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Gestora fala sobre impacto da pandemia na educação e no trabalho em Saúde

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Publicado em:06/01/2022
Por: Danielle Monteiro

Com o tema Pandemia, Metamorfoses e Ciência: aprendizados e lições para a educação e o trabalho em Saúde, foi realizado recentemente mais um Encontro Nacional da Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola). A coordenadora da Secretaria Técnica e Executiva da RedEscola (VDEGS/ENSP), Rosa Souza, falou sobre o evento e as lições que a pandemia trouxe para a educação e o trabalho em Saúde. Confira abaixo:

O tema do Encontro Nacional da RedEscola desse ano foi Pandemia, Metamorfoses e Ciência: aprendizados e lições para a educação e o trabalho em saúde. Por que foi escolhida essa temática?

Rosa: Diante do cenário extremamente grave imposto pela pandemia de COVID-19, o SUS passou e passa por profundas mudanças, desde o que diz respeito à micropolítica até a macropolítica. Urgiu a necessidade de transformações no cuidado, na formação, na atenção à saúde e na gestão, visando a valorização da ciência. O contexto atual, desde março de 2020, vem nos mostrando a relevância do trabalho colaborativo e da abordagem interprofissional na educação para enfrentamento das grandes dificuldades decorrentes da crise humanitária e também para fortalecimento e sustentação do nosso SUS.

O Encontro Nacional da Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública- RedEscola aconteceu em formato on-line, com uma programação que dialogou com as expectativas e anseios das instituições formadoras que compõem a RedEscola, especialmente em tempos de pandemia.

O evento abordou temas atuais que foram previamente discutidos com os membros do Grupo de Condução da RedEscola. Contou também com a realização do II Encontro Nacional de Sanitaristas e da I Mostra Científica da redEscola, e ainda com o lançamento do e-book intitulado A Educação Interprofissional e o Trabalho Colaborativo no Enfrentamento à Pandemia de COVID-19, com acesso disponível gratuitamente. 

No primeiro dia do Encontro Nacional 2021 da RedEscola, a Conferência Magna foi proferida por Marina Peduzzi, professora Associada Sênior da Escola de Enfermagem da USP. Ela ressaltou a importância da metamorfose na economia, reforçando o quanto economia e saúde não são dicotômicas e, sim, caminham juntas. Dessa forma, o Estado precisa promover e prover mudanças necessárias para garantir dignidade e cidadania para a população.  Os sistemas públicos de saúde ao redor do mundo puderam mostrar sua importância e os sistemas de saúde pautados no modelo neoliberal mostraram suas fragilidades e limitações. O mundo inteiro precisa passar por essa metamorfose para preservar as vidas.

Marina Peduzzi também destacou os desafios políticos impostos ao mundo e ao Brasil, como a fragilização da democracia, assim como aumento das desigualdades, do desemprego e da crescente precarização do trabalho, com grandes e sérias repercussões na vida das pessoas.

Os argumentos tão primorosamente tecidos pela conferencista reforçam a importância da formação interprofissional, do aprendizado compartilhado e do trabalho colaborativo como algumas das estratégias para lidar com as metamorfoses trazidas pela pandemia e também construídas a partir da pandemia, tendo como premissas a integralidade, a universalidade e a equidade propostas pelo SUS. E são justamente sobre essas premissas que a RedEscola tem ancorado as suas iniciativas de formação de sanitaristas para o SUS.

Quais foram as maiores lições que a pandemia trouxe para a educação e o trabalho em Saúde?

Rosa: A pandemia de COVID-19 trouxe perdas devastadoras para o mundo e para o Brasil. Podemos dizer que não se trata somente de uma crise sanitária e, sim, de uma crise humanitária sem precedentes. Muitas vidas foram interrompidas, muitos planos foram desfeitos e muitas mudanças sociais aconteceram.

