levantamentos da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), que avalia e mensura a experiência de insegurança alimentar de domicílios rurais e urbanos, inicialmente na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e posteriormente na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde. Nesse cenário, os autores analisam e discutem a aplicação da EBIA entre povos indígenas do país, com base em um conjunto de questões aqui consideradas fundamentais para a compreensão e a mensuração de sua experiência de insegurança alimentar e “fome”. É realizada uma análise sociopolítica e etnográfica de um conjunto de documentos oficiais e artigos significativos sobre o uso de escalas psicométricas de insegurança alimentar entre povos indígenas brasileiros, em contraste com artigos internacionais sobre a validação e aplicação das escalas em outros contextos socioculturais. As iniciativas de adaptação e aplicação da EBIA aos contextos indígenas brasileiros indicam que compreender e mensurar a insegurança alimentar entre esses povos é um desafio de magnitude considerável.Particularmente complexa é a proposta de garantir a comparabilidade entre contextos distintos sem deixar de contemplar as plurais singularidades locais. Eles propõem que estudos etnográficos constituam componentes específicos de futuras iniciativas dedicadas ao tema, e que contemplem aspectos como a sazonalidade da produção de alimentos, seus processos diferenciais de monetarização e o dinamismo de seus sistemas alimentares.

Confira o conteúdo completo do Cadernos de Saúde Pública aqui.



Fonte: CSP

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