Fiocruz e ministérios lançam manual técnico para atendimento de indígenas contaminados por mercúrio
A Fiocruz, o Ministério da Saúde e o Ministério dos Povos Indígenas convidam para o lançamento oficial do “Manual Técnico para Atendimento de Indígenas Expostos ao Mercúrio”, a ser realizado no dia 28 de maio, na Casa Civil da Presidência da República, em Brasília. O evento acontecerá durante todo o dia, com mesa de abertura e presença de autoridades, apresentação do manual e debate. Para participar, os interessados devem se inscrever por meio deste formulário. O material já está disponível na Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde.
O manual conta com o apoio do Edital Inova Saúde Indígena, 2ª chamada, realizado pela Presidência da Fiocruz, com recursos do projeto "Contribuir para o desenvolvimento de estratégias para o fortalecimento do SasiSUS visando a garantia da qualidade de uma atenção em saúde diferenciada, considerando as vulnerabilidades emergentes e reemergentes em saúde" - TED 96/2023 - parceria entre a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) e a Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS). O projeto de pesquisa é coordenado por Ana Claudia Vasconcellos, pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), com coordenação-adjunta de Paulo Basta, da ENSP/Fiocruz, e reúne diversos profissionais (neurologista, neuropediatra, neuropsicólogo, toxicologistas, biólogos, geógrafos, enfermeiros, nutricionistas, sanitaristas, clínicos gerais e fonoaudiólogos) vinculados à várias instituições: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), ENSP/Fiocruz, EPSJV/Fiocruz, Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Secretaria de Saúde do Estado do Pará (Sespa), Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), USP, Unicamp, UFPel e UFPA.
O objetivo do documento é orientar a atuação dos profissionais que trabalham nas equipes multiprofissionais das Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI), situadas em regiões impactadas pelo garimpo de ouro, onde os níveis de mercúrio no ambiente são elevados, aumentando o risco de exposição das populações locais, especialmente por meio do consumo de peixes contaminados. Além da distribuição de mil exemplares impressos, estão previstos treinamentos para esses profissionais de saúde. Nessa fase inicial, serão priorizados quatro Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs): Yanomami; Rio Tapajós, que atende à população Munduruku; Caiapó; Amapá e Norte do Pará.
Ana Claudia destacou que o manual nasce de uma vivência concreta, construída a partir do trabalho de campo em comunidades indígenas, localizadas em áreas diretamente impactadas pelo garimpo de ouro, como os territórios dos povos Yanomami e Munduruku. Durante o trabalho, ela percebeu uma realidade alarmante: os indígenas muitas vezes não sabem dos riscos associados à contaminação por mercúrio, e essa falta de conhecimento também atinge os profissionais de saúde que atuam nesses territórios — desde médicos e enfermeiros até os agentes indígenas de saúde. “Desconheciam as formas de mercúrio presentes no ambiente amazônico, como o mercúrio entra no organismo humano e como ele provoca adoecimento. Foi diante dessa realidade que eu, junto ao médico e pesquisador Paulo Basta, compreendemos a urgência em elaborar um documento técnico que apoiasse de forma prática e sensível os profissionais que atuam nas UBSI, especialmente nas regiões sob pressão do garimpo”, comentou a pesquisadora.
O manual oferece diretrizes detalhadas e baseadas em evidências científicas, reunindo informações fundamentais sobre a avaliação clínica de gestantes, crianças e adultos; tratamento farmacológico, quando necessário; orientação nutricional, com foco em práticas alimentares que ajudam a reduzir os efeitos do mercúrio no organismo; os exames laboratoriais e de imagem recomendados; as orientações que devem ser repassadas às comunidades para minimizar os riscos de contaminação e o papel específico de cada membro da equipe multiprofissional de saúde indígena — desde os agentes indígenas de saúde até técnicos, enfermeiros, nutricionistas e médicos — ao longo do fluxo de atendimento. “A exposição ao mercúrio está associada a diversos problemas graves de saúde, principalmente, àqueles relacionados ao sistema nervoso central, tanto em adultos, quanto em crianças”, pontuou Vasconcellos.
