Transtornos mentais durante a gravidez e pós-parto esbarram em estigma, mostram pesquisadoras
A depressão pós-parto (DPP) é um grande desafio de saúde pública global e uma das principais complicações associadas com o nascimento. A doença acarreta efeito nocivos também sobre a saúde da criança. Embora existam centenas de estudos acerca da depressão pós-parto publicados, faltam dados acurados em âmbito nacional e global com as estimativas de prevalência. Mariza Theme, pesquisadora do Departamento de Epidemiologia da ENSP e coordenadora do Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcelos (Ceensp), realizado no dia 12 de fevereiro, apontou que, em uma metanálise de 291 estudos com mais de 296 mil mulheres de 56 países, foi identificada prevalência de 17,7% de casos no mundo, com grande heterogeneidade entre países. Os dados, expostos na apresentação intitulada “Saúde Mental Materna no Brasil: desafios e perspectivas” , mostraram que países com altas taxas de desigualdade econômica e mortalidade infantil, além daqueles lugares onde as mulheres em idade reprodutiva trabalham por 40 horas semanais ou mais, tiveram maior porcentual de casos de DPP. “Juntos, esses três fatores são responsáveis por 73% da variação da prevalência”, apontou a pesquisadora.
O Ceensp abordou a prevenção e o acolhimento dos transtornos mentais que ocorrem durante a gravidez e o pós-parto. “Saúde mental perinatal, desafios e perspectivas” foi o tema do evento que teve ainda a participação da professora Ana Cunha, da UFRJ, e da pesquisadora Susan Ayers, do Reino Unido.
Os resultados de outras revisões sistemáticas de 20 países de renda média e baixa mostraram que a depressão na gravidez e no pós-parto é altamente prevalente e afeta uma em cada quatro mulheres durante algum momento da gravidez e uma em cada cinco mulheres após o parto. Os dados mundiais disponíveis são condizentes com os resultados encontrados no estudo Nascer no Brasil, realizado por pesquisadores da Fiocruz em 2011, que entrevistou 23.894 mulheres e revelou a prevalência de 26,3% de sintomas de depressão entre 6 e 18 meses após o parto. Os principais fatores associados à depressão foram: ser de cor parda, ter história prévia de depressão, gravidez não planejada, baixa condição socioeconômica, multiparidade, uso abusivo de bebida alcoólica e tabagismo.
Mariza contou que, durante um estudo de coorte em duas unidades de saúde do Rio de Janeiro, o acompanhamento de mais de 300 mulheres ao longo de três entrevistas mostrou que ainda há muito estigma em relação a transtornos psicológicos em gestantes e puérperas. De modo geral, segundo ela, o pré-natal não aborda questões de saúde mental, e isso contribui para a visão ainda disseminada de que “depressão é doença de rico”, como apareceu na fala das mulheres nessa pesquisa, um desdobramento do Nascer no Brasil.
De acordo com as conclusões apresentadas pela pesquisadora, o estigma é a principal barreira na busca de tratamento pelas gestantes e mães. Apenas metade das mulheres com sintomas depressivos procuram atendimento especializado, de acordo com os estudos existentes. “Essa é uma realidade em todo o mundo, o que coloca um grande desafio para romper as barreiras do estigma e do sentimento de ser considerada uma mãe má e incapaz de cuidar de seu filho”, apontou Mariza. A orientação on-line é uma estratégia muitas vezes acessível: o tema é abordado na internet, principalmente em blogs, mas a qualidade da informação é variável. “Maioria absoluta dos posts nos blogs pesquisados encoraja a mulher a se engajar e a confiar no serviço de saúde”, revelou.
Susan Ayers, diretora do Centro de Pesquisa em Saúde Materna e Infantil da City University, em Londres, durante a apresentação “Saúde Mental Perinatal - a experiência das mulheres e dos profissionais de saúde”, apresentou evidências de alto impacto dos transtornos de saúde mental no seu país e mostrou campanhas específicas sobre saúde mental materna. O suicídio já é a principal causa de mortalidade materna (morte de mulher da gravidez até o primeiro ano do nascimento da criança) no Reino Unido. A psicóloga e professora apresentou, durante o Centro de Estudos da ENSP, resultados de relatórios que mostram que de 15 a 20% das mulheres relatam problemas de saúde mental durante a gravidez e/ou período puerperal.
Susan Ayers (ver entrevista) é especializada na saúde mental das mulheres durante a gravidez e após o parto, com foco particular na relação entre parto e transtorno do estresse pós-traumático. Os dados apontam ainda que 4% da mulheres têm transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na gravidez em seu país. A psicóloga britânica mostrou quais são as principais barreiras ao acesso a um tratamento efetivo para essas mulheres no sistema de saúde de lá. “Uma das barreiras é que elas consigam reconhecer os sintomas em si mesmas e conversem com alguém a respeito”, contou.
Ela apontou cinco principais desafios na saúde mental perinatal. O primeiro é que não é apenas a depressão pós-parto que se apresenta, mas também outros diagnósticos como TEPT, ansiedade e psicose puerperal. Outro desafio é que a saúde mental do pai também se mostra afetada, e os dados vêm mostrando que a prevalência de sintomas é equivalente entre homens e mulheres. Além disso, é importante para os profissionais estarem atentos ao histórico de eventos na gravidez e no nascimento, porque eles são importantes fatores no aparecimento dos transtornos, “a violência obstétrica incluída”, conforme declarou Susan. “Em números absolutos, mais pessoas sofrem de TEPT por partos do que veteranos de guerra”, comparou. Um dos maiores desafios é a identificação e fornecimento apropriado de cuidado a quem desenvolve os transtornos nessa fase da vida. “A gama de sintomas é muito ampla e, muitas vezes, eles são totalmente mascarados, porque a paciente tem medo do estigma”, reiterou a pesquisadora.
Ana Cristina de Barros Cunha, psicóloga do Programa de Mestrado Profissional em Saúde Perinatal da Maternidade Escola da UFRJ, unidade voltada à atenção terciária, de gestações de risco e alto risco, falou das práticas clínicas em pesquisa e atenção psicológica nesses casos, que têm questões de saúde mental específicas. “A gravidez de risco implica uma perda da gravidez idealizada”, explicou a psicóloga. Pelo fato de a gravidez de risco resultar em maior vulnerabilidade, ela propôs, em sua pesquisa, um instrumento que possa medir de maneira mais eficaz o estresse na gestação. Esse instrumento poderá, segundo ela, ser integrado a outros serviços que não a atenção terciária. “Existe uma associação entre estresse e ansiedade”, contou. “Pensamos em incluir esse instrumento no rastreio, para saber quem são as mulheres no pré-natal que apresentam nível de estresse alto e consequente vulnerabilidade. É importante unir esforços para promover a saúde mental materna e perinatal”, reforçou.
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