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Quais são os impactos sociais da Covid-19?

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Publicado em:13/08/2020
Quais são os impactos sociais da Covid-19?O alcance global da pandemia de Covid-19, atingindo os quatro cantos do planeta, o caráter pandêmico das fake news e a insegurança quanto ao acolhimento e o cuidado em saúde no enfrentamento à doença foram alguns dos pontos levantados no debate Impactos sociais da Covid-19, realizado no dia 5 de agosto, pelo Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos (Ceensp/ENSP). O evento reuniu os pesquisadores Marcelo Rasga, do Departamento de Ciências Sociais (DCS) da ENSP, e Alessandro Jatobá, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Ficoruz), com coordenação do também pesquisador do DCS, Nilson do Rosário.
 
Marcelo Rasga trouxe números da pandemia para destacar sua especificidade e as consequências daí decorrentes: trata-se de um problema “efetivamente global”, enfrentado por 188 países, dos mais diversos perfis e regiões geográficas, 25 deles com mais de 100 mil casos. Marcelo citou, entre outros, os Estados Unidos, Brasil e Índia com mais de 1 milhão; Rússia e África do Sul, com mais de 500 mil; Chile, Colômbia, Reino Unido e Espanha, com mais de 300 mil; e Arábia, Itália, Bangladesh, Turquia, Alemanha e Argentina, com mais de 200 mil casos.
 
“Nos números da pandemia estão citados os Brics, o Oriente Médio, União Europeia, África, América do sul... Pela primeira vez, estamos vivendo algo com reflexo mundial global”, observou Marcelo Rasga, destacando a importância de as Ciências Sociais apontarem questões sobre as quais a sociedade, as instituições e a política devam refletir.
 
 
Alessandro Jatobá apresentou os resultados de duas pesquisas realizadas pelo CEE-Fiocruz, em parceria com a ENSP e a UFRJ. Uma para identificar a relação da sociedade com as medidas não farmacológicas no enfrentamento da Covid-19, tais como o isolamento social e o uso de máscaras, e outra voltada à atuação dos agentes comunitários de saúde frente à pandemia, nos territórios assistidos pela Estratégia Saúde da Família (ESF).
 
 
“Gostamos muito de falar em global quando algo atinge o Ocidente, a Europa e repercute. A pandemia é um problema global, por estar presente em todos os países. Temos um problema com repercussão global real na vida cotidiana das pessoas em diferentes países”, assinalou Marcelo Rasga.
 
O pesquisador conduziu sua análise tomando como ponto de partida uma abordagem do psicanalista Joel Birman, que prepara livro, com outros autores, defendendo que a pandemia de Covid-19 seria o novo marco do início do século 21, tendo em vista a dimensão desse acontecimento. “A ideia é polêmica, mas gostei dela. Se é isso, se o século começa pela pandemia, se ela é o conjunto de processos que deflagra o século 21, fui buscar outros deflagradores, em outros momentos, e me deparei com o historiador Eric Hobesbawn, no livro A era das revoluções: 1789 a 1848”, relatou. “Ele escreve que conseguimos identificar o impacto dessas revoluções por um indicador muito interessante: expressões como mão de obra, classe trabalhadora, classe média, salário, fábrica e exploração ganham destaque naquele período. De fato, o esforço que fazemos para pensar a sociedade contemporânea sem essas palavras mostra sua exata importância e a exata importância da Era das Revoluções”, destacou Marcelo, para observar, no entanto, que a análise de Hobsbawn se dá quase dois séculos depois de as revoluções se instalarem. “Ele teve algo que nós não temos: tempo. Nós não temos esse tempo. Estamos lutando pela nossa vida”, ponderou.
 
A partir dessas observações, o pesquisador destacou o mau uso que se faz do termo ´polêmica', para botar em pauta uma discussão sobre fake news. “O mau uso de uma palavra baseia-se em pegar a palavra, esvaziá-la de seu uso original e colocar no lugar um sentido próprio, para atender interesses”, definiu. Ele observou que as fake news caracterizam-se não só por aquilo que noticiam, mas por deslegitimar as instituições que viriam apontá-las como um equívoco. “As fake news têm esse efeito prolongador. E duas instituições estão sofrendo muito com isso: a ciência e a política”.
 
