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Características de usuários de crack quanto à situação de moradia investigadas por estudo da ENSP

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Publicado em:21/06/2022
Segundo os órgãos de segurança pública, profissionais e unidades de saúde, o uso de crack no Brasil iniciou-se na década de 1990, integrando o mercado ilícito em São Paulo (capital e região metropolitana), com uma demanda crescente por uma droga barata e de grande portabilidade - pequenas pedras, de baixo custo unitário. Entre 2001 e 2005, a prevalência do consumo de crack teria aumentado substancialmente, se disseminando, rapidamente, por diferentes regiões do Brasil. O uso prejudicial e dependente do crack traz à tona a vulnerabilidade ampliada das pessoas em situação de rua. É o que conclui a pesquisa de Raquel Rodrigues dos Santos, Mariana de Andrea Villas Boas Hacker, Jurema Corrêa da Mota e Francisco Inácio Bastos. 

No estudo, eles objetivaram comparar características sociodemográficas, padrões de consumo de substâncias, comportamento sexual, utilização de serviços de saúde e envolvimento criminal de usuários, domiciliados e em situação de rua. Também basearam-se em dados secundários do Inquérito Nacional sobre Uso do Crack, utilizando análise discriminante e de correspondência para comparar características dos usuários segundo condição de moradia. “O modelo final de regressão logística evidenciou associações entre “situação de rua” e ser do sexo feminino, trabalho descontínuo, consumo de tabaco e “oxi” nos últimos 30 dias, uso de serviços de alimentação gratuita, baixo acesso a tratamento e frequentes detenções no último ano.”

Na análise de correspondência, eles observaram proximidade no espaço analítico de “troca de sexo por drogas”, “trabalho informal”, “idade” >31 anos, “baixo acesso a CAPS-ad”, “problemas com a justiça criminal” e “sexo feminino” com os usuários de crack desabrigados. “Pouco se sabe sobre usuários de crack em contexto na região Nordeste do Brasil. Os resultados evidenciam dois subgrupos com características específicas. Enquanto os domiciliados têm acesso aos serviços de CAPS-ad e outras clínicas especializadas, os usuários em situação de rua relataram, basicamente, acesso a serviços de alimentação gratuita e redução de danos.” 


Esse estudo analisa a condição da moradia, elemento essencial na abordagem dessa população, antes mesmo das abordagens terapêuticas senso estrito (farmacoterapia e psicoterapia). Dispor de moradia é um elemento central, ainda que os usuários tenham problemas adicionais, como a fome e a violência. Diversos estudos enfatizam o “housing first”, ou seja, a priorização do abrigamento e, se possível, domiciliamento regular desses usuários em situação de rua. Comparam-se as características sociodemográficas, os padrões de uso de drogas, o comportamento sexual, a utilização de serviços sociais e de saúde e o histórico de prisão e/ou detenção de usuários de crack domiciliados e em situação de rua, no Nordeste brasileiro. 

Na macrorregião Nordeste foram entrevistados 2.828 usuários de crack, com 819 (29,0%) de entrevistados em situação de rua. A maioria dos entrevistados que compunham a amostra eram do sexo masculino (85,6%; e em situação de rua - 74,5%). Foi evidenciada diferença significativa quanto ao trabalho: os usuários abrigados estavam mais frequentemente engajados em trabalho regular (42,1%; e usuários em situação de rua - 19,4%). Os desabrigados se mostraram mais vulneráveis quanto ao comportamento sexual, com relato mais frequente de violência sexual, na vida, assim como uma maior frequência de resultados positivos (sororreagentes) para a infeção pelo HIV, quando comparados aos abrigados. Observou-se evidência estatística de que um número (e uma proporção) maior de usuários em situação de rua utilizaram serviços de alimentação gratuita e se valeram mais frequentemente de programas de redução de danos (comparados aos domiciliados). 

Por outro lado, segundo os autores, os usuários que dispunham de moradia (em relação aos desabrigados) referiram com mais frequência acesso nos últimos 30 dias a serviços de tratamento, como os CAPS-ad. Os usuários em situação de rua referiram um envolvimento mais frequente com a justiça criminal, com um relato mais frequente de episódios de prisão, alguma vez na vida, e de detenção, quando comparados àqueles que estavam domiciliados.

Também consideraram a diferença estatisticamente significativa entre os entrevistados que dispunham de moradia ou não com relação ao consumo de tabaco e “oxi” (designação “êmica” de uma variante da pasta base/crack), nos últimos 12 meses. Os primeiros apresentaram uma menor frequência de consumo de tabaco e “oxi” do que aqueles em situação de rua. 

No entanto, ainda verificam-se relações de proximidade dos usuários de crack domiciliados com: “idade de 18-30 anos”, “ausência de relato de troca de sexo por drogas”, “trabalho regular”, “ser do sexo masculino”, “uso de tabaco” e “não estar envolvido com a justiça criminal”. 

Os resultados relativos ao perfil dos usuários de crack estratificados segundo a sua condição de moradia evidenciam a existência de dois subgrupos com características específicas, enquanto os domiciliados têm acesso aos serviços de CAPS-ad e de outras clínicas especializadas, os usuários em situação de rua relataram, basicamente, acesso a serviços de alimentação gratuita e de redução de danos, conforme o artigo. 

O artigo constata que houve substanciais mudanças nas políticas de drogas em anos recentes, com o fechamento de programas análogos ao “housing first” no Brasil, ao passo que tais programas seguem sendo uma estratégia central da política de drogas na imensa maioria dos países, como EUA e Canadá e diversos países da Europa Ocidental. No Brasil, especialmente na região Nordeste, há poucas publicações que tematizem usuários em cenas abertas de consumo do crack moradores de rua, apesar da evidente vulnerabilidade desta população. O contexto de marginalização se mostrou associado ao consumo de outras drogas, trabalho irregular e histórico de detenção.

Para os autores, tais fatores parecem inter-relacionados de forma complexa, sem que seja possível discernir, por ora, a direcionalidade e as possíveis interações entre os múltiplos fatores psicossociais e contextuais (por exemplo, estrutura das cenas de uso e serviços) sob análise. “No âmbito das políticas de saúde, o conhecimento do perfil dos usuários de crack segundo suas condições de moradia pode constituir um importante subsídio para elaboração de políticas públicas de saúde direcionadas às particularidades e necessidades desta população vulnerável”, finalizam.

Para ler o artigo, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, clique aqui.


Imagem capa: Portal Brasil

Fonte: Artigo Ciência e Saúde Coletiva
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