Diante desse cenário, torna-se primordial a transformação dos moldes da educação e do trabalho em saúde, dentro da perspectiva colaborativa.  O SUS mostrou sua potência enquanto sistema que garante cidadania e também teve seus desafios destacados, sendo um deles o trabalho colaborativo e compartilhado, o efetivo trabalho em equipe, tanto dentro dos ambientes hospitalares, quanto na rede territorial e ainda na articulação entre ambos.

A pandemia evidenciou também a importância do SUS, das instituições formadora e das trabalhadoras e trabalhadores da Saúde.

A Educação Interprofissional pressupõe que todos os atores são importantes no processo de trabalho e devem atuar de maneira conjunta nos serviços e, muito mais, devem fazer rede, trabalhando de maneira interprofissional e adotando práticas colaborativas. Dessa forma, o contexto pandêmico nos mostra que Educação e Saúde estão intrinsecamente associadas e que a pesquisa e a divulgação científica são fundamentais para o fortalecimento do SUS.

Outros temas selecionados para o evento foram a vulnerabilidade dos trabalhadores de Saúde frente à pandemia e as contribuições da educação, pesquisa e divulgação científica para o fortalecimento do SUS. Por que foram escolhidas essas temáticas como pautas de debate e qual a importância de sua discussão nos tempos atuais?

Rosa: Quando refletimos sobre a realidade dramática decorrente da pandemia, não podemos deixar de nos incomodar com as condições de vulnerabilidade que os profissionais de saúde enfrentaram e enfrentam para lidar com todas as consequências de um vírus que rapidamente se espalha e causa tantos impactos na vida das pessoas. Uma das vias para fortalecer o SUS passa inquestionavelmente pela educação, pesquisa e divulgação científica. Nesta linha, a RedEscola traz o potente resultado de mais de 1.000 sanitaristas formados até o momento, dentro da abordagem interprofissional, que são profissionais que estavam atuando nos serviços de saúde, no atendimento à saúde da população. Essas temáticas foram escolhidas justamente para reforçar a importância da aposta na ciência, na educação e no cuidado com os trabalhadores de Saúde. A RedEscola busca dar resposta a esses pontos tão importantes a partir da oferta de cursos de especialização em Saúde Pública dentro da abordagem interprofissional por todo o território nacional.

Entendemos que, nos tempos atuais, precisamos enfrentar as inúmeras vulnerabilidades e as repercussões da pandemia COVID-19, aos quais foram e ainda estão submetidos a população brasileira e especialmente os profissionais de Saúde. Tais condições reforçam a importância da ciência, do investimento em pesquisa e da divulgação científica.

Maria Helena Machado, pesquisadora titular da ENSP/Fiocruz, coordenadora geral das pesquisas Condições de Trabalho dos profissionais de saúde no contexto da COVID-19 no Brasil e Trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da COVID 19 no Brasil, convidada da mesa redonda do dia 25/11, ressaltou em sua apresentação, a partir da pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais da Saúde no Contexto da COVID-19, que mais da metade dos trabalhadores que atuam no combate ao vírus da COVID-19 não se sentem protegidos no ambiente de trabalho, apontando falta ou escassez de EPI; medo de adoecer; infraestrutura de trabalho inadequada; despreparo técnico para atuar na pandemia e gestão insensível às suas necessidades pessoais e profissionais. Maria Helena também mostrou dados de alteração significativa na vida dos trabalhadores, como insônia, pensamentos suicidas, irritabilidade, tristeza, entre outros. Reforçou a importância de fortalecimento do SUS e ampliação do seu financiamento, além de destacar que a crise sanitária se desdobrou em uma crise política e social. Finalizou destacando a importância da valorização e proteção a esses trabalhadores, essenciais para a assistência da população.

Itamar Lages, coordenador do Programa Multiprofissional de Residência em Saúde da Família da Universidade de Pernambuco (UPE), também convidado da mesa redonda do dia 25/11, reforçou em sua fala a desvalorização da atenção primária da saúde no cenário da pandemia e narrou a sua experiência como coordenador de residência multiprofissional de saúde da família, quando organizou, com os residentes, ações de educação em saúde no território de Caruaru, em Pernambuco, com o intuito de orientar a população através de ações de promoção e prevenção na saúde. Foi possível perceber que experiência exitosa e transformadora para a formação e para a população foi construída!