Marcelo Rasga observou que, da mesma forma que a Covid-19 está presente e gera preocupação e sofrimento em 188 países, as fake news em torno da pandemia assumem caráter pandêmico também. “E, ao se fazer  necessário entendê-las como mercadoria; são geradoras de uma economia própria. Vão diretamente a uma população que não tem recursos para consumir outras mercadorias”, analisou, destacando tratar-se de um tema a ser discutido como gerador de impacto social.
 
Para o pesquisador, o advento de uma vacina contra a Covid-19 capaz de imunizar a maioria da população será “uma vitória monumental da ciência”, equivalente a algo tão importante para a humanidade quanto as grandes navegações e a ida ao espaço. “Significa que, em um ano ou dois, a ciência conseguirá dar uma resposta a uma pandemia, durante a existência dessa pandemia. Isso mudou completamente o fazer científico”. No entanto, assinala Marcelo, ainda não se sabe responder quem terá acesso a essa vacina. Ele lembrou que um estudo apontou que, durante a pandemia, 42 bilionários brasileiros tiveram um aumento de 34 bilhões de dólares em suas contas ou R$ 180 bilhões, valor superior ao do orçamento do Ministério da Saúde, de R$ 160 bilhões. “Vamos dar o salto, sim, mas quem vai usufruir desse salto?”, indagou. 
 
Alessandro Jatobá apresentou os resultados dos dois estudos dos quais participou, voltados a aspectos sociais da pandemia. O primeiro deles, sobre a percepção da população brasileira acerca da adoção de intervenções não farmacológicas no enfrentamento da pandemia, buscou captar as impressões e atitudes sobre aspectos como medidas de isolamento social, procedimentos de restrição das atividades econômicas, fechamento de escolas e comércio e introdução de hábitos higiênicos, como lavagem das mãos com frequência e uso de álcool gel. O estudo foi realizado em abril de 2020, quando o país contava 114 mortes por Covid-19 e 1.661 mil casos da doença, “em um contexto de intenso debate público, forte polarização entre os discursos dos governos federal e regional, academia e opinião pública em geral, e diversidade de informação”, lembra Jatobá. “Ali já se discutia a possibilidade de flexibilização, ainda que se estivesse começando a adotar as medidas de isolamento”.
 
Um questionário com dez perguntas objetivas foi disponibilizado online nos canais oficiais da Fiocruz e disseminado pelas redes sociais durante 12 horas, alcançando 147.550 mil respostas. “Para estudar esse fenômeno, tínhamos necessidade de coleta de dados rápida, em um momento em que não podíamos ir para a rua. Resolvemos adotar uma estratégia de coleta semelhante à de seleção e recrutamento por bola de neve, em que o participante pode indicar a pesquisa a outros participantes”, explicou, adicionando que a metodologia incluiu também a abordagem de crowdsourced data, que parte da premissa de que o acesso às preferências e percepções de uma grande parcela da população possibilita gerar rapidamente maior quantidade de informação qualificada sobre circunstâncias que a afeta.
 
 
O público respondente conformou-se com perfil de classe média, concentrado na região Sudeste, tendo em vista a forma como a pesquisa se disseminou, a partir do Rio de Janeiro e dos canais da Fiocruz, contabilizando-se 60% com ensino superior, 69% empregados e 79% com plano de saúde privado, entre outros dados. A grande quantidade de respondentes, no entanto, permitiu “a estruturação do dimensionamento da análise para praticamente todos os estratos da sociedade brasileira”, conforme apontou o pesquisador.
 
Foram analisados aspectos como relação com as fake news, confiança na ciência, segurança/insegurança diante da pandemia, emprego/desemprego e uso de plano de saúde. Os respondentes não se mostraram influenciados pelas fake news: 99% discordavam da afirmação inicial de que a doença atingiria mais os ricos; 94% discordavam de que a Covid-19 é uma gripezinha e o mesmo percentual informou conhecer os procedimentos de proteção.
 
O conjunto mostrou também ter confiança na ciência: 92% indicaram não dar importância a informações negacionistas e 90% disseram confiar exclusivamente em informações de autoridades científicas.
 
