“O tempo é curto e o caminho é longo”: especialista alerta para desafios na luta contra a tuberculose no Brasil
Por Danielle Monteiro
Até 2030, o Brasil precisa reduzir significativamente seus casos e óbitos por tuberculose. A crise econômica de 2014 e a pandemia de Covid-19 provocaram um impacto negativo no enfrentamento à doença no país. Agora, o Brasil tem um longo caminho a percorrer para a eliminação da enfermidade como problema de saúde pública. A constatação é da consultora técnica da Coordenação Geral de Vigilância da Tuberculose, Micoses Endêmicas e Micobactérias não tuberculosas do Ministério da Saúde (CGTM/SVSA/MS), Denise Arakaki-Sanchez, em palestra realizada nesta quinta-feira (21/03). A atividade integrou a programação do 3° Simpósio Dia Mundial da Tuberculose, realizado em celebração aos 40 anos do Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF/ENSP).
Em sua apresentação sobre o Panorama da tuberculose no Brasil: os desafios para a eliminação como problema de saúde pública, Denise chamou a atenção para a alta incidência da doença no país, que, somente em 2023, apresentou mais de 80 mil novos casos. “Por ser uma doença tratável e curável, esses números são um motivo de entristecimento para todos nós, principalmente da área da Saúde, visto que isso pode significar uma falência do nosso cuidado”, lamentou.
Denise lembrou que, em 2014, o Brasil foi atingido pela crise econômica e financeira que abalou os mais vulneráveis, provocando, como consequência, elevação no número de casos de tuberculose nos anos seguintes. Uma constatação dessa realidade, segundo a palestrante, foi a divulgação de estudo realizado pelo Programa Nacional de Enfrentamento à Tuberculose, do Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade de Harvard, dos Estados Unidos: a pesquisa analisou a incidência da doença no Brasil, entre 2003 e 2023, e apontou que o aumento do número de casos se deve à crise econômica.
Ela contou que, entre 2016 e 2020, em meio ao aumento de casos, o Programa Nacional de Enfrentamento à Tuberculose tomava medidas para tentar enfrentar a dupla situação no enfrentamento à doença, que envolvia vulnerabilidades biológicas e sociais. Porém, surgiu a pandemia de Covid-19, dificultando ainda mais a luta contra a enfermidade. “A partir de 2020, os números começaram a cair “artificialmente”, em função não de uma melhora no quadro, mas, sim, da interrupção do programa, devido à necessidade de deslocamento de 50% das equipes dos programas estaduais para ajuda no enfrentamento da pandemia”, afirmou.
No entanto, a partir de 2022, os programas estaduais voltaram a se recuperar, conforme relatado pela consultora técnica: “As equipes de tuberculose são muito engajadas e observamos, no território, aumento de retomada de atividades. No entanto, para nossa surpresa, quando vemos os números, a incidência da doença está aumentando e retrocedendo para patamares de 2011. A OMS diz que foi uma década perdida, pois voltamos a números de anos atrás. Isso está acontecendo no Brasil, assim como em outros países de alta carga de tuberculose”, alertou.
O estado do Rio de Janeiro é o terceiro em número de incidência de tuberculose no Brasil, sendo que a capital também apresenta os números mais elevados, em comparação com outras cidades do país. “A capital tem uma configuração urbana muito complexa, que dificulta o acesso à saúde, além da questão da violência, que provavelmente afeta o modo de cuidado dos pacientes”, explicou Denise.
Atualmente o Brasil apresenta 37 casos de tuberculose por 100 mil habitantes e mais de 5,8 mil óbitos por ano pela doença. Enquanto signatário da Organização Mundial da Saúde (OMS), o país precisa reduzir esse número para 10 casos por 100 mil habitantes e 230 óbitos por ano até 2023. Por isso, o tempo é curto e o caminho é muito longo, segundo Denise: “Esse caminho pode ser muito tortuoso, dependendo do contexto em que se está. Lançamos, em 2017, o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, no qual fizemos um mapeamento de todos os municípios. Criamos seis cenários e vimos em qual deles cada município está. Alguns são socialmente mais favorecidos, outros, menos. Há municípios operacionalmente melhores do que outros. Vimos o quão tortuoso, difícil e cheio de buracos pode ser esse caminho para chegar aos 10 casos por 100 mil habitantes por ano”.
No entanto, apesar dos desafios, o Brasil tem alguns pontos a favor no enfrentamento à doença, conforme observou a palestrante: “O país iniciou a padronização do tratamento da tuberculose há quase 40 anos, com disponibilização de tratamento gratuito. A padronização, ‘gratuidade’ e proibição de venda de remédios têm nos propiciado uma situação relativamente confortável quando falamos de tuberculose resistente”. A consultora técnica também lembrou que o país compõe duas grandes listas da OMS: a de tuberculose sensível e a de tuberculose-HIV: “Estamos fora da lista de tuberculose resistente, em grande parte, graças a essa coragem que o Brasil teve anos atrás”.
A tradição de incorporação da sociedade civil no diálogo para o enfrentamento à doença, a criação do SUS e de um programa descentralizado e com uma rede laboratorial capilarizada e hierarquizada, assim como a vigilância efetiva, são outros pontos que favorecem o país na luta contra a doença, segundo Denise.
A palestrante também mencionou algumas das principais realizações do programa do Ministério da Saúde no enfrentamento da tuberculose a partir de 2016, como a publicação frequente de manuais com atualização de recomendações, as campanhas de massa e o lançamento da rede TB BRICS e do documento histórico sobre a Rede Brasileira de Comitês, entre outras iniciativas.
Como prioridades do programa, Denise citou as ações intersetoriais contempladas pelo Programa Brasil Saudável, as melhorias no sistema de Vigilância, a ampliação do tratamento da tuberculose latente em grupos prioritários, o fortalecimento da capacidade diagnóstica, o tratamento encurtado para a tuberculose drogarresistente, o fomento à pesquisa em tuberculose e o fortalecimento da capacidade da sociedade civil no enfrentamento à doença.
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