Na mesa redonda do dia 26/11, Luciana Dias de Lima, vice-diretora de Pesquisa e Inovação da ENSP, fez uma contextualização da história científica no Brasil, desde o século 21, trazendo o início das instituições de pesquisas, livros e revistas científicas. Falou sobre a importância da divulgação científica e da necessidade de ampliar e facilitar os diálogos entre ciência e sociedade e mostrou os desafios de um mundo em transformação para a ciência, informação e comunicação. Luciana também destacou os princípios da divulgação científica dentro da Fiocruz.

Rogério Lannes, editor-chefe e coordenador do Programa RADIS Comunicação e Saúde da ENSP/Fiocruz, também na mesa redonda do dia 26/11, organizou sua abordagem em torno do direito à comunicação e saúde, abordando os desafios enfrentados pelo programa Radis durante a pandemia. Rogério mostrou a política de comunicação da Fiocruz, detalhando os princípios dessa política para sustentar a conexão com a população durante a pandemia. Prosseguiu reforçando a importância da comunicação em Saúde para valorização da ciência e dos cientistas e combate do negacionismo. Mostrou também as publicações produzidas pelo Radis desde o início da pandemia, com foco nas iniquidades sociais escancaradas com a crise humanitária que assolou o Brasil e o mundo.

Uma das temáticas discutidas no evento foi a parada dos corpos e a aceleração digital em tempos de pandemia.  De que forma esse novo paradigma imposto pela pandemia impactou a Educação e o trabalho interprofissional no SUS?

Rosa: O novo paradigma imposto pela pandemia possivelmente foi um dos pontos de maior impacto na educação e no trabalho em Saúde. Trazendo para a abordagem interprofissional, vimos emergir a necessidade de reinvenção e colaboração entre os que atuam no SUS, tanto na perspectiva da educação, quanto do trabalho.

Salas de aula ficaram vazias, encontros foram impossibilitados, planos foram interrompidos. Dessa forma, foi preciso construir novos arranjos para seguir adiante. As aulas passaram a ser realizadas no formato remoto emergencial e muitos desafios foram colocados nesse novo modelo. Muitos enfrentaram e enfrentam barreiras de acesso à tecnologia e alterações no trabalho e nos lares. 

Vimos todas as limitações e impossibilidades trazidas pela tradicional formação uniprofissional e, então, partindo da perspectiva da colaboração e compartilhamento proposta pela interprofissionalidade, a distância e reformulação impostas pela pandemia reforçaram a necessidade de atuação e aprendizado conjuntos, com valorização de todos que fazem parte do processo, reconhecendo que cada presença é essencial para produção de Saúde.

Jaqueline Alcântara, profª Adjunta  do Departamento de Enfermagem na sub-área de Gerenciamento em Enfermagem da UFSCar, convidada da mesa redonda do dia 24/11, reforçou em sua apresentação as consequências e mudanças da pandemia no trabalho na Saúde, tais como: intensificação da precarização do trabalho; escassez de recursos para trabalhar;  excessivas cargas de trabalho; adoecimento e esgotamento no trabalho; valorização dos profissionais de linha de frente; reconhecimento do trabalho de diferentes categorias profissionais; subfinanciamento na saúde com retrocessos na atuação da Atenção Primária; e visibilidade do trabalho em equipe. Jaqueline também deu destaque para os pontos da aceleração digital na pandemia, com vida e trabalho intensamente mediados por tecnologias; virtualização do processo de trabalho e ações de cuidado (telessaúde); tensionamento das constantes fake news em detrimento das evidências científicas; polarização nas redes sociais; reconhecimento e divulgação das ações dos trabalhadores da linha de frente; e visibilidade do trabalho em equipe e de colaboração interprofissional.

