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Entrevista: 'Brasil é o principal fornecedor do complexo produtivo do cigarro paraguaio'

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Publicado em:28/08/2017
Instituído em 1986 pela Lei nº 7488, o Dia Nacional de Combate ao Fumo é comemorado em 29 de agosto com o objetivo de reforçar ações nacionais de sensibilização e mobilização da população para os danos sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco. 
 
Dentre as ações estabelecidas pela Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco-CQCT/OMS está a eliminação de todas as formas de comércio ilícito de produtos de tabaco - como o contrabando, a fabricação ilícita e a falsificação. O fortalecimento das ações de combate ao mercado ilegal de cigarros tem sido uma das linhas de atuação do Governo Brasileiro. Recentemente, foram potencializadas com a implementação do Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros (Scorpios), e também com a obrigatoriedade de utilização da Nota Fiscal eletrônica.
 
Entretanto, sabe-se que a Indústria Fumageira usa a estratégia do comércio ilícito como uma forma de não apenas sonegar impostos, como também atingir novas faixas de mercado com o intuito de levar seu produto a todos os pontos de venda possíveis, exportando grande parte dos produtos para o Paraguai e depois reintroduzindo esse produto no Brasil, consolidando o mercado ilegal.
 
Para elucidar este ponto, o consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Oxford, Roberto Magno Iglesias, concedeu entrevista ao Boletim sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco, do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da ENSP/Fiocruz. Em seu discurso, desmascara a vitimização das empresas, lembra que o comércio ilegal teve grande incentivo da própria indústria na década de 1990 e afirma ser o Brasil o principal fornecedor no complexo de produção do cigarro paraguaio. Confira.
 
De acordo com informações da indústria fumageira, cerca de 30% do mercado de cigarros do Brasil é ocupado por produtos originários do mercado ilícito, em especial do Paraguai. Relatório da OMS*, no entanto, demonstra evidências do envolvimento ativo das empresas na promoção do comércio ilegal na maioria das economias, seja na intenção de promover marcas, aumentar quota de mercado ou abrir mercados fechados. Como o senhor avalia essa situação?
 
Entrevista: 'Brasil é o principal fornecedor do complexo produtivo do cigarro paraguaio'Roberto Iglesias: A existência de cigarros paraguaios no mercado brasileiro foi iniciada por uma triangulação (Brasil – Paraguai – Brasil) de empresas brasileiras na década de 1990, que exportava o produto para o Paraguai em quantidades até dez vezes maiores que o tamanho do mercado consumidor daquele país. Esse produto, então, retornava ilegalmente para o território nacional por meio de uma rede de distribuição ilegal.

Mais tarde (1999), as autoridades brasileiras tentaram inviabilizar esse processo e colocaram imposto de 150% sobre as exportações de cigarros para países da América Latina, o que encerrou o incentivo financeiro para as empresas promoverem essa triangulação. No entanto, ficou o potencial da demanda território brasileiro e rede articulada de distribuição ilegal.
 
O presidente do Paraguai, dono da maior fábrica de cigarros daquele país, cujo mercado principal é o Brasil, já declarou o fato de que a própria indústria de tabaco transnacional criou essa rede de distribuição. Agora, é necessário questionar o discurso das empresas quando o assunto é o mercado ilícito. Ao observamos os argumentos utilizados para se opor às políticas públicas de controle, nota-se um viés anti-tributação  econômico. 

Eles argumentam, inclusive, que é somente a elevação dos impostos do tabaco o que aumenta o contrabando e reduz a arrecadação, o que sabemos se tratar de justificativas para frear qualquer tentativa de aumentar impostos controle no Brasil e oculta a necessidade de melhorar outras politicas para reduzir o problema. 
 
A indústria, que por muitas vezes se coloca na condição de vítima, alega que o cigarro do Paraguai praticamente não leva tabaco brasileiro, além de afirmar que a qualidade do produto é duvidosa e que, com certeza, faz mais mal à saúde. Há veracidade nesse discurso?
 
