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Seminário abordou desmedicalização e novos paradigmas de cuidado em saúde mental

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Publicado em:27/11/2020
 A quarta edição do 4o Seminário Internacional A Epidemia de Drogas Psiquiátricas - Patologização em Tempos de Pandemia, organizado pelo Laboratório de Atenção Psicossocial em Saúde (Laps/ENSP/Fiocruz) contou com 1800 inscritos e uma vasta programação. O evento foi transmitido online pelo canal do Youtube da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz, com tradução simultânea e interpretação em Libras, e as gravações estão disponíveis (veja links no fim da matéria).

Um dos destaques foi a presença do Relator Especial da ONU em Direitos Humanos e Saúde, Dainius Puras, no primeiro dia do evento. Ele apresentou conferência em que repercutiu o resultado das suas avaliações independentes sobre a as políticas públicas de saúde mental para as Nações Unidas ao longo de seis anos, até março de 2020. 


Forte crítico da medicalização excessiva, o psiquiatra lituano considera imprescindível rever o paradigma de cuidado em saúde mental para garantir o respeito e a autonomia dos pacientes, e assim a preservação dos direitos humanos. Com uma extensa gama de proposições no documento, o lituano defende o investimento em mais abordagens terapêuticas. “A OMS tem uma lista de medicamentos essenciais. Porque não temos uma lista de intervenções psicossociais básicas?" argumentou Dainius, que foi taxativo: “O status quo de cuidado em saúde mental falhou”. Sua apresentação aconteceu logo após a mesa de abertura. O conteúdo na íntegra das dois dias do 4o Seminário A Epidemia de Drogas Psiquiátricas - Patologização em Tempos de Pandemia está disponível no canal do YouTube da VídeoSaúde Distribuidora da Fiocruz.

Segundo Dainius, alguns grupos populacionais são especialmente vulneráveis à patologização e intenso uso de medicamentos psiquiátricos. Crianças, adolescentes, idosos internados em lares e clínicas são alguns desses segmentos, assim como as mulheres. “Muitas chegam aos serviços de psiquiatria por questões de violência doméstica, por exemplo, e nada é perguntado a elas, que saem de um consultório com prescrição de psicotrópicos”, observou. O médico, que esteve na América Latina pouco antes da eclosão da pandemia de covid-19, conclui que o momento é oportuno para o debate sobre o modelo de cuidado em saúde mental. “A temperatura do debate está alta e as maiores tensões são entre meus colegas psiquiatras” disse Puras. Para ele, todos os países devem banir medidas não consensuais, como internações compulsórias. “Isso é revolucionário. Existe uma patologização da diversidade e medicalização dos sentimentos”, afirmou. 


Abordagens dialógicas



Na tarde do primeiro dia, a mesa-redonda Medicalização Psiquiátrica Em Tempos de Pandemia e a Agenda Neo-Liberal movimentou o 4o Seminário A Epidemia de Drogas Psiquiátricas - Patologização em Tempos de Pandemia. A mesa-redonda, coordenada por Fernando Freitas contou com a presença de convidados internacionais - o médico e pesquisador dinamarquês Peter Gotzsche, um dos fundadores do Institute for Cientific Freedom e do jornalista estadunidense Robert Whitaker, do site “Mad in America’ que já participaram de edições anteriores do evento.

O jornalista Robert Whitaker demonstrou como o embasamento científico para o uso de antidepressivos contém falhas e a própria narrativa sobre desequilíbrio químico do cérebro como sendo a causa de doenças psiquiátricas é contestada. Para Peter Gotzsche, os psiquiatras preservam o discurso sobre o modelo bioquímico para sua própria conveniência, e sofrem influências da indústria farmacêutica. O psiquiatra alertou ainda que os efeitos adversos e a abstinência muitas vezes causam problemas piores do que as próprias doenças. 

