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Pesquisador da ENSP fala sobre a eficácia e a segurança da CoronaVac

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Publicado em:14/01/2021
O pesquisador da ENSP, Eduardo Costa, concedeu entrevista ao Hora do Povo. O epidemiologista ressaltou que uma vacina inativada, com duas doses, obter entre 70 e 80% de eficácia, é um resultado muito bom. Segundo ele, aprimeira qualidade da CoronaVac é que ela é pouco reatogênica, ou seja, as reações adversas graves não existem e foram já testadas, não apenas por este estudo que aconteceu no Brasil, mas em mais de 50 mil pessoas na China.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Hora do Povo: Como o senhor avalia os dados sobre a eficácia da CoronaVac, anunciados pelo governo de São Paulo em 7 de janeiro?

Eduardo Costa: Eu acho que nós temos que comemorar esse resultado da vacina CoronaVac quase como comemoramos um carnaval. Na verdade, a primeira qualidade desta vacina é que ela é pouco reatogênica, ou seja, as reações adversas graves não existem e foram já testadas, não apenas por este estudo que aconteceu no Brasil. A vacina foi aplicada para avaliação da reatogenicidade na China em mais de 50 mil pessoas.

A reação mais comum é dor no local ou então uma dor de cabeça. E isso foi só em 2,5% de todos os vacinados. Isso não ocorre com nenhuma outra vacina agora em análise contra a COVID-19. Nenhuma delas tem uma segurança desse tipo. Mas, o importante de ressaltar é que isso é normal com as vacinas inativadas. Então, o sucesso não é a nova tecnologia, é a boa tecnologia e a mais segura. No entanto, é comum que essas vacinas não tenham uma eficácia tão elevada quanto outras, especialmente aquelas que chamamos atenuadas de vírus inteiros, que não são de vírus inativados.

Normalmente elas são mais duradouras em termos de imunidade. No entanto, ela [CoronaVac] atingiu um nível que é muito bom. Com essas vacinas é muito bom ter de 70 a 80%. E foi com duas doses, não foi com três, o que é o regime mais usado com as vacinas inativadas. 

Na maioria das doenças nós usamos três doses. É só lembrar de difteria, tétano, coqueluche, raiva. Quantas vezes a gente toma vacina da raiva quando se tem um acidente suspeito? Vamos falar mais uma, a gripe, por exemplo, anualmente tem que repetir a vacina.

Então, essas vacinas de vírus inativados são boas. Há muita propaganda sobre outras tecnologicamente mais novas, mas ninguém quer assumir na verdade que elas têm alguns problemas de reações adversas. Começam inclusive a criticar quem teme a vacina, mas não é assim. É diferente de uma atitude negacionista. 

As pessoas têm que ser cautelosas porque quem se vacina é uma pessoa sã, não é uma pessoa doente. É uma pessoa sã a quem não se expõe a um risco desnecessário. Nós temos que trabalhar com as vacinas que têm mais reações se não houver ou não for acessível uma vacina mais segura. E aí aplicar essas vacinas que são mais reatogênicas preferentemente em grupos de risco.

Então, nós temos que comemorar muito esta vacina do Butantan. Com esta eficácia, é uma vacina boa para todos! Ela, embora tenha sido testada aqui no Brasil em profissionais de saúde que são adultos, ela é a aceitável para ser aplicada até em criança, que não é a grande prioridade, em função de que, realmente, o coronavírus tem essa característica de não produzir quase doença em crianças. É muito mais raro.

Então, a primeira coisa é a seguinte: eu vejo com júbilo, com uma alegria mesmo , eu diria, como cientista, que sou, como sanitarista, como epidemiologista. Enfim, hoje é um dia para nós comemorarmos com o que tivermos. Aproveitem, porque a notícia hoje é boa de verdade!

HP: Por que, na sua opinião, a Sinovac, empresa parceira do Instituto Butantan, adiou a divulgação desses dados de eficácia?

Eduardo Costa: Muitas pessoas estavam um pouco preocupadas, e até eu também, com o fato de não ter havido a divulgação na data que estava marcada, ou seja, dia 23 de dezembro, dos dados que estavam sob responsabilidade do Butantan. O que aconteceu – e agora nós sabemos melhor – é que, realmente, como o Butantan não é o dono da vacina, ele tem que respeitar um contrato com quem desenvolveu a mesma. 

Essa vacina foi desenvolvida na China, no caso particular, pela Sinovac, uma empresa chinesa. Então, ela detém os direitos, não é um direito patentário, mas são direitos contratuais de quem desenvolveu o produto. E ela, ao desenvolver a vacina, não o fez só o Brasil. Ela cedeu também para outros países, para que eles fizessem os estudos. E esses estudos não foram todos concluídos.

