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Seminário Pré-Abrascão debateu APS em tempos de austeridade e abertura de mercados

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Publicado em:03/04/2018
*Por Bruno C. Dias

Seminário Pré-Abrascão debateu APS em tempos de austeridade e abertura de mercadosDe principal inovação e acesso efetivo de mais de 130 milhões de brasileiros ao sistema de saúde para tornar-se objeto de disputa de mercado e caminho de privatização e redução de direitos, os 30 anos de experiências e resultados da Atenção Primária à Saúde no Brasil (APS) estiveram em destaque no seminário organizado pela Rede de Pesquisas APS realizado em 20 e 21 de março, nas dependências da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). A atividade foi um dos seminários preparatórios do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2018), que acontecerá de 26 a 29 de julho, no campus Manguinhos da Fiocruz, no Rio de Janeiro.

Na abertura realizada no auditório térreo, Lígia Giovanella, coordenadora da Rede de Pesquisas em APS e pesquisadora da ENSP/Fiocruz, fez uma homenagem à Marielle Franco. "Com sua luta e vida, Mariellle deu voz a 60 mil cidadãos assassinados anualmente no país. Solidária defensora dos Direitos Humanos, concentrou suas energias, beleza, alegria e juventude no enfrentamento das injustiças sociais e em prol da redução das desigualdades sociais. Sua execução mostra o lado sombrio do atual momento em que vivemos, que beira o fascismo e engendra novas formas de autoritarismo. Não vamos deixar calar sua voz, Marielle, ela permanece em nós", se emocionou Lígia, entoando um grito de Presente, acompanhada pela plateia.

Youtube: Acesse aqui os vídeos do Seminário na íntegra

As efemérides da chamada do evento serviram de disparador para presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Ferreira dos Santos, e os pesquisadores-docentes Rosana Aquino (ISC/UFBA), Davide Rasella (Cidacs/IGM/Fiocruz) e Luiz Facchini (DMS/FM/UFPel) exporem alguns dos porquês da APS apresentar mesmo tempo indicadores positivos, grandes fragilidades e disputas de interesses entre públicos e privados, em especial no momento atual.

O SUS com evidência de cidadania e de democracia, e a Estratégia Saúde da Família (ESF) como tecnologia de acesso e garantia do direito à saúde foram os marcos da fala do presidente do CNS, que denunciou o esvaziamento técnico e político dos órgãos do Ministério da Saúde e da gestão do SUS na gestão de Ricardo Barros. “As mudanças na política de Saúde Mental, na PNAB, no debate dos blocos de financiamento, no poder regulador da Anvisa, é uma série de eventos e medidas que concretizam um esvaziamento e desmonte real de um sistema de saúde que nós e milhões de brasileiros construímos no dia a dia”. Ronald convocou ainda a participação de todos na marcha na Semana da Saúde, em 04 de abril, e o reforço ao abaixo-assinado contra Emenda Constitucional 95 (EC 95).

“Engraçado observar que chegamos a pensar que eles não se interessariam nunca por Atenção Primária, que não dava dinheiro, enquanto hoje vislumbramos que o mercado quer sim a consolidação de uma forma hegemônica de APS, de serviços baratos e acesso e atendimento precários”, precisou Rosana Aquino, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Ela saudou a iniciativa da realização do seminário como evento preparatório do Abrascão 2018. “Essa é uma agenda estratégica que nossa Associação nos convoca para o Abrascão, para fazermos um congresso de luta, que discuta saúde, ciência e direitos sociais, que evidencie a nossa luta pelo SUS. Não poderia deixar de falar da felicidade de estar aqui, que para mim, é essa felicidade do lutar em coletivo”.

A professora expôs um conjunto de dados, referenciais históricos e programas já implantados em 30 anos da APS nos serviços de saúde, mas que só começaram a mostrar impactos efetivos na saúde da população com o fortalecimento e indução do ESF, a partir dos anos finais da década de 1990. Para Rosana, o principal marco da ESF e da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) até então foi reorientar o sistema público como fonte usual para cuidados de saúde da maioria da população. “A APS aumenta a fonte usual no entorno, na UBS, e não nas emergências e nas unidades de referência. O modelo que querem é o retorno da farmácia, da clínica pequena paga pelo plano popular como fonte de cuidado.” Destacou ainda que a revisão da política, realizada a toque de caixa no ano passado, não é uma política deslocada, mas apoiada pela agenda neoliberal de ajuste fiscal e de atração de mercados, com respaldo político. “Terrível ver entidades que sempre estiveram ao lado do SUS se comportar dessa maneira e aprovarem a redução na carteira de serviços sem questionamentos”, disse a pesquisadora, em crítica direta às entidades da gestão.