Nos sistemas de saúde, outros recursos terapêuticos são preteridos para dar lugar a prescrição de mais e mais medicamentos, inclusive para situações de luto e sentimentos perfeitamente ajustados com as fases da vida e situações de crise, como a pandemia de covid-19 . Para ele, a psiquiatria precisa rever o seu papel, voltando a se tornar “uma disciplina mais humanista”. Os debatedores concordam que a pandemia não alterou o modelo de cuidado e a conduta da indústria farmacêutica.  “O paradigma é o mesmo, quer tenhamos uma pandemia, quer não”, afirmou Gotzsche.Os convidados reforçaram a importância de incorporar as “diferentes vozes”, de usuários do sistema de saúde mental, profissionais de diferentes áreas e da comunidade e família no debate sobre o modelo de cuidado e mencionaram as experiências terapêuticas que têm como premissa o diálogo, as abordagens dialógicas, como alternativas. 

O diálogo também é o mote do livro “Reuniões Dialógicas de Redes Sociais: formas de dialogismo no trabalho psicossocial”. Traduzido para o português por Vera Ribeiro, com a revisão técnica de Paulo Amarante,  e publicado pela Editora Fiocruz, o livro dos professores finlandeses Jaakko Seikkula e Tom Erik Arnkil  apresenta práticas inovadoras e teve seu lançamento celebrado durante a mesa-redonda.  Para Paulo Amarante, "O livro chega num momento muito importante em que nós estamos redefinindo e repensando a atenção em saúde mental e a atenção psicossocial, fundamentalmente para aquelas pessoas denominadas com psicose". 

Ao longo dos nove capítulos do volume, questões fundamentais para a saúde mental como o reconhecimento e a aceitação do outro; o pedido de ajuda entendido como um convite para um diálogo; a adoção do diálogo na prática cotidiana; os elementos curativos nos diálogos; a eficácia das reuniões dialógicas de redes são abordadas. Na avaliação de Fernando Freitas, a tradução traz uma forte contribuição “não apenas para o aprofundamento do processo de reforma psiquiátrico brasileiro, mas para todos aqueles que trabalham com situações de conflito”.

 

Filme, debate e experiências da América Latina


O segundo dia do 4o Seminário A Epidemia de Drogas Psiquiátricas - Patologização em Tempos de Pandemia contou com uma extensa programação. Durante a manhã, foi exibido o documentário produzido nos EUA  em 2020 “Medicando o Normal” (Medicating Normal), que apresenta cinco histórias de pessoas que tiveram suas vidas prejudicadas após a prescrição de medicamentos psiquiátricos. Uma delas é Angela Peacock, uma veterana da guerra do Iraque para quem foram prescritas medicações por apresentar sintomas desenvolvidos por traumas da vivência no exército. Ela conta que continuou se sentindo incapacitada durante quinze anos e hoje dá palestras nos centros de veteranos e em universidades. Angela participou do debate ao vivo após a exibição do filme, que contou com a participação da produtora e co-diretora Lynn Cunningham e do jornalista Robert Whitaker. A mediação foi do pesquisador Fernando Freitas e do LAPS (Laboratório de Atenção Psicossocial em Saúde)

Durante a tarde, os sistemas de saúde, a conjuntura política econômica, as iniciativas desmedicalizantes e os desafios trazidos pela pandemia de covid-19 na América Latina foram abordados na mesa-redonda “Movimentos Sociais, resistência, saúde mental e psiquiatria: enfrentamento da pandemia em países com grandes desigualdades sociais. O vídeo com as apresentações dos convidados internacionais José León Uzcatégui, da Venezuela, Alicia Stolkiner, da Argentina e Vitor Lizama do México pode ser acessado no canal do Youtube da VídeoSaúde Distribuidora da Fiocruz (veja links abaixo)

A coordenadora do Laps, Ana Paula Guljor, comemorou a realização bem-sucedida do evento. “Consideramos que o seminário reafirmou a importância da temática saúde mental no atual momento. Acreditamos que foi possível contribuir para ampliar o debate abordando as várias dimensões envolvidas no sofrimento psíquico na pandemia, e não reduzindo a ‘questão saúde mental’ a diagnósticos e prescrição de medicamentos”


Confira abaixo os vídeos com as apresentações do seminário (versões em português): 


Fonte: CCI Ensp

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