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Jorge Venâncio: “O maior desafio da Ética em Pesquisa é procurar evitar o retrocesso que representa o Projeto de Lei N. 7082/2017”

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Publicado em:09/06/2022
Por Danielle Monteiro

O ex-coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, revelou ao CEP Informa como a Conep conseguiu zerar a fila de projetos durante a pandemia e falou sobre as perspectivas futuras no campo da Ética em Pesquisa e o impacto da aprovação do PL N. 7.082/2017 para os participantes de pesquisa. Confira a seguir:


Conte um pouco sobre sua trajetória na Conep.


Jorge Venâncio: Coordenei a Conep de 2013 a 2022. Procuramos avançar na regulamentação protetiva aos participantes de pesquisa trabalhando, em nosso colegiado e no Conselho Nacional de Saúde (CNS) - a quem a Conep é vinculada -, as resoluções que organizaram a implementação plena da Resolução N. 466/2012, que preside todo o funcionamento do Sistema CEP-Conep. A saber, a Resolução N. 506/2016, que trata da Acreditação de CEPs, a Resolução N. 510/2016, que trata das especificidades das pesquisas com metodologias da saúde de Ciências Humanas e Sociais, que merecem especial cuidado e respeito dos profissionais de outras áreas, a Resolução N. 563/2017, que regulamentou as particularidades das pesquisas com doenças muito raras, a Resolução N. 580/2018, que detalhou os cuidados com as pesquisas estratégicas para o SUS, a Resolução N. 647/2020, que ampliou os espaços para a participação de representação dos participantes de pesquisa nos CEPs, e, finalmente, a Resolução sobre a Tipificação das Pesquisas, que já teve a aprovação final da Conep e está sendo analisada pelo CNS, que trará grande agilização da tramitação dos protocolos mais simples e permitirá ao sistema se concentrar naqueles em que há maior risco aos participantes.

Como a Conep conseguiu zerar a fila de projetos durante a pandemia?


Jorge Venâncio: Tratamos a pandemia como um grande desafio para a comunidade científica e para os profissionais de saúde em geral. A Conep não poderia ficar à parte dessa grande mobilização que ocorreu. Trabalhamos com câmaras virtuais; primeiro, centralizamos as análises na Conep para estabelecer um padrão de rigor na proteção ao participante, mas com tempo de análise bastante reduzido, de acordo com a gravidade da situação sanitária que passava o Brasil e o mundo inteiro. Posteriormente, fomos descentralizando de modo progressivo as análises, envolvendo nelas o conjunto dos CEPs, exatamente para manter a agilidade alcançada. Para se ter uma ideia do volume de trabalho realizado, foram 283 câmaras na Conep sobre protocolos Covid no ano de 2020 e mais 140 em 2021. No início, quando foi necessário, chegamos a ter reuniões diárias, incluindo fins de semana e feriados.

Quais são as perspectivas futuras para a Conep e no campo da ética em pesquisa?


Jorge Venâncio: Acredito que a Conep e o Sistema CEP-Conep, nesses vinte e seis anos de existência, conquistaram o respeito da comunidade científica e mesmo da sociedade brasileira, especialmente nesse período da pandemia. A proteção da segurança e dos direitos dos participantes de pesquisa é uma necessidade civilizacional no Brasil e em todo o mundo, porque eles, muitas vezes, estão muito vulnerabilizados ao serem convidados para uma pesquisa. E a experiência que temos tido mostra que é possível desenvolver a busca do conhecimento novo, objeto da Ciência, integrado com o respeito aos direitos humanos dos participantes. Essa integração favorece os participantes e engrandece os pesquisadores; há, portanto, benefício mútuo. Esse nos parece o caminho para obter um sistema de proteção aos participantes cada vez mais sólido.

Quais são os atuais maiores desafios no campo da ética em pesquisa?


Jorge Venâncio: O maior desafio é procurar evitar o retrocesso que representa o Projeto de Lei N. 7082/2017, apresentado por alguns laboratórios. Eles alegam que, se houver uma redução dos direitos dos doentes nas pesquisas, elas vão crescer no país. Mas isso foi tentado na Índia em 2005, a chamada “desregulamentação ética”, e gerou grande quantidade de mortes nas pesquisas. A Suprema Corte de lá chegou a interrompê-las até ter uma regulamentação mais adequada. Isso gerou grande receio na população com as pesquisas, e, até hoje, a Índia, que tem a economia maior que a nossa, não se recuperou plenamente e está atrás do Brasil nesse setor. Para enfrentar esse desafio maior, o sistema deve continuar se aperfeiçoando com a implementação da resolução que tipifica as pesquisas, que passa também pela conclusão da atualização do nosso sistema eletrônico onde tramitam os projetos, a Plataforma Brasil.

Quais são as perdas dos participantes com a aprovação do PL N. 7.082/2017?


Jorge Venâncio: Perdem direitos nas pesquisas, especialmente em relação ao tratamento, depois que a pesquisa se conclui, o chamado “pós-estudo”. Hoje, quem ajudou a testar uma nova droga ganha o direito de recebê-la gratuitamente enquanto houver o benefício e uma prescrição médica. O projeto restringe isso ao máximo de cinco anos e, mesmo isso, é relativizado por um conjunto de outros condicionantes. Essa é uma despesa pequena para os patrocinadores, que já têm uma lucratividade bastante satisfatória nas pesquisas, da ordem de 40%. Ampliá-la, retirando direitos dos doentes vulnerabilizados, seria a elevação do egoísmo sobre a solidariedade humana. Não nos parece adequado. Além disso, o PL retira também a autonomia da Conep, sempre respeitada pelo Conselho Nacional de Saúde, e vincula diretamente a Comissão ao Ministério, sujeitando-a às idas e vindas do dia a dia político. Por fim, o PL praticamente revoga nas pesquisas a Lei Geral de Proteção de Dados, que mal está começando a ser aplicada, ameaçando também direitos dos participantes à confidencialidade de seus dados pessoais e de saúde.



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