Vamos chamar a atenção para um fato. Existe um centro independente que analisa esses estudos em todos os detalhes, que fica na Áustria. Os chineses, ou seja, a Sinovac, não queria a divulgação agora. Ela queria lançar em todos os lugares ao mesmo tempo. Assim ela faria um registro na China, que era o natural.

Quando o registro é feito na China, a vacina pode ser usada em todo o mundo, em consequência dos acordos da OMS. Os grandes centros, da União Europeia, dos EUA e da China, valem para todo mundo. Não é o caso do Brasil. A Anvisa não é garantia nos outros países. Uma certificação da China é aceita no mundo inteiro porque ela detém alta tecnologia. Então, eles queriam aguardar para fazer primeiro o registro lá, para poder ser aceito em outros países. 

Mas, não ficaram prontos os estudos em outros lugares e eles tentaram protelar os resultados. Eu acho que o Butantan colocou um limite nisso. Alegou que essa estratégia estava atrasando – a Indonésia aparentemente era o país que estava demorando mais para terminar – e nós tínhamos que acelerar porque as pessoas dependiam disso.

Os chineses não tinham tanta pressa porque lá eles conseguiram controlar a pandemia só com as medidas de vigilância epidemiológica, de isolamento seletivo de pessoas, então, eles não têm a pressão que temos aqui. 

Eu acho que o Butantan agiu corretamente, pressionando para poder divulgar logo os resultados. A divulgação permite agora rapidamente iniciar a produção e distribuir, com os controles de qualidade normais que existem. 

Uma coisa que tudo isso nos mostra também é que não precisa ser o maior nem o mais avançado para ser o melhor. O melhor depende muito da seriedade com que se está fazendo as coisas. Este é um ensinamento que temos que extrair de tudo isso. 

Os testes foram feitos feitos no Brasil, os resultados são satisfatórios. Uma vacina inativada, com duas doses, obter entre 70 e 80% de eficácia é um resultado muito bom. Claro que não sabemos a duração da imunidade, mas, no entanto, é um tipo de vacina que não vai ter nenhum problema com revacinação. Isto não acontece com as outras. Há uma questão ligada às vacinas de mRNA, ou seja, aquelas que chamamos de ácido nucleico, que, especialmente, quando são aplicadas em grupos maiores do que nos estudos, que usam 20 a 30 mil pessoas, essas reações mais graves, que são mais raras, vão aparecer numa proporção de um para cem mil, ou coisa parecida. Claro que quando se vai para a população geral, isso é mais grave. Essas vacinas, especialmente a da Pfizer, estão produzindo pelo menos um em cada cem mil casos de reações ditas alérgicas graves. 

Isso leva à hospitalização em alguns casos. Nenhuma delas, que se saiba, teve óbito até agora, mas precisaram de atendimento e foram atendidas de maneira a evitar que fossem levadas eventualmente à morte. Muito bem, essas vacinas, se hipotetiza, que acontece também com a outra de mRNA, da Moderna, têm um problema que está ligado à tecnologia que utiliza nano partículas. É uma substância, que é capaz de fazer o serviço de transporte e que se chama PEG (polietilenoglicol). Aparentemente ela pode dar uma reação alérgica grave em pessoas já sensibilizadas antes.

Então, se não ocorrer nada de novo, se não aparecerem novas informações, nós temos a vacina ideal. Sabemos que o mundo não é todo aberto, não é um livro aberto, então tudo pode acontecer. Mas eu estou muito satisfeito com esses resultados da CoronaVac. E não aguardo grandes surpresas, ainda que sempre terá limitações, com o detalhamento dos dados a serem publicados.

HP: Como você avalia a segurança e a eficácia da vacina da AstraZeneca, que é baseada na tecnologia de vetor viral não-replicante de adenovírus de chimpanzé?

Eduardo Costa: Essa tecnologia, como as de mRNA, também não foi ainda usada na população para outras doenças. A vantagem delas é que a produção do antígeno fica mais fácil. Mas se têm vantagens do ponto de vista produtivo, não quer dizer que tenham vantagem do ponto de vista da aplicação na população. A escolha dos adenovirus seguiram lógicas de compartilhamento antigênico eventual com humanos. Isso levou a Osford/AstraZeneca escolherem um adenovirus não humano como vetor viral.

Mas segundas doses, como nós estamos vendo com a de Oxford/AstraZeneca, estão produzindo uma reação que teria baixado a proteção. Na verdade é o contrário do que se esperava. Provavelmente essa é a explicação para os resultados que a comunidade científica internacional questiona. E por isso não ter sido ainda aprovada nem na União Europeia, nem no FDA americano, nem na China, nem em lugar nenhum. Porque ela está com um problema que tem que ser resolvido. Nós não sabemos quantas vezes vai precisar tomar. A vacina da gripe é feita anualmente, por exemplo, então não adianta pensar em restringir a apenas uma aplicação. Politicamente a Agencia reguladora da Inglaterra a aprovou emergencialmente, mas não parece ter uma plano mais ousado de uso até agora.