No quesito segurança, 25% dos empregados afirmaram acreditar que perderiam o emprego, e 28%, que precisariam de ajuda financeira do governo. Somente 27% disseram acreditar que conseguiriam atendimento médico com facilidade, mesmo entre os que possuíam plano de saúde. “Como principal conclusão, observamos uma sensação forte de insegurança social, relacionada com certo veto à informação e construída na sociedade independentemente do tráfego de fake news”, destacou Jatobá. “Naquele momento, a percepção sobre adoença era mais compatível com a informação científica do que com as fake news”.
 
Desse estudo, derivou um segundo, realizado com os agentes comunitários de saúde, para identificar como estavam realizando suas atividades em comunidades cobertas pela Estratégia Saúde da Família durante a pandemia. Essa pesquisa realizou-se entre 5 de maio e 17 de julho, quando a pandemia já tinha caráter comunitário e avançava para as comunidades carentes, e ainda em um momento no qual as condições de trabalho dos profissionais de saúde estavam em pauta nos debates. “Os agentes comunitários são atores sociais importantes na garantia de acesso à saúde, principalmente em comunidades carentes”, observou o pesquisador.
 
Dessa vez, foi encaminhado um questionário on-line com 15 perguntas objetivas a uma base de dados de agentes comunitários, já construída a partir de pesquisas anteriores do CEE-Fiocruz, ampliada pelo método bola de neve, obtendo-se uma amostra de 775 agentes, distribuídos por todo o país. Entre os resultados obtidos, verificou-se que 67% das unidades básicas de saúde estavam funcionando normalmente e 96% dos agentes estavam com salários em dia, mesmo em um cenário em que se registrava atraso de salários. Apenas 27%, no entanto, afirmaram manter-se com as metas de visitas domicialiares aos moradores em patamares anteriores à pandemia; 74% não haviam sido testados para Covid-19 ; 76% tinham realizado visitas nas duas semanas anteriores à pesquisa; e 18% informaram apresentar sintomas naquele período.
 
Quanto ao engajamento das comunidades, somente 20% afirmaram que estas se mobilizaram, com “muito pouca atuação das associações de moradores, isto é, do controle social”. Somente 14% reportaram alta atenção nas comunidades que assistiam; 60% informaram estar sendo evitados pelos moradores, que temiam se contaminar; e somente 2% disseram se sentir confiantes em passar recomendações aos moradores.“Os agentes comunitários mostraram-se inseguros em suas atividades”, destacou Jatobá. “Medo e insegurança estavam ali, entre os moradores e os agentes”.
 
O estudo incluiu cruzamentos que buscaram relacionar o sentimento de insegurança identificado a outros fatores. Foi observado que a adesão baixa à medida de isolamento social por parte dos moradores levava a um aumento da insegurança dos agentes comunitários em 90%. “A probabilidade de um agente se sentir inseguro para realizar suas atividades foi de 2,6%”, contabilizou a pesquisa. Já no caso de o profissional receber treinamento, a insegurança mostrou cair pela metade. “O treinamento foi o aspecto que mais interferiu na sensação de insegurança”, observou Jatobá, destacando que os resultados podem apontar para uma crise de confiança na relação das comundiades com o serviço e indicar perigo de disseminação da Covid-19.
 
Sobre as condições de trabalho, a preparação dos agentes comunitários consistiu, em grande medida, apenas no fornecimento de equipamentos de proteção individual. “E o próprio agente também pode se tornar vetor de disseminação da doença”, lembrou o pesquisador. “Assim, é um público a ser olhado com atenção”.
 
De acordo com Jatobá, as duas pesquisas realizadas trazem à tona a sensação de insegurança social, um aspecto que deve continuar a ser estudado.
 
Após as exposições, o moderador do debate, Nilson do Rosário, destacou que, ao longo da história brasileira, as crises sanitárias estiveram associadas a avanços na intervenção do Estado sobre a saúde. “Oswaldo cruz, gripe espanhola e, mais recentemente, a crise de meningite nos anos 1970 alavancaram a capacidade de intervenção tecnológica do Estado brasileiro no campo da saúde”, citou. Nesse sentido, lembrando que o país tem “uma estrutura bastante desenvolvida” no campo da Vigilância em Saúde, em especial na Vigilância Epidemiológica, o pesquisador deixou a indagação quanto o qual será o desdobramento da pandemia de Covid-19. “A pandemia gera desafios imensos e também oportunidades inesperadas”.
 
Acompanhe abaixo à cobertura completa do evento:
 

 


Fonte: CEE
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