Frigoríficos no Rio Grande do Sul apresentam altas taxas de covid-19
Por Thamiris L. Carvalho
Era tarde de uma quinta-feira quando enviei mensagem para o presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA/RS), Paulo Madeira, perguntado se ele poderia conceder uma entrevista para o Informe ENSP sobre a situação dos frigoríficos no estado do Rio Grande do Sul frente a covid-19. Ele me respondeu para quando seria, pois, naquele momento, estava na estrada para visitar várias dessas fábricas para conversar com esses trabalhadores. O roteiro era da cidade de Lajeado até a fronteira, o que dá, em média, 530km. Todo esse esforço para garantir a segurança dos trabalhadores e verificar a condição de trabalho diante da pandemia.
“Desde segunda-feira (10/8), começamos uma jornada da Federação passando por todas as cidades que tem frigoríficos no RS, conversando e esclarecendo os trabalhadores sobre a pandemia. Estávamos falando com os trabalhadores pelas redes sociais, mas tiramos o mês de agosto para ter uma aproximação deles, para ouvi-los e, com isso, a gente mudar o futuro, com um ambiente de trabalho mais tranquilo e que não prejudique a saúde deles”.
No estado do Rio Grande do Sul, as cidades com esse tipo de estabelecimento estão entre as mais atingidas pelo novo Coronavírus. Desde o início da pandemia, os números de casos nessas indústrias não param de subir, já que o ambiente é muito propicio para a proliferação do vírus. Ambientes fechados, com pouca renovação de ar, trabalho sem distanciamento, dentre outros. Tudo isso chamou atenção do Ministério Público do Trabalho do Estado (MPT/RS) que começou a autuar os estabelecimentos. O primeiro deles foi no dia 24 de abril, quando o órgão lacrou uma unidade de um frigorífico, onde 62 dos seus funcionários tinham sido contaminados e outras seis pessoas que tiveram contato com eles vieram a óbito.
As primeiras informações de casos nos frigoríficos chegaram para a Federação no dia 14 de março, segundo Paulo. Junto com as informações chegaram também às preocupações dos trabalhadores. “No início da pandemia a maior preocupação era o medo, especialmente pela falta de distanciamento. Eles queriam saber o que ia acontecer como, por exemplo, se o grupo de risco iria parar de trabalhar, se continuariam recebendo salário integral e como seria o procedimento das empresas caso os trabalhadores fossem se contaminando”, citou Paulo. Segundo ele, hoje, o medo ainda permanece e as preocupações aumentaram principalmente as ligadas à proteção. “As principais reclamações hoje são ligadas aos EPI’s (Equipamentos de Proteção Individuais), em especial as máscaras. Agora, o MPT assinou junto a alguns frigoríficos o fornecimento das máscaras PFF2”.
A PFF2 é uma máscara descartável de proteção respiratória, com respirador purificador de ar, semi-facial e filtrante de partículas, o que protege mais os trabalhadores de várias infecções. Mesmo com esses benefícios e o acordo, ainda surgiram dúvidas a respeito da utilização e fornecimento do material. Paulo explica que, segundo as orientações do fabricante das máscaras, ela pode ser utilizada por cinco dias. Mas o entendimento da Federação em relação à utilização deste objeto nos frigoríficos é diferente. “Entendemos que ela tem cinco usos. O trabalhador coloca e tira para tomar café, já conta como uso, além da umidade e dos respingos de sangue dos animais que sujam a máscara. Mesmo com isso, as empresas não querem trocar e exigem que os trabalhadores usem os cinco dias”, explicou Paulo sobre o que considera ser uma das maiores preocupações dos funcionários.
Para amenizar e proteger os trabalhadores, a Federação conversou, desde o início da pandemia, com as empresas e sempre municiou o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul com muita informação para que eles pudessem atuar. Além disso, algumas ações foram criadas para ajudar no combate a disseminação da doença. “Com nossos diretores de chão de fábrica juntamente com os trabalhadores, construímos as ações de aumentar o número de frotas de ônibus, para colocar um trabalhador em cada banco, a utilização do álcool gel, as desinfecções dos transportes tanto na ida quando na volta do trabalho, espaçamentos de acrílicos entre os trabalhadores, já que eles trabalham próximos”, salientou Paulo.
Mas, indo além dessas ações, Paulo fala sobre a principal delas, que, segundo ele, foi uma batalha para conseguir esse direito para os trabalhadores em alguns frigoríficos. “Brigamos para diminuir a jornada de trabalho deles e conseguimos reduzir por seis horas em alguns frigoríficos.”
Número de infectados é alto
“O número exato de infectados não temos ao certo. Alguns frigoríficos não mandam os números. Mas o que sabemos é que, do total de números de infectados em todo o estado, de 25 a 30% são trabalhadores desse setor. É um número muito grande”. Um número que assusta. Seguindo as informações dadas pelo presidente da Federação, e utilizando a menor das porcentagens, hoje 26mil pessoas infectadas pelo coronavírus no RS são trabalhadores dessas indústrias.
Os erros cometidos pelos frigoríficos ajudaram a elevar este número. Segundo Paulo, a demora das ações das indústrias foi um dos principais erros. “Viemos conversando com as empresas desde março para que medidas fossem tomadas, mas, eu acho que os frigoríficos não estavam acreditando muito na pandemia. Então, os trabalhadores vinham contaminados ou se contaminavam no trabalho, o que contribui para o espalhamento do vírus dentro e fora das indústrias”, enfatizou Paulo.
E toda essa situação atual pode refletir nas futuras condições de vida e trabalho dos frigoríficos. Paulo acredita que discutir novas condições é essencial ir para além da pandemia. “Com certeza os órgãos competentes terão que discutir as questões sanitárias, por lidar com produtos in natura. Além disso, os órgãos que gerenciam a questão da sanidade animal precisam achar soluções de como fazer a renovação de ar sem afetar o produto, a questão da umidade, a parte de maquinário para ter um espaçamento maior entre os trabalhadores”, apontou Paulo, acreditando que se houver bom senso por parte das empresas e dos órgãos que fiscalizam os frigoríficos, os aprendizados dessa pandemia geram um legado de condições de trabalho mais adequadas para o trabalhador.
Nada mais justo para trabalhadores que foram considerados essenciais e que, segundo Paulo, trabalharam tanto a ponto de não ter mais animais confinados para o abate. “Se um dia os frigoríficos alegarem que houve a queda de produtividade é mentira. Mesmo com todo o medo, os trabalhadores não deixaram de trabalhar e produzir com qualidade. Isso deixa um aprendizado: mesmo produzindo em alta escala e com um número reduzido de funcionários, podemos dar uma condição melhor aos nossos trabalhadores.”
A carne mais barata do frigorífico é a do trabalhador
A Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins - CNTA, em parceria com a Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação da CUT - CONTAC e com a Regional Latinoamericana de La UITA - REL-UITA lançaram no último dia 19, juntamente, com a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação RS (FTIA/RS) e CUT/RS a campanha ‘A carne mais barata do frigorífico é a do trabalhador’.
Foto de capa: Sílvio Ávila/Mapa
Foto matéria: FTIA / RS
Fonte: Thamiris L. Carvalho
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