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Agentes comunitários e de combate às endemias celebram lei que os reconheceu como profissionais de saúde

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Publicado em:30/01/2023
Por Barbara Souza

“Essa notícia foi recebida com muito carinho, pelo olhar de respeito, dignidade e valorização da nossa categoria. Muitas pessoas, até mesmo dentro das unidades, desconheciam o fato de que não éramos reconhecidos legalmente como profissionais de saúde”. Este é o relato de Eliza Abrantes, agente de combate às endemias do município do Rio de Janeiro desde 2010. A servidora municipal celebra a lei 14.536/2023, publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de janeiro. A norma define que agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes de combate às endemias (ACE) são profissionais de saúde.

A falta deste reconhecimento formal gerou graves prejuízos para a categoria profissional, como por exemplo, a dificuldade de se vacinar contra a COVID-19 com prioridade, como os demais trabalhadores da área. “Durante a pandemia, os ACS e ACE permaneceram trabalhando pelo Ministério da Saúde, nas secretarias estaduais e municipais de saúde em todo o Brasil. Mas quando chegou o momento de tomar a vacina, descobriu-se que não estavam na lista dos profissionais que deveriam tomar a vacina antes do restante da população por causa do tipo de atividade que realiza. Isso nos chocou”, conta Sandro César, secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores no Combate às Endemias e Saúde Preventiva no Estado do Rio de Janeiro, o Sintsaúderj, protagonista na articulação que culminou na aprovação do Projeto de Lei recém-sancionado. 

A nova regulamentação das atividades dos ACS e ACE contribui para a valorização desses profissionais dentro das unidades de saúde onde trabalham e também diante de toda a sociedade. Além disso, agora, como profissionais de saúde, os agentes passam a ter o direito de acumulação de cargos públicos, assegurado pelo art. 37 da Constituição Federal apenas para os profissionais da Educação e da Saúde. “Também gostamos muito desse desdobramento. Hoje, nós temos profissionais que, de uma forma até então irregular, desempenham outras funções na área de saúde, além da função de agente, mesmo sem poder acumular os cargos. Agora, essas pessoas poderão sair da informalidade”, explica Eliza Abrantes.

Eliza Abrantes é agente de combate às endemias no Rio de Janeiro (RJ)

Agente comunitário de saúde há dez anos, Jorge Nadais atua no Centro de Saúde Escola Germano Sinval da Silva Farias (ENSP/Fiocruz) e afirma que, apesar de ser fundamental para a comunidade, o trabalho muitas vezes é “completamente invisível”. Jorge diz que a lei representa a esperança de que haja mais reconhecimento da profissão: “O ACS faz um elo entre a comunidade e o serviço de saúde, é fundamental. Mas, ele carrega na pele as marcas do racismo estrutural, da invisibilização, e do próprio preconceito de classe que existe na área da saúde. É um profissional que carrega todos os preconceitos que o pobre carrega dentro do mercado de trabalho. O reconhecimento do ACS como profissional de saúde é o início da valorização de atores que são garantidores da universalidade do acesso, da territorialização da política pública dentro do SUS”. 

Outros desafios

A aprovação da lei é considerada pelos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias como um marco e um passo essencial na trajetória da categoria, mas eles ainda têm outras conquistas na mira. “A luta por direitos é constante”, afirma a ACE Eliza Abrantes. Ela explica que, no município do Rio, é preciso que o cargo entre em conformidade com a legislação.“Aqui é de nível fundamental, sendo que, pela nossa legislação, preconiza-se que seja de nível médio”. Para Eliza, é necessário que se formalize a função como cargo técnico.
Já o ACS Jorge Nadais enumera os principais desafios para a profissão: “o primeiro, daqui para frente, é aprofundar a formação desse profissional. O segundo é lidar com as contradições, com a desigualdade e a miséria, dentro do território de saúde. O terceiro é lutar pela efetivação e pelo cumprimento da nova legislação. E o desafio primordial é romper com todas as barreiras do preconceito, seja de dentro da unidade básica de saúde ou um preconceito da própria população, em busca de um outro olhar sobre nossa profissão”.

ACE há 32 anos e muito preocupado com as condições de saúde dos profissionais,Marcos Rogerio da Silva cita como desafio a partir da sanção da lei a eliminação de agrotóxicos. “Mudanças no processo de trabalho, com o uso de métodos alternativos”, ele lista, acrescentando a realização de exames periódicos específicos e a conquista do plano de carreira próprio da categoria.

Marcos Rogério explica que o trabalho rotineiro consiste em visitas às residências, indústrias, comércios, unidades de saúde, unidades de educação, terrenos baldios e áreas públicas, para inspecionar depósitos, vasos de plantas, ralos, caixas d’água, etc. Se não houver como eliminar um potencial criadouro do mosquito Aedes aegypti, é preciso aplicar larvicida. “Para mim, atualmente, o que é mais importante é a saúde dos meus companheiros(as), Agentes de Combate às Endemias e Guardas de Endemias. Estamos há mais de trinta anos expostos aos agentes químicos, físicos e biológicos. Os municípios não entregam EPI’s aos trabalhadores, quando entregam são de qualidade duvidosa e/ou vencidos. Há trabalhadores desenvolvendo atividades de tênis, quando deveriam estar de botas. De camiseta e calças jeans, quando deveriam estar de macacão. Trabalhadores sem protetor auricular”, relata. 

Marcos Rogério ao lado de outros ACEs que foram atendidos no Cesteh

“O processo de trabalho está adoecendo e matando os profissionais das endemias. Vemos isso, quase que diariamente, em nossos grupos de WhatsApp, servidores públicos morrendo, muitos por câncer”, lamenta Marcos Rogério.

Em 2018 o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca), em conjunto com três organizações sindicais, Sindsprev/RJ, Sintrasef e Sintsauderj, iniciaram o Projeto Integrador Multicêntrico, para aprofundar o estudo do impacto à saúde de Agentes de Combate às Endemias/Guardas de Endemias, do Ministério da Saúde, pela exposição a agrotóxicos no estado do Rio de Janeiro, contando com financiamento da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) e incorporando a parceria de outras instituições - UNIRIO, Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-PE), Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), UFRN e UERJ-Campus Zona Oeste. Desde então, trabalhadores estão sendo atendidos de forma multidisciplinar, com acompanhamento da saúde, avaliação das condições de trabalho e realização de análises clínicas e toxicológicas.

Segundo a pesquisadora Ariane Leites Larentis, coordenadora do projeto, é fundamental que a lei os reconheça como profissionais de saúde, mas também que garanta que o poder público assuma sua responsabilidade com a saúde desses trabalhadores. “Como setor responsável pela política de endemias no país, os ACE fazem uso de agrotóxicos há décadas, o que tem provocado seu adoecimento, como observamos nos estudos. O poder público deve se responsabilizar pela saúde, pelo acompanhamento desses trabalhadores, pela identificação e pela mudança do processo de trabalho que os adoece”, disse. Mais informações sobre o tema podem ser obtidas aqui

+ Saiba mais sobre as implicações jurídicas da nova lei na reportagem da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.

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