HP: Por que as empresas como a Pfizer e a AstraZeneca fizeram exigências ao país quanto à cobertura nos riscos de ações indenizatórias causadas por possíveis efeitos adversos graves?

Eduardo Costa: Isso que eu falei antes, quer dizer que, ao aplicar essa vacina, ainda que sejam as reações adversas relativamente baixas e, com assistência médica consigamos resolver os casos graves, numa segunda dose ela vai ser usada em pessoas que estão sensibilizadas, porque usaram essa vacina na primeira dose. Isso pode aumentar bastante as reações. Nós não sabemos quanto. 

O que acontece, portanto, é que esses laboratórios produtores dessas vacinas não querem arcar com as consequências dos processos, mesmo fazendo tudo justificado pela emergência sanitária, com estudos preliminares de três meses. (Isso é diferente da CoronaVac, que tem um estudo completo de seis meses.)

Isso pode levar a processos que são muito custosos quando as vacinas são usadas a nível mundial. Além disso, eles têm problemas de conservação mais difíceis. Não são vacinas que, eu diria, que estão absolutamente prontas. Elas eram uma resposta se não tivesse uma outra, mas nós temos isso agora. E com uma taxa que é razoável, muito boa de eficácia. Poderia até ser melhorada com uma terceira dose, sem risco.

Entre as condições que a Pfizer está exigindo, segundo o Ministro da Saúde, uma já tinha no acordo da Fiocruz com a AstraZeneca, relacionada à processos legais decorrentes de danos eventuais causados pelas vacinas. 
Para contorná-lo o Ministério [da Saúde] queria que todo mundo que fosse vacinado assinasse, na época, um papel aceitando, dizendo que queria a vacina. Era por esta razão. Eles não queriam ficar com a responsabilidade de, depois, terem que pagar indenizações por acidentes adversos. Estamos vendo as manobras na nossa frente. Não pode ter o negacionismo e nem o voluntarismo irresponsável que interessa aos grandes produtores e não necessariamente é o melhor controle da doença.

Cabeça fria. Pesar bem os dois lados. É claro que, se não tivéssemos outra vacina, como agora ficou muito claro, e ficará talvez bem consolidado depois dos primeiros três meses do uso indiscriminado, era justificável o risco. Por isso, eu acho que uma pérola está na nossa mão que é a vacina do Butantan. É só polir agora e teremos condições de superar esse desafio do Sars-CoV-2.

HP: Na sua opinião, qual deve ser a estratégia de vacinação adotada pelas autoridades brasileiras?

Eduardo Costa: No nosso caso, quando temos uma vacina com eficácia boa, ou seja, acima de 70%, ficamos mais tranquilos com as várias estratégias que se pode utilizar. Como a disponibilidade vai ser progressiva, eu continuo achando, apesar dos grupos prioritários já terem sido listados, que a vacina deve ser dirigida aos que precisam mais, que são os mais velhos e com co-morbidades. Isso porque a prioridade deve ser orientada pelo risco. Deve ser para quem tem mais risco. Em seguida para estes que transmitem mais, que estão trabalhando, que estão em atividades essenciais. E depois descendo essa cadeia. 

E nós temos que ter também uma tática ágil usando a vigilância epidemiológica e fazendo, às vezes, vacinação mais ampla naqueles locais onde está ocorrendo um surto. Com isso, vamos ter mais controle da transmissão e informações, a partir simplesmente da notificação de casos. A equipe deve investigar, quando chega um caso no hospital, saber de onde vem. Fazer o rastreamento e imunização com a vacina em redor desse foco, nos contatos dele, etc. Como antes já falávamos o que devia ser feito com o isolamento. Muito mais fácil do que só o isolamento. 

Foi a experiência da varíola que nós fizemos, como eu já comentei aqui mesmo no HP, em que fazíamos um bloqueio chamado de vacinação de anel, ao redor de cada episódio desses e nas casas dos contatos diretos das pessoas. É isso o que o SUS tem que fazer e tem que se aparelhar para isso. 

Trabalhar melhor nesse campo para ajudar a controlar a epidemia. Já tem gente que está fazendo, mas não estamos fazendo nacionalmente com estímulo e orientação do Ministério para fazer isso. Está faltando o Ministério ter clareza, e ele não está tendo. O que interessa é que precisamos fazer concomitantemente a vacinação dos grupos com mais risco e dos grupos populacionais mais expostos com o controle dos focos e dos contatos das pessoas que adoecem.

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