Roberto Iglesias: Não existe, na maior parte das vezes, um perigo maior senão aquele que significa fumar um cigarro; seja ele vendido legalmente ou no mercado ilegal. Há alegação de outras substâncias perigosas, mas elas estão presentes em qualquer outro cigarro. Porém, vale destacar que o cigarro é um produto muito regulado no Brasil. Temos imagens de advertências, altos impostos, uma legislação vigente, ou seja, cuidados que o cigarro contrabandeado não possui. A importação, seja ela do Paraguai ou de qualquer outro lugar, deve obedecer às regras e normas vigentes no país para ser comercializada.
 
Todavia, chamo a atenção para determinado aspecto: as fumageiras brasileiras abastecem o mercado paraguaio. O Brasil forneceu, entre 2009 e 2012, mais de 50% da folha de tabaco utilizada pelo Paraguai. Apesar de participação no suministro a exportação ter se reduzido a 45% nos últimos anos, o país fornece ainda insumos para fabricação, como 50% do papel utilizado na produção das caixas de cigarros paraguaios, cerca de 67% do papel alumínio que vai dentro da “caixa” para conservar os cigarros e filtros de espuma e quase 50% do material para o filtro. 
 
Conclui-se, então, que o Brasil é o principal fornecedor no âmbito do complexo produtivo do cigarro paraguaio. Há um contrassenso no discurso da indústria de tabaco das organizações empresarias contra o contrabando, mas essa questão deve ser discutida dentro do Poder Executivo brasileiro e  no bojo do Mercosul. O Paraguai tem a obrigação de formalizar essa produção. Agora, todo o mundo tem medo de tocar nesse assunto, porque, no passado, as grandes empresas utilizaram o Paraguai como uma plataforma de exportação ilegal para os próprios países do bloco. Os governos têm dificuldade ou são movidos a interesses geopolíticos, para não tocar nessa questão. É um tema delicado, uma vez que a produção desse cigarro é legal no Paraguai.
 
Como já mencionado, as empresas alegam que os elevados impostos aumentam o contrabando do tabaco. Explique por que a tributação é uma eficiente estratégia de controle.
 
Roberto Iglesias: A tributação reduz o número de tabagistas, faz com que as pessoas diminuam a quantidade de cigarro e inibe a entrada de novos fumantes, mas como resultado desse processo pode aumentar a participação do cigarro ilegal no consumo total, por isso é necessário controlar o mercado ilegal. Nos últimos anos, no Brasil, embora observemos uma redução da prevalência de fumantes, do consumo legal e do consumo total, o mercado ilegal cresce. Parte das pessoas, em vez de abandonar o cigarro, recorre ao cigarro contrabandeado. A participação do mercado ilegal cresceu na medida em que o consumo total e a prevalência do fumo diminuíram. 

A solução é colocar o Paraguai na formalidade.
 
Como o senhor enxerga a atuação dos Observatórios que trabalham no monitoramento das estratégias da indústria?
 
Roberto Iglesias: É extremamente importante acompanhar as estratégias da indústria, uma vez que, a cada ação das instância de saúde, as empresas atuam de maneira a inibir o controle do tabagismo. Iniciativas como a do Observatório do Cetab devem crescer, pois a indústria é incansável, possui recursos financeiros e humanos para trabalhar durante os 7 dias da semana, nos 30 dias do mês. É de total relevância identificar, acompanhar e descrever as estratégias da indústria do tabaco. 
 
Não adianta regular e cobrar impostos de 70% do mercado e “isentar” os outros 30%. A indústria reforça o discurso que a redução dos impostos é a saída para conter o contrabando. Mas a solução é outra: é buscar formalizar a indústria paraguaia e a importação dos seus produtos.
 
Até pouco tempo atrás, apesar do trabalho da Receita Federal e do Ministério da Justiça, nunca se falou em sentar com o governo paraguaio e tentar resolver esse problema – o que seria a coisa básica a fazer. Há de se ressaltar que esse é o posicionamento da sociedade civil, o meu, mas ele tem grande dificuldade de encontrar eco no governo. A Receita concorda que a solução é conversar com o Paraguai, alertar para que não sigam com esse tipo de comércio, e há grande resistência no Itamaraty, que não entende dessa forma. Mas o estado brasileiro deve pensar uma estratégia diferente, porque o controle na fronteira não é suficiente, quando se tem uma fronteira terrestre dessas características e extensão. 
 

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