Rosana encerrou ainda apontando que o desafio da informatização, que poderia dar o devido salto de qualidade e acesso do SUS no país, esbarra na lentidão de implementação e na sua própria existência. “Precisamos ficar atentos ao desmonte do nosso sistema de vigilância e informação por esses mecanismos de sufocamento. A luta para implantar o E-SUS esbarra justamente na falta de interesse em informatizar as UBS e obter assim informações para a prestação do cuidado”.

Com os dados da última PNAB e por meio de modelagens matemáticas, Davide Rasella, professor convidado do ISC/UFBA e pesquisador associado do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/IGM/Fiocruz) apresentou dados preliminares do estudo que relaciona as políticas de austeridade do governo Temer com a mudança nos quadros de saúde. Em diálogo com pesquisas nacionais e internacionais que trazem esse veio de investigação, Rasella destacou que disputamos tanto narrativas como condições reais de reprodução da vida. “O PIB concentrado vai contra a narrativa da austeridade, mas mesmo assim ela prevalece. Por que a crise não afeta essa parcela menor de 1% e que concentra esse PIB. Nossos estudos têm de refletir isso”, provocou.

A modelagem realizada para a análise de um grande volume de dados de coortes já sistematizadas pelo Cidacs e demais institutos fez projeções para cenários de crise curta (até 2018), média (até 2020) e longa (2022). Para Rasella, em todos os cenários, fica evidente o distanciamento entre a projeção de crescimento do PIB e o investimentos sociais estrangulados pela EC95. “O que impressiona é a derivação da curva. É justamente quando os recursos da economia deveriam produzir melhoras para justamente sair da crise que se agravam os efeitos da austeridade”.

A austeridade tira vidas

Nas projeções do pesquisador, a manutenção do ajuste deixa de evitar cerca a morte de 20 mil crianças até 5 anos e até 250 mil óbitos por doenças infecciosas e crônicas, para as quais já programas de assistência e prevenção. “As doenças sensíveis à pobreza são também às mais sensíveis à aplicação das medidas fiscais, o que faz perceber como a redução do Estado de Bem-Estar Social pode trazer malefícios e resultados negativos à saúde da população”, completou o italiano. Por se tratarem de dados preliminares e em pesquisa, a apresentação não foi disponibilizada.

Numa fala franca e direta, Luiz Augusto Facchini, professor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (DMS/FM/UFPel) e presidente da Abrasco (2009-2012), defendeu que a Atenção Básica, e em particular a ESF, foi a principal inovação do SUS, e que seus desafios para consolidação e ampliação dependem centralmente do investimento agora garroteado pela Emenda. “Nossa grande preocupação é que os avanços observados ao longo de 30 anos de SUS e mais de 20 anos de ESF estão ameaçados por toda essa conjuntura de desmonte de direitos sociais que o nosso país experimenta”.

Facchini evidenciou dados que mostram que mesmo com a presença de mais de 40 mil equipes de SF no território nacional há grandes limitações no acesso de segmentos da população e na qualidade do serviço a elas prestado. “Mesmo programas como o Pré-natal, que alcançam mais de 98% das gestantes com pelo menos uma consulta, e cerca de 80% com seis ou mais consultas durante a gestação, apenas a metade realiza exame ginecológico nas unidades de saúde, o que é uma lástima. O atendimento a pessoas com doenças crônicas é outro exemplo de programa que carece de completude das ações previstas nos protocolos e diretrizes”.

À tarde, os participantes dividiram-se nos grupos temáticos Força de trabalho e práticas profissionais em APS; Modelo de atenção e impactos na organização dos serviços; Financiamento e gestão da APS. Os pontos de destaque de cada grupo foram sistematizados em plenária e debatidos no dia seguinte, na reunião do Comitê Gestor da Rede. “Após breve apresentação dos destaques dos documentos, sintetizamos os principais pontos para compor a agenda estratégica da APS no SUS e que estaremos finalizando a redação nas próximas semanas”, explicaram os coordenadores Lígia Giovanella e Facchini durante a reunião da Comissão Científica do Abrascão 2018.

“A Abrasco e a Rede APS se constituíram em espaços importantes para a reflexão, a prática política e a intervenção social. Aproveitamos o calendário de eventos da Associação e de demais entidades parceiras para identificar agendas e temas de pesquisa e sistematizar informações e conhecimentos disponíveis. Além da intervenção política em torno da Atenção Básica e da defesa do SUS, queremos que o Abrascão articule um conjunto de ações para estender especialmente o debate da integralidade, diretriz do Sistema mais comprometida tanto verticalmente, no contexto dos diferentes níveis de atenção, como horizontalmente, ao interior de cada unidade básica”.


*Bruno C. Dias é jornalista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP/Fiocruz.

 


Fonte: Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
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