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'O fenômeno da terceirização', por Luiz Carlos Fadel

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Publicado em:02/05/2017
'O fenômeno da terceirização', por Luiz Carlos FadelO fenômeno da terceirização vem ganhando corpo nas últimas quatro décadas no mundo globalizado. Já no início da década de 1990, especialmente no Brasil, chamava-se a atenção para o desvirtuamento do vocábulo. O termo inglês original outsourcing - busca de suprimentos (fornecimento vindo de fora) - contemplava uma estratégia relacional para aumentar a produtividade e a qualidade do produto final, de modo a garantir maior competitividade no mercado, baseada no conceito de parceria (partnership) com o próprio mercado e com os trabalhadores. Pouco a pouco, a estratégia se mostrou como um novo formato de acumulação de curto prazo, especialmente pela redução de custos em cima da redução de mão de obra e desobrigação de encargos trabalhistas. 
 
Ao contrário da ideia de modernização, acompanhando a ideologia da globalização internacional da economia, a terceirização assume uma condição, profundamente contraditória, de provocar retrocessos, tanto nas relações com o mercado (competição predatória), quanto nas próprias corporações (demissão de quadros qualificados). A rigor, mesmo antes da Lei 13.429, de 31/03/2017 (Lei da Terceirização), atividades de maior complexidade, com alta especialização e qualificação técnica, diretamente relacionadas à atividade-fim, vinham sendo terceirizadas, burlando a jurisprudência e o senso comum de só terceirizar atividades periféricas ao “core” empresarial (essência do processo produtivo). 
 
Constituía-se, pouco a pouco, a "focalização", conforme alertava o DIEESE, em 1993, "concentrar as atividades naquilo que é o segredo do negócio da empresa, no que ela faz bem, no que a diferencia frente à concorrência, frente aos consumidores, frente à população. O que estiver fora do 'foco', em princípio, pode ser terceirizado." (p. 6). 
 
Ocorre que o cerne da questão não parece ser o da otimização do negócio. Tudo indica que o sucesso da terceirização, ao ponto que chegamos, hoje, com a nova Lei, é quebrar a ossatura da representação sindical dos trabalhadores na arena do conflito capital-trabalho. Na década de 1990, uma grande pesquisa feita com centenas de fábricas na Inglaterra observou que quanto menor o número de trabalhadores, menor a capacidade de reivindicar e ir à greve. Era a senha para terceirizar cada vez mais e retirar a capacidade de luta dos sindicatos. Vemos isso hoje, com bastante clareza, na área bancária, de saúde, educação, funcionalismo público e, também, no setor industrial. Somam-se, ainda, à terceirização, as demais estratégias de acumulação: divisão internacional do trabalho, automação e manutenção do desemprego estrutural, entre outras.
 
Outro aspecto que deve ser lembrado é o da "quarteirização" ou "terceirização da terceirização", ou seja, a subcontratação de outras empresas pelas empresas terceirizadas, não só para atender às suas próprias atividades, como também às atividades de sua contratação original como terceira. A Lei da Terceirização oficializa essa prática. O fim da linha dessa corrente se anuncia com a chamada “pejotização”, transformar o prestador de serviço individual em pessoa jurídica, como sendo uma empresa. Além disso, os 5 milhões de MEI - Microempreendedores Individuais, hoje, no Brasil, prenunciam um capitalismo sem luta de classe, ou para ser mais ameno, sem conflito capital-trabalho. 
 
Sem catastrofismos, é factível afirmar que a perspectiva é de maior desemprego, em que a competitividade do mercado será transferida ao nível individual, com repercussões na vida social nem de perto dimensionadas. Nesse cenário, não é difícil prever o que será feito da saúde do trabalhador. Se, com a regra trabalhista aplicada às empresas com maior capacidade de investimento, a situação já é caótica, com a pulverização em terceiras, quartas, quintas, “pejotistas” e MEIs, o Estado deverá se eximir de vez dessas questões, reservando-se a recolher os mortos e receber os feridos do mundo do trabalho nos serviços de saúde. Sinteticamente, podemos classificar as consequências sobre a saúde do trabalhador em três níveis: desproteção dos trabalhadores informalizados (desregulamentação); desmobilização dos trabalhadores organizados (ameaça de desemprego); e "desresponsabilização" empresarial (transferência de riscos). 
 
Com a nova Lei, é muito provável que haja uma aceleração da contratação, a custos menores, de mão-de-obra com baixa qualificação e escasso treinamento para operar processos de trabalho complexos, que envolvam riscos de acidentes industriais e ambientais ampliados. Parece que não é só a saúde do trabalhador que está em risco, mas a população brasileira como um todo.

*Luiz Carlos Fadel é pesquisador do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (Dihs/ENSP/Fiocruz) e um dos coordenadores do Fórum Intersindical Saúde - Trabalho - Direito.

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