Cristiano Régis, professor da Universidade Federal do Acre (UFAC), também convidado da mesa redonda do dia 24/11, fez uma contextualização da relação da educação com as informações e bases de dados, desde quando utilizávamos bibliotecas até o momento atual, em que acessamos importantes bases de dados do próprio computador. Trouxe também as reformulações no programa PET-Saúde Interprofissionalidade, que tem a atenção primária da saúde como cenário de aprendizado interprofissional, passando a potencializar essa aprendizagem no cenário virtual, no contexto pandêmico, com elaboração de mapas mentais, estudos em grupo, estudos de caso, seminários, produção textual, organização e participação de eventos. Cristiano abordou as ações e estratégias de enfrentamento empreendidas pelas instituições formadoras para fazer face as condições adversas e prosseguir no ensino interprofissional.

Como surgiu a ideia de se fazer uma Mostra Científica RedEscola e qual a importância dela para a formação de trabalhadores para o SUS?

Rosa: A I Mostra Científica da Redescola foi uma atividade que fez parte do II Encontro Nacional de Sanitaristas, dentro do escopo da programação do Encontro Nacional da RedEscola. O objetivo da Mostra foi compartilhar as produções científicas dos cursos de especialização em saúde pública desenvolvidos pelas instituições formadoras que já concluíram o curso de Especialização em Saúde Pública, no âmbito do projeto Nova Formação em Saúde Pública na Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública: uma abordagem interprofissional, uma parceria entre a ENSP/Fiocruz e a SGTES/MS, coordenado nacionalmente pela RedEscola.

Os trabalhos submetidos a esta Mostra foram pautados nos projetos de intervenção/pesquisa/relatos de experiência, apresentados como Trabalhos de Conclusão de Curso, elaborados no âmbito da gestão, educação e/ou atenção do Sistema Único de Saúde e aprovados pelas bancas examinadoras específicas de cada instituição participante.

Para realização da Mostra, foi constituída uma Comissão Científica, composta por membros da RedEscola/ENSP/Fiocruz, com grande expertise técnica e pedagógica para organização da Chamada da Mostra Científica que definiu normas e orientações acerca da submissão de trabalhos e também para avaliação dos materiais enviados.

Refletindo na importância da Mostra para a formação de trabalhadores para o SUS, podemos avaliar que, a partir das vivências narradas, foi possível despertar maior sensibilidade e compreensão acerca da importância do trabalho colaborativo e da abordagem interprofissional, tanto para os egressos dos cursos, que trocam experiências entre si, quanto para todos os demais participantes do evento. 

O Encontro nacional 2021 da RedEscola mobilizou afetos, emoções e um fecundo aprendizado trazido pelas valiosas contribuições de todas/os que nos permitiram nestes tempos tão difíceis viver momentos intensos, carregados de encantamento, sensibilidade e solidariedade que nos convidam a resistir conjugando o verbo esperançar, bem no estilo freiriano.

Em que pese o cansaço e o esgotamento causado pelas sucessivas sessões virtuais, algumas vezes concomitantes ou mesmo concorrentes, que vem ocorrendo ultimamente, tivemos 822 inscritos e certificados de participação emitidos no evento. Todas as sessões estão disponíveis e podem ser acessadas nas redes sociais e no site da RedEscola http://rededeescolas.ensp.fiocruz.br que já contou com mais de 2.500 visualizações.

O exercício do trabalho coletivo, o engajamento das instituições formadoras que integram a RedEscola, a mobilização do Grupo de Condução da RedEscola fizeram do Encontro Nacional 2021 da RedEscola um evento primoroso, especialmente no que que tange ao legado das contribuições e das trocas.

Nossa aposta é no trabalho em rede, no compartilhamento de experiências, saberes e práticas, no estímulo a aprendizagem interprofissional, no sentido do trabalho colaborativo para o fortalecimento do SUS! 


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