“O documento também orienta sobre a coleta adequada de amostras biológicas para análise de mercúrio, métodos para interpretação do resultado das dosagens e sobre os procedimentos para notificação de casos suspeitos ou confirmados de exposição ao metal no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que é uma ferramenta estratégica para tornar visível esse problema, tanto para as autoridades, quanto para a sociedade. Sem notificação, não há reconhecimento. Sem reconhecimento, não há solução”, explicou Ana Claudia Vasconcellos.
Orientação técnica
A coordenadora do projeto destaca que, “apesar de a contaminação por mercúrio decorrente do garimpo ser antiga, o manual é inédito”. Ela complementa: “Esse manual técnico é um protocolo bem abrangente, porque inclui todos os profissionais que trabalham em unidades básicas de saúde indígena, desde o médico ao Agente Indígena de Saúde”, diz Ana Claudia.
O documento também aborda dois públicos afetados pela substância: os indígenas, que ingerem mercúrio principalmente por meio do consumo de peixes contaminados, e os trabalhadores do garimpo. “Estamos contemplando no manual dois tipos principais de contaminação: a via pescado, contaminado por mercúrio, que abrange toda a comunidade indígena, e os profissionais que trabalham no garimpo de ouro, que podem se contaminar ao inalar vapores de mercúrio durante o processo de extração”, explica Ana Claudia.
Nesse sentido, o manual orienta os profissionais de saúde sobre como agir ao identificar casos de contaminação. “Acolher as pessoas, dosar os níveis de mercúrio em biomarcadores humanos — que podem ser cabelo, sangue ou urina — e garantir que recebam um tratamento adequado, que vai desde a orientação nutricional, indicando quais tipos de peixe podem ser consumidos e quais devem ser evitados, até o estímulo ao consumo de castanha-do-pará, rica em selênio, um elemento com efeito protetor contra os efeitos tóxicos do mercúrio”, explica Ana Claudia. A pesquisadora também alerta que, nos casos mais graves, essas pessoas devem ser encaminhadas ao hospital para que recebam atendimento especializado.
Devolutiva da pesquisa
O garimpo, que consiste na extração de pedras e metais preciosos, como ouro e diamante, é uma prática que causa fortes impactos ambientais. “O garimpo de ouro na Amazônia começou nas décadas de 1960 e 1970. Mas, quando passei a trabalhar em terras indígenas da região e tive contato com a comunidade indígena e com os profissionais de saúde que atuavam ali, percebi que as pessoas não tinham consciência do problema da contaminação por mercúrio”, relembra Ana Claudia.
A partir da vivência da coordenadora do projeto, surgiu a ideia de elaborar o manual. “Tanto a comunidade indígena desconhecia o problema e suas consequências quanto os próprios profissionais de saúde, inclusive médicos da região, não reconheciam os sinais e sintomas da contaminação humana por mercúrio”, relata Ana Claudia.
O manual também representa uma forma de devolutiva às populações que participam de pesquisas sobre o tema desde 2018. “Não adianta ir ao território, fazer um trabalho de investigação e depois não dar um retorno à comunidade, não explicar o que ela está enfrentando”, afirma.
Ana Claudia acrescenta: “Não conseguimos reduzir os efeitos práticos da contaminação, mas podemos apoiar os profissionais de saúde por meio de treinamentos, ajudar os professores indígenas a entenderem a questão e trabalharem com seus alunos. Porque, levando informação, as pessoas conseguem lutar pelos seus direitos”.
*Com informações de Amanda Mendonça (Coordenação de Ambiente - VPAAPS/Fiocruz) e de Giulia Escuri (EPSJV/Fiocruz)
Fonte: Coordenação de Ambiente - VPAAPS/Fiocruz
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